Fazer com que vacinas cheguem aos postos de saúde, das capitais às localidades mais isoladas, exige uma força-tarefa. São mobilizados aviões e caminhões com baús refrigerados, além do controle de estoque e monitoramento constante das temperaturas, que podem chegar até - 90°C.

No Ceará, esse trabalho acontece na Célula Estadual de Armazenamento e Distribuição de Imunobiológicos (Ceadim), em Fortaleza, gerida pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa). O Diário do Nordeste visitou as instalações para conhecer os bastidores do fluxo das vacinas desde a Rede de Frio, onde ficam guardadas, até o braço da população.

Por lá, a equipe operacional é formada por 13 profissionais, mas a rede possui 5 superintendências com trabalhadores mobilizados em todos os 184 municípios cearenses, em 2,5 mil salas de vacinação, para garantir a disponibilidade do que é previsto no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Esta é a 3ª reportagem da série especial “Imune ao medo”, que traz um retrato da imunização no Ceará, da evolução das coberturas vacinais, dos motivos que interferem no alcance das taxas – e das estratégias possíveis para retomar a proteção da saúde pública.

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Um dos pontos cruciais da logística da vacinação no Ceará são as condições de armazenamento dos imunizantes. Todos eles são sensíveis à variação de temperatura e alguns podem se deteriorar com a exposição à luz. Por isso, o trabalho é minucioso, como define Tarcísio Seabra Filho, gerente da Ceadim.

“Todo o processo logístico, desde o laboratório produtor até chegar na sala de vacinação, passando por todas as etapas, dentre as mais complexas: armazenamento, conservação, distribuição e transporte”, resume.

São feitos pedidos mensais ao Ministério da Saúde para reposição de novas doses, geralmente até cada dia 10, e são necessários 10 dias para autorização do envio dos lotes ao Ceará. Com a liberação, as vacinas chegam ao Estado em 3 dias.

"Não pode haver a quebra de nenhum elo ou processo dentro da cadeia, porque as vacinas serão perdidas no armazenamento", frisa.

Legenda: Funcionários monitoram temperatura em tempo real
Foto: Ismael Soares

Apesar de todo o esforço das equipes em disponibilizar os imunizantes, parte da população-alvo não comparece às salas de vacinação, e isso acaba sendo um dos principais desafios.

“A hesitação vacinal, sem dúvidas, é um grande problema que nós vivenciamos na atualidade e impacta diretamente nos processos da Rede de Frio, porque, uma vez que se hesita, você dificulta o planejamento das ações executadas.”

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Como as vacinas chegam ao Ceará

O caminho para a vacina chegar aos braços dos brasileiros começa com a aquisição dos imunizantes pelo Ministério da Saúde em laboratórios nacionais e internacionais.

“O laboratório produtor faz o primeiro controle de qualidade desses imunobiológicos e entrega para o comprador, no caso, o Ministério da Saúde. Essa vacina chega ao Departamento de Logística situado em Guarulhos, em São Paulo”, detalha Tarcísio.

Nesse momento, uma nova verificação é feita pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade e Saúde (INCQS). Para isso, são retiradas amostras e, com a validação da eficácia, “as vacinas estão prontas para serem disponibilizadas às unidades federativas”.

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Legenda: Funcionários recebem e organizam imunizantes vindo do Ministério da Saúde
Foto: Ismael Soares

Todos os imunizantes são enviados para o Ceará por meio de aviões equipados com sistema de refrigeração. Ao chegar no Estado, a Secretaria da Fazenda (Sefaz) realiza uma inspeção da carga e libera os lotes.

Só então 2 caminhões com baús refrigerados fazem todo o translado do aeroporto até à Ceadim. Isso acontece, pelo menos, uma vez por mês.

“Mas a qualquer hora podemos estar sendo submetidos a essa logística, uma vez que elas também são distribuídas em campanhas”, pondera Tarcísio. Um exemplo recente disso foi o envio das primeiras doses de vacinas contra a dengue.

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Legenda: Lotes são divididos conforme a necessidade de cada município
Foto: Ismael Soares

Ao chegar à Célula de Armazenamento e Distribuição, os técnicos conferem as notas, e os imunobiológicos começam a ser colocados nas câmaras frias.

