De sarampo a tuberculose: com menos bebês vacinados, saiba quais as doenças preocupam no Ceará
Baixa cobertura vacinal acontece em meio a mentiras sobre imunizantes e receio de contaminação pelo coronavírus em unidades de saúde
Já nos primeiros anos de vida, estão disponíveis proteções contra doenças que um dia já ameaçaram o futuro saudável de crianças. Mesmo com a facilidade para conseguir essa garantia, um dado assusta: das 7 vacinas avaliadas em bebês, nenhuma atingiu a meta para proteção em 2021.
Isso abre margem para casos de tuberculose, pneumonia, sarampo - que já chegou a ser erradicado - , meningite, doença diarreica, paralisia infantil e hepatite. Com cada vez menos vacinas nos braços das crianças cearenses, o risco de transmissão preocupa.
A proporção adequada para proteger os pequenos contra essas doenças é alcançada com 90% do público, no caso da BCG e Rotavírus, e 95% para as demais vacinas. Sendo que a cobertura vacinal perde engajamento na população nos últimos 5 anos.
Confira a variação percentual da cobertura vacinal em bebês de até um ano entre 2017 e 2021:
- BCG: previne formas graves da tuberculose [queda de 68.5];
- Pneumocócica: contra pneumonia, otite e outras infecções [queda de 43.2];
- Tríplice viral D1: contra sarampo, caxumba e rubéola [queda de 41.8];
- Meningocócica C: contra meningite e infecção generalizada [queda de 40.2];
- Rotavírus humano: contra diarreia causada por esse agente [queda de 38.9];
- Poliomielite: contra a chamada “paralisia infantil” [queda de 33.6];
- Pentavalente: contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite [queda de 31.1].
Esse alerta é feito pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) com base nos registros do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (Sipni). Os dados de 2021 são referentes de janeiro a novembro de 2021.
A maior redução acontece com a vacina que deve ser aplicada logo ao nascer. A BCG protege contra formas graves da tuberculose e da meningite causada pela doença, como explica Vanuza Chagas, pediatra e diretora de clínica de vacinação.
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“A gente vê casos de tuberculose cada vez mais, a bactéria circula o tempo todo no nosso meio, e os bebês precisam receber essa proteção já na maternidade”, frisa.
O sarampo também é motivo de atenção em um contexto em que a Secretaria da Saúde identificou 21 cidades com risco muito alto de reintrodução do vírus no Ceará. A imunização, que acontece em duas doses, está com cerca de 30% de taxa de abandono.
É a taxa de abandono para a vacina tríplice viral no Estado, que é considerada alta. Para o controle do sarampo e a prevenção de surtos é necessário que a população alvo esteja com o esquema vacinal (D1 + D2) completo, conforme a Sesa.
“O último ano em que o Ceará conseguiu atingir a meta de 95% foi em 2019. Em 2020, foi 90% para a D1 e cerca de 80% para a D2. Ano passado, nós não atingimos nem 75% dessa cobertura”, destaca Kelvia Borges, coordenadora da Célula de Imunização da Sesa.
A baixa cobertura representa uma porta aberta para o retorno de doenças em um risco enorme, como define Vanuza..
“A gente está vendo em São Paulo o risco do surto de sarampo e aqui no Ceará com casos sendo investigados servindo de alerta. Inclusive, com a recomendação de vacinar todas as crianças menores de 5 anos, mesmo com o calendário vacinal em dia”, destaca.
Nós temos risco com doenças como difteria, que a gente vê praticamente erradicada, mas justamente por isso as pessoas passam a ter uma falsa segurança de que o que eu não estou vendo não vai acontecer
Esse ambiente em que doenças sérias deixaram de fazer parte da rotina surge com o cumprimento do calendário do Programa Nacional de Imunização (PNI). A partir do momento que não é feita a manutenção dessa conquista, a consequência pode ser grave.
“Ainda mais que hoje tudo é globalizado, as pessoas viajam mais e alguns locais - como África e Afeganistão - que a gente ainda vê alguns casos de poliomielite”, destaca.
Por que isso acontece?
A pandemia da Covid impacta na proteção contra as demais doenças. Um dos fatores relacionados é o receio da população de se contaminar com o coronavírus nos postos de saúde.
“A gente acredita que não só em 2020, mas em 2021 também, as pessoas tiveram receio de ir às unidades de saúde tomar a vacina e isso se agravou porque tinha o intervalo entre a vacina Covid e as demais”, acrescenta Kelvia.
Outro movimento observado no período é o descrédito quanto às vacinas por causa de mentiras e informações falsas.
O receio de algum efeito colateral dos imunizantes também faz com que pessoas deixem de levar os filhos para receber a proteção.
“A vacina, mesmo com reações adversas - como febre alta e irritabilidade - jamais vai chegar ao ponto de uma sequela que a doença deixaria, por exemplo, da meningite meningocócica, que pode gerar amputação de membros”, explica a pediatra.
Como as vacinas funcionam
Uma quantidade pequena de imunizante é suficiente para ensinar o corpo a se defender contra uma doença. Quando o vírus ou bactéria entra num organismo protegido, não consegue se desenvolver como em uma pessoa não-vacinada.
“A proteção geralmente varia em torno de 70% a 95%, que são altas para evitar totalmente a doença, mas principalmente para evitar a forma grave e não deixar sequelas”, destaca Vanuza Chagas.
A especialista exemplifica com o caso da varicela, conhecida como catapora, que é uma proteção dada para bebês com 1 ano de vida.
“Mesmo o paciente sendo acometido pela doença, vai ter uma forma mais leve e até a capacidade de disseminação do vírus para outras pessoas passa a ser menor. Então, a vacina tem importância na proteção individual e também coletiva”, destaca.
“Nós estamos vendo no momento a circulação do vírus sincicial respiratório, que atinge muitos bebês e causa bronquiolite. Estamos vendo a circulação até de formas atípicas, como no ano passado, da influenza - numa época que não era a da sazonalidade”