De alerta de chuvas a remoções: quais os órgãos responsáveis por evitar tragédias como a de Aratuba

Além de 3 mortes, moradores de várias cidades do Ceará têm enfrentado deslizamento de terra, alagamento e desalojamentos

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: Bombeiros atuam para evitar novos desastres
Foto: Fabiane de Paula

Movimentos naturais da água ou eventos extremos – como grandes acumulados de chuvas em pouco tempo – podem tirar famílias de casa, destruir lares, pertences e até levar vidas, principalmente quando este cenário se impõe em meio a locais de estruturas inaquedas.  

No Ceará, isso aconteceu com maior gravidade na serra de Aratuba, com a morte de 3 pessoas, após deslizamento de terra, que também deixou mais de 40 desabrigados. 

Também na cidade de Pacatuba, moradores viram imóvel rachar, móveis virarem entulho nos últimos dias, diante dos alagamentos em grande parte do município da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

Evitar tragédias relacionadas às chuvas, diante da precariedade de estruturas de moradias por exemplo, passa pelo monitoramento do tempo e dos reservatórios de água, assim como pela assistência com agentes treinados e pelo planejamento urbano.

Mas, na prática, quem são os órgãos responsáveis por tentar evitar ou lidar com os danos causados em momentos de chuvas intensas?

Pela legislação brasileira, a responsabilidade é dividida entre o Governo Federal, os Governos Estaduais e das Prefeituras. A divisão está detalhada na Lei Nº 12.608, de 2012, que instalou a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC). 

Essa legislação inclui ações para prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação voltadas à proteção das pessoas. São medidas que orientam ocorrências ligadas ao meio ambiente e à gestão de recursos hídricos.

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Aratuba, por exemplo, fazia parte do aviso de chuvas intensas emitido na quarta (15) pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme). A cidade recebeu 54 milímetros de chuvas no intervalo de pouco mais de 1h, no dia seguinte. Há pelo menos 45 pessoas desalojadas desde então.

Legenda: Defesa Civil auxilia famílias a retirar pertences de casa
Foto: Fabiane de Paula

No Ceará, órgãos públicos como a Funceme, a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará (SRH), as Defesas Civis dos Estados e dos Municípios atuam para analisar as áreas consideradas de risco.

Conheça as responsabilidades de cada esfera de Governo:

Governo Federal:

  • Coordenar o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (SINPDEC)
  • Promover estudos referentes às causas e possibilidades de ocorrência de desastres
  • Instituir e manter sistema de informações e monitoramento de desastres

Governo Estadual:

  • Executar a PNPDEC em seu âmbito territorial
  • Identificar e mapear as áreas de risco e realizar estudos de identificação de ameaças
  • Realizar o monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico das áreas de risco

Governo Municipal:

  • Promover a fiscalização das áreas de risco de desastre e vedar novas ocupações
  • Vistoriar edificações e áreas de risco e promover a evacuação da população das áreas de alto risco ou das edificações vulneráveis
  • Organizar e administrar abrigos provisórios para assistência à população

Cleiton Silveira, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta a importância do mapeamento dessas áreas.

“A primeira medida seria investir em estudos geotécnicos para identificar as áreas de risco e verificar ocupações inadequadas. Esse mapeamento permitiria medidas de mitigação”, frisa. Além disso, o especialista propõe a criação de um sistema de alerta precoce.

“Essa ação precisa também que a população acredite na Ciência e na informação gerada, além de ações educacionais que aqui são muito necessárias”, resume.

No caso de Aratuba, o prefeito Joerly Vitor informou ao Diário do Nordeste que o mapeamento municipal de áreas para vistoria está em análise.

"Estamos fazendo esse levantamento mais detalhado com a Defesa Civil do Município. Nós declaramos estado de emergência por 90 dias e estamos aguardando a parceria com o Governo do Estado para que a gente possa resolver o problema de vez", completou.

Previsão do tempo

Ainda no eixo da prevenção, meteorologistas da Funceme se reúnem duas vezes por dia para analisar as condições do tempo e, quando necessário, preparam avisos meteorológicos sobre chuvas intensas para regiões ou o Estado completo.

Esses avisos são divididos em níveis de perigo. Se há até 40% de probabilidade dessas precipitações, há "risco potencial". Acima disso, até 70%, já é risco médio. Além desse valor, é um risco alto. 

“A gente percebe que pode haver chuvas intensas em determinadas áreas do Estado, e aí passamos o aviso entre as três categorias”, detalha Vinicius Oliveira, meteorologista da Funceme.

Legenda: Fundação usa imagens de satélite para prever condições do tempo
Foto: Funceme/Reprodução

Vinicius é um dos responsáveis por elaborar os protocolos de avisos de chuvas intensas, que são encaminhados à Defesa Civil do Estado. “A gente também tem um canal com municípios, onde disparamos as informações e o Estado vai repassando para todas as defesas civis”, completa.

