Qual o futuro do ensino noturno no Ceará com a universalização do tempo integral
Em 2026, o Ceará tem a meta de universalizar o ensino médio em tempo integral na rede pública estadual, uma demanda histórica da educação que ganhou força nas últimas eleições, quando o atual governador Elmano de Freitas (PT) assumiu o compromisso de cumprir esse objetivo até o fim do mandato. A mudança, porém, impõe um desafio adicional: a situação dos estudantes que não podem ou não desejam aderir à jornada ampliada e dependem da oferta em tempo parcial, concentrada, sobretudo, no período noturno. Como essa oferta será mantida e de que forma esses alunos serão atendidos?
O primeiro ponto é que esse cenário está previsto na Lei Federal 14.945/2024, que, em 2024, reestruturou o ensino médio brasileiro após os impactos das mudanças conhecidas como “novo ensino médio”, aprovadas no governo Temer e implementadas a partir de 2022. Pela nova legislação, os estados são obrigados a manter, na sede de cada município, ao menos uma escola da rede pública com oferta de ensino médio regular no turno noturno.
Mas, para isso, a norma também prevê que é preciso haver uma “demanda manifesta e comprovada para matrícula de alunos nesse turno”. Na prática, a lei condiciona a oferta à existência de procura, sem definir critérios objetivos ou um número mínimo de estudantes que justifique a abertura das vagas. Logo, fica a cargo dos estados definir o que é demanda e quando ela será suficiente para justificar a abertura de uma turma noturna.
Nesse momento, no Ceará, está aberto o processo de matrículas para 2026 nas escolas de ensino médio da rede pública estadual. É nesse processo que será dimensionada a proporção desta procura nos 184 municípios. No Estado, a rede estadual tem 766 escolas, das quais 531 funcionam em tempo integral e outras 151 devem ter a jornada ampliada até o fim de 2026.
O Diário do Nordeste publica neste mês uma série de matérias para discutir como está a tentativa do Governo do Estado de cumprir a promessa de universalizar o tempo integral no ensino médio das escolas da rede pública estadual em 2026, detalhando o número de unidades que ainda precisam efetivar a política, assim como os diferentes impactos para a comunidade escolar.
A secretária executiva do Ensino Médio e Profissional da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Jucineide Fernandes, em entrevista ao Diário do Nordeste, aponta que algumas das escolas que se tornarão de tempo integral também poderão ofertar aulas no período noturno, com tempo parcial, tanto para o ensino médio regular, como para a Educação de Jovens e Adultos (EJA). Mas, segundo ela, não é possível ainda dizer exatamente quantas cidades seguirão ofertando o ensino noturno.
No Ceará, segundo os microdados do Censo Escolar 2024, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 324 das 779 escolas estaduais registraram funcionamento no turno noturno. Esse dado, porém, indica apenas que a escola operava à noite e não informa quantos alunos estão matriculados nesse turno nem se a oferta corresponde ao ensino médio regular ou à EJA.
O que está previsto para a matrícula de 2026?
Na portaria (2284/2025) publicada pela Seduc em novembro deste ano, que trata das regras para a matrícula de estudantes nas escolas da rede pública estadual em 2026, a pasta indica que o ensino médio noturno “terá aulas presenciais e remotas em todas as séries”, com carga horária total mínima de 1.000 horas por ano. Neste formato, serão 25 horas semanais, sendo 20 presenciais e 5 a distância.
Sobre esse modelo, Jucineide destaca que “já tínhamos aulas remotas desde o processo de implementação anterior do novo ensino médio, aquele que começou em 2022. A gente precisava aumentar a carga horária do noturno, então colocamos uma parte mediada por tecnologia, utilizando plataformas digitais”.
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Em relação à garantia da oferta do ensino médio noturno paralelamente ao processo de universalização do tempo integral na rede estadual do Ceará, Jucineide afirma que “uma parte da matrícula vai para o noturno, a gente tem essa consciência. E a gente tem interesse em fazer essa oferta para garantir vagas para todos os alunos que busquem a escola, que se adeque às suas necessidades, e queremos fazer um ensino noturno com mais qualidade”.
O presidente do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação do Estado e Municípios do Ceará (APEOC), Anízio Melo, destaca a demanda histórica pela universalização do tempo integral.
É uma busca dos movimentos há muito tempo. Nós entendemos que é necessário ter escola em tempo integral, universalizada, com as condições de fazer a formação humana, científica e profissional, articulada com a cultura, as artes, o esporte e projetada não só para o mundo do trabalho, mas também por um exercício de uma cidadania crítica e consciente.
Nesse percurso, ele também ressalta que os esforços não são direcionados só para a abertura de vagas, mas também para a manutenção e aponta que o processo de universalização precisa “de uma articulação social, além do debate pedagógico. Além do desejo da universalização, precisamos garantir que sejam asseguradas escolas com estruturas que possam realmente dar ao estudante, ao professor e à comunidade escolar a tranquilidade para desenvolver o processo ensino-aprendizagem”.
Anízio ressalta que além das novas escolas, é necessário garantir que as unidades escolares que ainda têm ensino de educação integral em prédios antigos e reformados, “também sejam vistos nessa expansão”.
Demanda por ensino médio noturno
Essa modalidade, no Brasil, historicamente tem sido assegurada para alunos que, devido a condições particulares, não podem permanecer nas escolas de manhã e de tarde, seja porque trabalham ou fazem estágio para aumentar a renda familiar, ou porque se dedicam a cuidados a membros da família, como filhos, pais e avós.
Nesse sentido, o Programa Pé-de-Meia, uma espécie de poupança estudantil criada pelo Governo Federal em 2023 e lançada em 2024, tenta garantir um incentivo financeiro justamente para que os estudantes do ensino médio não abandonem as escolas. O programa prevê o pagamento de R$ 200 mensais ao aluno do ensino médio. Esse valor pode ser sacado a qualquer momento.
Além disso, ao final de cada ano letivo concluído, o beneficiário acumula R$ 1.000 em uma poupança, cujo saque só é permitido após a conclusão do ensino médio. Mas, um dos fatores limitantes é que o benefício, não alcança o montante financeiro que um estágio ou um trabalho, muitas vezes, proporciona aos adolescentes.
Para o professor de Política Educacional da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ruy de Deus e Mello Neto, a ampliação do ensino em tempo integral, embora seja uma demanda histórica com impacto direto na vida dos estudantes, traz desafios próprios de implementação.
Ainda assim, pondera ele, a literatura educacional indica que redes "que ampliaram o número de vagas integrais mais cedo costumam se destacar com resultados positivos nas avaliações externas do ensino médio".
A dificuldade se dá justamente pelo fato de que nem todos os estudantes se adequarão, seja por vontade própria, seja por imposições histórico-familiares, a esse modelo. Adequar-se ao ensino médio integral tem um custo elevado para parte da juventude, de modo que alguns jovens, especialmente os de mais baixa renda e aqueles com maiores dificuldades escolares, podem não conseguir acompanhar uma escola nesse formato.
Ele reforça que são os casos de estudantes que: “precisam contribuir financeiramente com a renda familiar, jovens com dificuldades de concentração, jovens em contextos familiares desestruturados ou com problemas de aprendizagem, entre outros. Todos são potenciais estudantes com dificuldades de permanência no modelo integral".
Em relação ao ensino noturno, o professor destaca que esse formato é "historicamente negligenciado pelas redes de ensino, e essa condição não se restringe ao contexto da integralização do ensino médio".
Nesse contexto, aponta, o principal desafio está em manter um modelo de oferta adequado a um público com necessidades específicas, ao mesmo tempo em que a demanda por esse tipo de ensino pode se ampliar devido à dificuldade de parte dos estudantes em permanecer no ensino integral.
O representante da Apeoc, Anízio Melo também aponta que o Sindicato APEOC tem acompanhado o contexto para que na universalização garanta também o ensino noturno regular.
“A sociedade civil tem que se organizar para apresentar essa demanda, ajudar a organizar onde há necessidade dessa escola ensino médio noturno, ela tem que aparecer, ela tem que ser expressar dentro da coleta de dados, tem que se expressar não só no desejo, mas também na confirmação da matrícula”, destaca Anízio.