Médicos da rede municipal de Fortaleza denunciam atraso salarial referente a 3 meses de 2024 e 2025
Prefeitura reconhece dívidas e promete honrar os pagamentos

Trabalhadores da saúde que atuam na rede municipal de Fortaleza têm enfrentado atrasos salariais acumulados desde o ano passado. Vinculados a cooperativas, eles denunciam que há vencimentos referentes a 2024 e a 2025 que ainda não foram pagos. Alguns têm deixado os postos de trabalho.
De acordo com o Sindicato dos Médicos do Ceará (Simec), os profissionais afetados atuam nos postos de saúde, no Hospital da Mulher e nos Frotinhas e Gonzaguinhas de Fortaleza, por meio de entidades como a Cooperativa Ginecologistas Obstetras do Ceará (Coopego) e Cooperativa de Atendimento Pré e Hospitalar (Coaph).
O Simec chegou a alertar para a possibilidade de paralisação de alguns atendimentos devido à “inadimplência”.
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Ao longo dos três dias de apuração para esta reportagem, o cenário de pagamentos mudou. Até o dia 13 de maio, médicos reclamavam sobre o não recebimento dos salários de outubro e novembro de 2024, além de março e abril deste ano. Nesta quinta-feira (15), os débitos de março de 2025 estão pagos, segundo a prefeitura e as cooperativas. A informação foi confirmada por uma das médicas ouvidas aqui.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou, em nota no dia 13 de maio, que “não houve interrupção dos procedimentos médicos e cirúrgicos na Capital”, e que foram repassados, “somente em 2025, mais de R$ 13 milhões à Coaph e mais de R$ 5 milhões à Coopego, responsáveis pelo pagamento dos profissionais cooperados”.
A Pasta reforçou que “os pagamentos ocorrem após a auditoria dos serviços de saúde prestados”.
Em uma segunda nota, no dia 14 de maio, a secretaria atualizou que "tem conseguido honrar com os pagamentos, não registrando débitos na área". "Os pagamentos de janeiro, fevereiro e março da Coaph e da Coopego foram realizados, com valores já repassados às instituições superando os R$ 20 milhões", frisou. Fonte ouvida pelo Diário do Nordeste confirmou que "alguns profissionais receberam o salário de março" nessa quarta-feira (14).
O processo de pagamento referente ao mês de abril, contudo, "está em análise de documentação dos serviços prestados pelas respectivas cooperativas, e, após concluída a análise, será efetivado pagamento", garantiu a SMS. "Os débitos não pagos pela gestão anterior (outubro e novembro de 2024) serão honrados pela atual administração em data posterior, a ser discutida com as cooperativas", finaliza a nota.
A edição do Diário Oficial do Município (DOM) de 30 de janeiro deste ano registra portarias reconhecendo “dívidas da gestão anterior” com cooperativas como a Coaph e a Coopego, nos seguintes valores:
- Coaph: R$ 2,9 milhões em outubro de 2024, R$ 1,9 milhão em novembro de 2024;
- Coopego: R$ 2.204.401,87 nos dois meses acima.
A reportagem entrou em contato com a Coopego para saber se a entidade teria interesse em se posicionar sobre o assunto, justificando os atrasos. Em nota, a administração reconhece que “de fato, enfrenta dificuldades relacionadas aos atrasos de repasses da SMS, o que impactou temporariamente os pagamentos aos médicos cooperados”.
A cooperativa pontua que dos quase R$ 5 milhões recebidos da gestão municipal em 2025, “R$ 3,5 milhões correspondem a serviços prestados ainda em 2024”, e cita que enfrentava “atrasos significativos nos pagamentos dos plantões dos médicos” referentes a novembro de 2024 e janeiro a março deste ano.
No início de maio, porém, acrescenta a Coopego, uma reunião com a SMS viabilizou a renovação do contrato até maio de 2026. “A partir dessa regularização, os pagamentos começaram a ser empenhados e, nas últimas 48 horas, recebemos os valores referentes aos plantões de janeiro e fevereiro de 2025, totalizando R$ 2,2 milhões.”
médicos da Coopego atuam em unidades da rede municipal da saúde de Fortaleza, nas áreas de ginecologia e obstetrícia, conforme a cooperativa.
Ainda na nota, a entidade afirma que “permanece pendente o pagamento dos plantões realizados em novembro de 2024” nos Gonzaguinhas da Barra do Ceará, do José Walter e de Messejana, além do Hospital da Mulher; “bem como os plantões de março de 2025, cujo pagamento está previsto para ocorrer neste mês, conforme compromisso da SMS”.
Por fim, a cooperativa reforça que “mesmo sem o devido recebimento, manteve e manterá a prestação dos serviços médicos em todas as unidades em que atua, contando com o compromisso dos médicos cooperados, que entenderam a importância da continuidade dos atendimentos à população”.
Já a Coaph, também em nota, declarou que os valores já repassados pela prefeitura foram para “cumprimento de contratos públicos efetivamente executados por profissionais cooperados”, e que “quase a totalidade corresponde à folha de pagamento dos cooperados e aos encargos legais”.
“Cabe informar ainda que o contrato atualmente em vigor com a Prefeitura de Fortaleza teve início ainda na gestão anterior, sendo natural que, em razão dos trâmites, existam períodos de faturamento, análise e liberação financeira, que influenciam nos prazos de repasse para recebimento por parte da cooperativa”, justificou a Coaph.