Com base nessas condições meteorológicas e o mapeamento das áreas de risco, os agentes conseguem emitir alertas para evitar desastres, como completa Meiry Sakamoto, gerente de meteorologia da Funceme.

“Quanto mais detalhado a gente conseguir fazer o aviso, melhor. Mas os modelos têm as limitações e a gente trabalha com uma escala em que às vezes isso não é possível”, pondera Meiry.

Trabalho da Defesa Civil

O diálogo com os municípios pode partir para ação direta da Defesa Civil do Estado, que vai aos locais mais afetados para realizar ações de assistência e dar apoio à Defesa Civil do Município.

Geralmente, são os agentes municipais a principal força para resgatar famílias e atuar nas áreas de risco.

"A Defesa Civil Municipal vai continuar o trabalho. Estamos orientando a Prefeitura como solicitar recursos e fazer o cadastro no sistema nacional de desastre, que é um trabalho técnico", orienta o Tenente Coronel Haroldo, coordenador estadual da Defesa Civil, sobre o trabalho em Aratuba.

Legenda: Governador foi ao local para acompanhar o trabalho após chuvas intensas
Foto: Fabiane de Paula

Além disso, bombeiros atuam diariamente para dar suporte às famílias com moradias prejudicadas pelo fenômeno.

"Tem que ser feito um planejamento estrutural, trabalhar a encosta e fazer uma análise não só daqui, mas de outros locais que já soubemos", acrescenta Haroldo.

Em Aratuba, foram distribuídos colchões, kits de higiene, água e cestas básicas para as pessoas atingidas pelas chuvas, além de desabrigados ou desalojados. 

Legenda: Água potável é entregue à população afetada pelas chuvas
Foto: Fabiane de Paula

Segundo o Governo do Ceará, as Forças de Segurança do Estado estão de plantão para atender a todas as regiões do Estado em chamados emergenciais.

Gestão dos açudes

As chuvas impactam a população não só pela água que cai diretamente nas ruas e avenidas, mas também quando há o aumento do volume de açudes. Por isso, no Ceará, é realizado um monitoramento diário por meio de um grupo de contingência.

Participam a Secretaria de Recursos Hídricos, Cogerh, Funceme, Cagece, Sohidra e Defesa Civil.

“As informações de chuvas, aportes e reservas hídricas são compartilhadas em tempo real e definições são feitas. Em caso de alguma eventualidade, são realizados pareceres técnicos às autoridades de Defesa Civil, Bombeiros e Prefeituras, que são os responsáveis pelas medidas cabíveis de alerta”, informou a SRH por meio de nota.

Também é feita a fiscalização pela Célula de Segurança de Barragens da SRH, em conjunto com a Cogerh, com a análise de 157 reservatórios no Estado.

No caso de propriedades particulares, o empreendedor "obriga-se a realizar o cadastro de sua barragem, desde barreiros com poucos metros de altura a barragens de médio a grande porte, dando segurança ao Sistema na resolução de algum problema”, completa a Secretaria.

Condições ambientais

Como as regiões cearenses possuem características muito diversas, o solo é um dos fatores a ser analisado no monitoramento das áreas de risco, como explica o engenheiro civil Anderson Soares, doutor em geotecnia e professor da UFC.

“A chuva encharca o solo, que fica mais pesado e tende a sofrer deslizamentos. As estruturas (das casas) ajudam na deflagração desse problema”, completa.

Existem algumas formas de evitar tragédias nesses espaços, contudo a principal prevenção está em desocupar as áreas de risco.

Legenda: Aratuba está em área de serra e foi mais afetada com as chuvas intensas
Foto: Fabiane de Paula

“Quando estamos trabalhando em encostas, são basicamente duas tecnologias: contenção e drenagem. Mas o ideal é evitar a construção em encostas porque há um equilíbrio na natureza, mas quando há um acréscimo, pode haver esses problemas”, frisa Anderson.

Os eventos extremos são um desafio que as cidades precisam lidar com cada vez mais cuidado, como avalia Newton Becker, professor na UFC e especialista em engenharia ambiental e águas urbanas.

Um dos principais fatores é a mudança climática, um problema global que se manifesta em diversos territórios. 

“A gente perdeu muito a nossa capacidade de leitura da paisagem natural porque as atividades humanas alteram isso. Nas áreas de serra, tem depressões que vão se formando com a água e só aparecem quando chove”, detalha Newton.

Em algumas ocasiões, a população até conhece o risco, mas permanece em áreas arriscadas por “questões de desigualdade que acabam empurrando as pessoas para esses lugares”.

Num pensamento a longo prazo, a solução existe: primeiro restringir a ocupação de alguns lugares, que devem ser protegidos porque oferecem um risco natural
Newton Becker
Especialista em águas urbanas

O especialista defende que o manejo da água seja feito seguindo os fluxos naturais. “Não é preciso desocupar esses lugares, mas ocupar da forma certa”, conclui.

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