“O grande desafio que a gente tem dentro do Estado do Ceará é a questão climática: temos a temperatura elevada, e isso, numa cadeia de frio, exige mais atenção. A gente precisa fazer com que os nossos processos sejam muito bem gerenciados”, conclui Tarcísio. 

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Processo de armazenamento das vacinas

As vacinas também são mantidas em caixas térmicas para evitar a troca de calor com o meio externo e armazenadas a depender da temperatura indicada na bula. Ao entrar na Ceadim, uma área dispõe de vários refrigeradores de potências diferentes. No espaço, algumas fantasias de “Zé Gotinha”, usadas em campanhas anteriores, fazem a decoração.

Copy: Influência do médico no paciente
Infogram

As vacinas da composição anterior da Covid-19 para adultos e a Pfizer Baby são exemplos das fórmulas que precisam ser mantidas em temperaturas ultranegativas.

“Os funcionários guardam nas câmaras frias sempre com a atenção de colocar os lotes que estão mais próximos de vencer na frente, para a gente utilizar o sistema ‘o primeiro que vence é o primeiro que sai’”, detalha.

Mas, se as vacinas precisam ficar em temperaturas tão baixas, como elas não perdem a qualidade ao descongelar? A bula dos imunobiológicos indica quanto tempo as doses podem ficar fora dos equipamentos para aplicação, em geral, entre 2°C e 8°C.

“A partir do momento em que são retiradas do equipamento, e uma vez descongeladas, as vacinas não podem ser mais congeladas. Nós colocamos essa informação com a data na nota”, explica o diretor.

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Distribuição das vacinas

Já na Ceadim, a logística inicia um novo ciclo, similar ao que acontece entre o Ministério da Saúde e o Estado – só que agora com os municípios. Os pedidos são feitos à Célula, analisados e atendidos conforme critérios populacionais e de aplicação, por exemplo.

“Nós atendemos, na primeira semana, a região do Sertão Central e também a região Sul do Cariri. Na semana seguinte, atendemos a região Norte e a região do Litoral Leste”, contextualiza Tarcísio. 

Na última semana do mês, a Grande Fortaleza, com cidades como Caucaia, Maracanaú e até Baturité, passa a ser atendida. No Estado, são 17 áreas descentralizadas nas regiões de saúde e estão disponíveis 5 caminhões adequados para o transporte.

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Legenda: Alguns imunizantes são mantidos a temperaturas ultranegativas
Foto: Ismael Soares

“Cada instância dessa tem a sua própria rede de frio, em tamanho menor. Ao receberem, fazem o mesmo armazenamento e lidam com a demanda dos seus municípios”, indica o diretor.

O município recebe a demanda da sala de vacina e assim funciona o fluxo até essa vacina chegar à sala de vacinação e ao nosso paciente. A cadeia de frio é extremamente complexa e temos que garantir a qualidade do imunobiológico
Tarcísio Seabra Filho
Gerente da Ceadim

Ainda assim, existem perdas de doses devido a problemas técnicos – como falta de energia, quebra de equipamentos ou incêndios, por exemplo –, mas uma parte considerável está ligada às pessoas que não se vacinam.

“Temos uma grande possibilidade de desperdício de doses e cada dose perdida é um paciente que deixa de se vacinar para uma determinada doença imunoprevenível. Fora que essas vacinas têm um custo muito alto para o Ministério da Saúde.”

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Dentro das salas de vacinação

Marciana Feliciano, enfermeira técnica da Célula de Imunização do Crato, na Região do Cariri – a mais de 500 km de Fortaleza –, acompanha os pedidos mensais dos municípios para reposição dos estoques de vacina com base no público-alvo de cada imunizante.

“Por exemplo, no caso da vacina BCG, que deve ser aplicada no recém-nascido e previne contra formas graves de tuberculose, a quantidade de doses é baseada no número de nascidos vivos”, pontua.

Existem 35 salas de vacinas nas Unidades de Saúde da Família do Crato, como contextualiza Marciana, que mobilizam o trabalho para atender à demanda.

