A influencer das bets e a performance da inocência

Virgínia chegou em Brasília para prestar depoimento a senadores na CPI das Bets e escolheu performar inocência, como se não compreendesse os impactos de jogos como o do Tigrinho num Brasil de endividados. Acabou tietada pelos que deveriam lhe questionar

Escrito por
Beatriz Jucá producaodiario@svm.com.br
(Atualizado às 14:12)
Legenda: Nesta semana, Virgínia chegou em Brasília para prestar depoimento a senadores na CPI das Bets
Foto: Reprodução

Virgínia Fonseca é uma influencer digital brasileira com mais de 53 milhões de seguidores no Instagram. Mesmo que você não seja dos mais assíduos nas redes sociais, são altas as chances de já ter ouvido falar sobre ela, seja pelos produtos que anuncia e viram imediatamente objeto de desejo de milhares de pessoas ou pelos inúmeros virais dançando as músicas do marido, o cantor Zé Felipe. Virgínia também está no roll dos influenciadores que costumam divulgar as famigeradas bets, ignorando um problema real que os caças níqueis online estão causando no país: milhares de pessoas com suas vidas destroçadas pelo vício nos jogos.

Nesta semana, Virgínia chegou em Brasília para prestar depoimento a senadores na CPI das Bets e escolheu performar inocência. Com um moletom que estampava o rosto de uma das filhas, pouca maquiagem, óculos de grau e um copo stanley pink, parecia querer colar a imagem de mãe e, ao mesmo tempo, de uma jovem quase ingênua. Disse que fazia esse tipo de divulgação porque era permitido, mas se recusou em dizer, por exemplo, qual o maior cachê que ganhou para divulgar esse tipo de plataforma de jogos.

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Virgínia faz a vida na internet, onde facilmente encontramos depoimentos de milhares de brasileiros que vivenciam dramas difíceis por conta do vício nestes jogos. Há grupos de apoio online nos quais todos os dias dezenas de pessoas postam que estão em crise de ansiedade, relatando sintomas de depressão ou o desespero de não saber mais o que fazer pelo endividamento por conta desses jogos.

Colocar um problema social e de saúde pública na conta apenas da decisão pessoal de cada, quando há influenciadores exibindo riqueza e alegria nas redes sociais como fruto desta (falsa) forma de ganhar dinheiro fácil é injusto e perigoso. Na CPI das Bets, a própria Virgínia disse que as gravações dos vídeos de divulgação eram feitas em perfis disponibilizados pelas plataformas e não em uma conta real. As tais “contas demo” são ponto de atenção e desconfiança por supostamente facilitar o ganho, diferente das contas reais.

Virgínia performa inocência sob a suspeita de assinar um contrato que previa uma taxa extra de remuneração sobre perdas de apostadores num país de endividados. Quis passar a ideia de que não sabia o que estava fazendo ali, que não tinha compreensão da gravidade da situação. Acabou tietada pelos que deveriam lhe questionar no Senado.

Um senador interrompeu o depoimento da influencer para gravar um vídeo com ela para a esposa. Outro decidiu fazer uma fala de defesa, argumentando que conhecia o cantor Leonardo, sogro da influencer, a vida toda. Uma das senadoras que mais se aproximou de questioná-la, ao final, disse que passaria a segui-la nas redes sociais.

Ninguém ali é inocente. Políticos estão de olho há tempos em como capitalizar eleitoralmente o público dos influencers. A própria Virgínia, com seus despretensiosos moletom e calça jeans, sabe o poder da imagem para influenciar, engajar. No meio de tantas performances, vale lembrar que o assunto é sério e o país precisa se posicionar.

Por isso, caro leitor, cuidado com a tentação do tigrinho e seus similares. Eles certamente continuarão chegando até você por SMS, pelo feed da rede social ou no storie de um influencer que você curte. Se você já vivencia o problema, baixe um aplicativo de bloqueio, encontre amparo num grupo de apoio, busque ajuda. É questão de saúde pública, mas é também a sua vida e a dos seus.

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora