Pelo menos 51 cidades do Ceará indicam falta de alguma vacina; Sesa nega que houve desabastecimento

Em nota, Ministério da Saúde afirma que os estoques estão abastecidos e que atendeu a todas as solicitações dos estados nos últimos meses de 2024

Profissional de saúde prepara vacina para aplicação
Legenda: Pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) foi realizada entre 29 de novembro a 12 de dezembro de 2024 e ouviu 59 cidades do Ceará
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Diversos municípios brasileiros têm relatado que estão faltando vacinas para a proteção contra diferentes doenças. No Ceará, a Confederação Nacional de Municípios (CNM) consultou 59 cidades entre 29 de novembro a 12 de dezembro de 2024. Destas, 51 indicaram a falta de algum imunizante, com destaque para as vacinas contra a Covid-19 para adultos e crianças. A Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) nega que tenha havido desabastecimento e o Ministério da Saúde afirma que os estoques estão abastecidos.

O levantamento foi feito na segunda edição do estudo técnico “Falta vacina para proteger as crianças brasileiras”, realizado pela CNM com consultas aos municípios via call center. A primeira pesquisa foi feita em setembro de 2024. Naquele momento, 61 cidades cearenses responderam, das quais 48 relataram falta de vacinas, com destaque para os imunizantes contra Covid-19 (infantil) e catapora.

Os resultados disponíveis no documento mais recente, publicado no site da confederação, consideram apenas a quantidade de municípios que participaram das duas pesquisas, em setembro e em dezembro.

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As informações específicas da participação dos gestores cearenses na segunda edição foram repassadas à reportagem pela assessoria de imprensa da CNM, após solicitação do Diário do Nordeste. A confederação não informou quais cidades do Ceará responderam a cada uma das edições da pesquisa.

Ao todo, a publicação informa que 34 cidades do Ceará participaram das duas edições. Em setembro, 28 (82,4%) delas relataram falta de alguma vacina, enquanto em dezembro esse problema foi apontado por 29 (85,3%) gestores.

Entenda a pesquisa da CNM

Em todo o Brasil, gestores de 2.895 cidades de todo o País foram consultados via call center pela confederação nesta segunda edição do levantamento. Destes, 65,8% (1.904) afirmaram que, naquele momento, estavam enfrentando escassez de vacinas, afetando principalmente a imunização de crianças.

Entre as substâncias em falta, 1.516 cidades disseram estar sem vacina contra a varicela, que protege contra a catapora, com uma média de desabastecimento superior a 90 dias. A vacina DTP (Difteria, Tétano e Coqueluche) também estava em falta em 520 municípios participantes da pesquisa, com um período médio de 60 dias.

A CNM também destacou a falta da vacina contra a Covid-19. No período da consulta, a escassez do imunizante para o público infantil afetava 732 municípios que responderam à pesquisa, ao longo de 40 dias, em média. Além disso, 736 cidades estavam sem estoque da vacina voltada à população adulta, há uma média  de 45 dias.

Considerando apenas os municípios que participaram das duas pesquisas, a CNM chama atenção para a continuidade do problema que já havia sido registrado em setembro. Isso porque, 935 cidades que já tinham relatado desabastecimento na primeira edição continuaram sem vacinas na segunda.

Além disso, a confederação aponta que 209 municípios foram abastecidos após a primeira pesquisa e outros 253 passaram a ter falta de vacinas na nova consulta. Nas duas edições, 358 cidades estavam com estoque de imunizantes.

Sesa nega que houve desabastecimento no Ceará

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a coordenadora de Imunização da Sesa, Ana Karine Borges, afirma que o Ceará não enfrentou desabastecimento de vacinas em 2024. Apesar disso, ela também reconhece que, entre junho e dezembro do ano passado, a secretaria estadual não recebeu vacinas pediátricas contra a Covid-19.

“Permanecemos recebendo vacinas de Covid-19 até setembro para o público-alvo de adultos, mas esse imunizante que a gente tinha disponível não era o mesmo que poderia ser aplicado em crianças. Mas já recebemos um lote significativo, tanto para adultos quanto para crianças, e assim que elas foram recebidas, já foram distribuídas. A gente permanece com o estoque disponível na nossa central estadual, caso algum município tenha necessidade”, afirma.

Além disso, a vacina contra a varicela esteve com distribuição comprometida no Ceará desde julho de 2023. Uma nota informativa publicada pela Sesa em janeiro de 2024 aponta que, desde aquele mês, o Estado não recebia doses suficientes para atender 100% da meta mensal, que inclui crianças e trabalhadores de saúde. Com isso, a recomendação foi que os municípios priorizassem a vacinação infantil.

Segundo o documento, a situação foi ocasionada por atrasos na entrega dos imunizantes pelos laboratórios produtores ao Ministério da Saúde, devido a “trâmites regulatórios relacionados à qualidade na produção internacional da vacina”. Por isso, nos meses posteriores, a distribuição das doses às cidades foi “fracionada e modificada conforme os estoques disponíveis”.

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Em janeiro de 2024, por exemplo, apenas 50% da meta mensal para crianças foi distribuída. A outra metade foi disponibilizada no mês seguinte. Essas informações estão disponíveis no documento “situação da distribuição de imunobiológicos aos municípios para a rotina” para janeiro e fevereiro.