“A hesitação vacinal tem sido um problema grave e que requer uma articulação intersetorial para o enfrentamento. Desde antes da pandemia, havia a disseminação do movimento antivacina com a divulgação de fake news, principalmente nas redes sociais, que ainda padecem de uma regulamentação em relação à publicação de informações”, observa.

Mesmo dispondo de doses suficientes, ocorrem muitas perdas de vacinas, o que representa um custo para o Sistema Único de Saúde (SUS). Além do mais, é preciso um esforço maior das equipes para realizar a busca ativa e atualizar os cartões vacinais, mediante a sensibilização dos pais para a importância de vacinar as crianças em dias.
Marciana Feliciano
Enfermeira técnica da Célula de Imunização do Crato

Ana Karine Borges, coordenadora de imunização da Secretaria da Saúde, avalia a relevância desse trabalho por causa do resultado positivo do calendário vacinal em dia.

“A gente precisa sempre lembrar das conquistas que a vacinação trouxe na saúde pública, quantas vidas foram salvas, quantas crianças a gente evitou que tivessem sequelas hoje, como paralisia, cegueira, surdez…”, pontua.

Com um alerta do risco de reintrodução da coqueluche, o esforço ganha ainda mais importância. “Nós temos uma vacina hoje muito eficaz, tanto para criança como para as mães. As mulheres gestantes precisam tomar essa vacina também, porque vão proteger tanto a própria saúde como a do bebê”, acrescenta.

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Controle do cenário

Ana Karine explica que são feitas reuniões constantes com os representantes da imunização nos municípios e com o Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Ceará (Cosems).

“A partir disso a gente desencadeia todas as etapas do microplanejamento e dessa análise da situação de saúde. A gente realiza planejamento da programação e começa a realizar a supervisão que, de fato, já inicia a atividade”, indica.

Além da hesitação vacinal, os profissionais da saúde precisam de treinamentos com frequência e as salas de imunização ainda carecem de melhores equipamentos. Marciana Feliciano analisa que a atuação na imunização requer uma qualificação teórica e técnica para o manuseio dos sistemas de informação e uma atualização constante.

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Legenda: Vacinas são descongeladas apenas para aplicação
Foto: Ismael Soares

“As informações na imunização são muito dinâmicas e envolvem não só o conhecimento sobre o imunizante e a técnica de vacinação em si, mas requer o conhecimento sobre como realizar o registro da dose administrada nos sistemas de informação”, acrescenta.

A coordenadora de imunização também aponta a “situação complexa” em relação à atualização de dados nos municípios. “Algumas salas de vacinas podem ainda enfrentar a questão da falta de conectividade e alguns dados que podem ser registrados de maneira errada”.

Karine observa um “fortalecimento do programa de imunização”, com aumento de repasse de recursos do Governo Federal e um movimento local de realização de oficinas, treinamentos e capacitações, incluindo visitas à Rede de Frio. 

“Hoje o cidadão consegue baixar um aplicativo Meu SUS Digital e ter acesso ao seu cartão de vacina e isso se deve justamente a essa padronização do sistema de informação”, orienta.

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Legenda: Cada município solicita quantidade de vacina necessária para atender população
Foto: Ismael Soares

Questionada pelo Diário do Nordeste durante o programa “Bom Dia, Ministra”, a titular do Ministério da Saúde, Nísia Trindade, comentou sobre a renovação da rede de frio.

"Temos trabalhado nessa modernização e sempre a partir das demandas que vêm dos estados e dos municípios. Sempre que tem um problema, trabalhamos para resolver e seguimos nessa linha", afirmou.

Sobre a formação, ela citou os cursos e informações disponíveis na Universidade Aberta do SUS para os profissionais da saúde. “Com o SUS Digital nós vamos ter mais instrumentos para que tanto os trabalhadores do SUS quanto a população acompanhem melhor todos esses dados.”

“Estamos avançando na informação e em todas essas medidas para que a vacinação se consolide e que o Brasil a sua posição. O Ceará tem apresentado dados muito positivos e eu agradeço a todos os trabalhadores no Estado”, concluiu.

Amanhã (10), na 4ª e última reportagem da série “Imune ao medo”, o Diário do Nordeste mostra o que o Ceará tem feito, na prática, para ampliar o acesso à vacinação e garantir o alcance das taxas de cobertura nos municípios.