O Diário do Nordeste organizou as informações dos documentos da Sesa para todos os meses de 2024 nesta tabela. O abastecimento da vacina contra a varicela ficou comprometido em todos os meses, e a aplicação dela em crianças foi substituída pela vacina Tetra Viral entre julho e setembro e novamente em novembro e dezembro.

Ana Karine Borges explica que esse documento é publicado até o dia 10 de cada mês para que os municípios possam solicitar cota extra ou recusar doses, caso tenha estoque suficiente. Após a publicação deles, pode ocorrer de as doses faltantes serem enviadas pelo Ministério da Saúde ou substituídas por doses de outra vacina.

“Para cada vacina, existem outros imunobiológicos que podem ser substituídos, garantindo a mesma proteção. Por exemplo, a vacina da varicela. Tivemos momentos que não conseguimos receber 100% (da meta), mas tivemos vacinas que fazem a mesma proteção, como a Tetra Viral, que é vacina contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela. Então, as crianças continuaram sendo protegidas”, explica.

Ainda que posteriormente a pasta tenha encontrado soluções para reverter o desabastecimento temporário ou o abastecimento parcial, os informes refletem essa dificuldade que o governo federal teve para enviar as doses. Em maio, por exemplo, inicialmente estava disponível apenas 60% da meta para a população de 4 anos.

“Nessas situações em que o card saiu com 60% da meta, em seguida a gente fez a reposição com 40% ou então, em algumas situações, a gente mandava 60% de tetra viral e 40% do que a gente tinha de varicela”, explica.

A falta da vacina contra a varicela foi uma das mais citadas por cidades brasileiras na pesquisa da Confederação Nacional de Municípios. Em comunicado da Presidência da República, o diretor do Departamento do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde, Eder Gatti, reforçou o problema da escassez mundial de matéria-prima para esse imunizante.

Além disso, acrescentou que eventuais problemas pontuais serão resolvidos com os novos parceiros. “Garantimos abastecimento inclusive da varicela, que enfrentava pendências, superando um problema por conta de fornecedores. Hoje, contamos com três fornecedores para essa vacina, assegurando a normalização ao longo do primeiro semestre de 2025”, afirmou Gatti.

‘Microplanejamento’

Na conclusão do segundo levantamento, a Confederação Nacional de Municípios aponta a existência de problemas de logística na distribuição de vacinas às cidades. Sem especificar os dados por estado, a CNM indica que 1.635 gestores responderam sobre motivos para perda de vacinas por prazo de vencimento exíguo. Entre eles:

  • 1.113 (68%) afirmaram ter recebido as doses do respectivo governo estadual com data de vencimento muito próxima
  • 1.075 (66%) responderam que há baixa procura da população
  • 942 (58%) relataram que os frascos de vacina eram multidose e ultrapassaram a validade após a sua abertura
  • 311 (19%) afirmaram que receberam vacinas em volume maior que o público-alvo do município

No Programa Nacional de Imunizações (PNI), as responsabilidades são compartilhadas entre as três esferas de governo: federal, estadual e municipal. Ana Karine Borges explica que, desde 2023, o Ministério da Saúde tem feito um movimento para que cada município — ente mais próximo da população — planeje sua própria estratégia. Com isso, a cada mês os gestores podem solicitar cota extra de vacina ou recusar o envio dos imunizantes, de acordo com a necessidade local.

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A coordenadora explica que, no Ceará, todos os 184 municípios foram treinados para realizar esse planejamento e que cada um deles conta com o próprio plano de vacinação.  “Com isso, a gente vem observando um processo de retomada das coberturas vacinais”, afirma.

Especificamente sobre a conclusão da CNM e em relação a cidades do Ceará, a coordenadora reforça a necessidade do planejamento das estratégias e aproveita para chamar atenção dos gestores municipais de saúde para o início do ano letivo.

“Existe uma lei estadual de 2019 que trata da obrigatoriedade da apresentação da carteirinha de vacinação no ato da matrícula e rematrícula escolar. (...) É importante que os pais busquem primeiro a unidade de saúde, para o profissional fazer a conferência da situação vacinal da criança, e depois a escola, para realizar a matrícula escolar”, finaliza.

O que diz o Ministério da Saúde

Após a primeira pesquisa da CNM, em setembro, o Ministério da Saúde enviou uma nota técnica à confederação e reconheceu a falta de nove vacinas na rede pública, entre elas Covid-19 e varicela. Os problemas detalhados pelo órgão estavam relacionados a questões como fabricação e entrega dos imunizantes por fornecedores.

Com a publicação da segunda edição da pesquisa, em dezembro, o Diário do Nordeste procurou o Ministério da Saúde, por meio da assessoria de imprensa, e a Pasta informou que os estoques de vacinas no Brasil estão abastecidos e que atendeu a todas as solicitações dos estados nos últimos meses de 2024.

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“No Ceará, foram distribuídas 11.290.362 doses ao longo do ano, com 6.960.606 doses aplicadas até 29/12/2024, conforme registro do estado na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS)”, diz.

O órgão afirmou, ainda, que opera com orçamento previamente aprovado, contratos formalizados com fornecedores e cronogramas definidos para adquirir todas as vacinas do PNI.

“Anualmente, cerca de 300 milhões de doses são distribuídas para os 5.570 municípios brasileiros, em um processo logístico que exige planejamento detalhado, gestão eficiente e transparência. O Ministério realiza envios regulares de vacinas aos estados, que, por sua vez, são responsáveis por repassá-las aos municípios”, finaliza a nota.

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