A empresa afirmou ainda que “todos os recursos recebidos são integralmente repassados aos cooperados que efetivamente prestaram os serviços, no prazo máximo de 48 horas após o recebimento dos valores”.
Por fim, a Coaph ressaltou que “todas as informações sobre repasses, faturamentos e pagamentos são periodicamente prestadas com total transparência aos cooperados e às partes interessadas, em alinhamento com os princípios do cooperativismo”.
“Já não durmo direito”
O prejuízo do trabalho não remunerado tem afetado as finanças e até a saúde de Débora Magalhães, médica de família e comunidade de um posto de saúde na Regional II de Fortaleza. Para ela, já estavam somados quatro meses de salário atrasado: outubro e novembro de 2024, março e abril de 2025. O valor de março foi pago ontem (14).
A médica atua na rede municipal há quatro anos: por dois e meio, tinha vínculo direto com a prefeitura, via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); e após isso foi contratada como cooperada da Coaph. “Desde então, os salários nunca foram pagos em dias. A cooperativa culpa a SMS”, relata Débora.
Ela afirma que alguns profissionais chegaram a se reunir com representantes da SMS, no início deste ano, mas que “não foi dada nenhuma solução, já que os atrasos de 2024 são da gestão anterior. “Isso não afeta só os médicos, mas farmacêuticos, enfermeiros e técnicos também. Todos são prejudicados”, frisa.
Os prejuízos são inúmeros. Temos contas a pagar, e elas vencem apesar de recebermos ou não. Todos nós, independentemente de quem seja, temos nossos compromissos pra honrar. As contas não esperam.
Débora afirma que já precisou recorrer a empréstimos para quitar “o que é inadiável”, como a casa. “É desesperador, já não durmo direito, estou sob uso de medicação pra conseguir trabalhar, com o nome negativado. Não tem como mensurar o prejuízo financeiro, psicológico e moral. Quem é que trabalha bem sem receber?”, lamenta.
Apesar disso, ela permanece cumprindo expediente no posto de saúde. “Os médicos não paralisaram os atendimentos, e acho que até por esse motivo não recebemos. Não largamos o serviço. Somos da atenção primária, temos a agenda lotada todos os dias, as pessoas precisam do atendimento, temos um compromisso com elas”, sentencia.
“Saí do posto de saúde pelos atrasos”
Outro médico da rede municipal, João (nome fictício) deixou o posto de saúde onde trabalhava há quase um ano, devido aos atrasos. “E meu posto ainda está vago. A população também fica prejudicada”, avalia. Assim como ele, “outros colegas deixaram de atender” nos postos de saúde “em forma de protesto”.
Também vinculado à Coaph, João atua ainda em um hospital municipal de Fortaleza, e destaca que “lá ocorrem os mesmos atrasos: não recebemos outubro e novembro de 2024 nem março e abril de 2025. A Coaph responde pra gente que não recebeu repasse da prefeitura”.
Além do não recebimento da remuneração, os profissionais vinculados a cooperativas reclamam da precariedade das condições trabalhistas.
“É um vínculo muito frágil. Não temos direito a nada: férias, 13º, atestado, nada. E as pessoas preferem, por medo de ser cortado (das escalas), não paralisar”, reconhece João. “Já são 7 meses de atraso com relação a outubro. Os prejuízos são imensuráveis, e vamos receber o valor sem atualização e correção”, contabiliza.
Problemas frequentes
Edmar Fernandes, presidente do Simec, afirma que “desde que foram instalados esses intermediários (cooperativas), só tem gerado gasto excessivo na saúde pública, sem resolução dos problemas”.
“Elas dizem que a prefeitura não pagou, a prefeitura diz que pagou. São sempre as mesmas desculpas. A empresa sempre querendo mais lucro e a prefeitura insistindo nesse modelo de contratação”, dispara.
Quando se tem esse período agora que aumentam as infecções virais, bronquiolite em crianças, as cooperativas não aumentam o número de médicos. Porque quanto menos trabalharem, maior o lucro deles. O médico só recebe se trabalhar.
As cooperativas são espécies de “agenciadoras de emprego” para categorias como médicos, técnicos de enfermagem, farmacêuticos e outras especialidades – os cooperadores.
As empresas, então, são contratadas e pagas pela gestão pública para fornecer essa mão de obra a equipamentos de saúde, sendo elas as responsáveis pelo pagamento do salário dos trabalhadores.
Um dos equipamentos municipais com este tipo de funcionamento, por exemplo, é o Instituto Dr. José Frota (IJF). Em abril deste ano, o Diário do Nordeste questionou a superintendente do hospital, Riane Azevedo, sobre o porquê de a gestão adotar essa modalidade de contratação.
Ela justificou que “é mais rápido buscar profissionais disponíveis nas cooperativas, num contexto de complementar um quadro provisório”, como adoecimento ou desligamento repentino de algum profissional de saúde. Ela reconheceu, contudo, que “não deve ser uma solução que ocupe o lugar do servidor, deve ter prioridade pro concurso”.
Confira notas na íntegra:
Nota enviada pela Secretaria Municipal de Saúde em 13 de maio:
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que não houve interrupção dos procedimentos médicos e cirúrgicos na Capital. Somente em 2025, mais de R$ 13 milhões foram repassados para a Cooperativa de Atendimento Pré-Hospitalar (Coaph) e mais de 5 milhões a Cooperativa Ginecologistas Obstetras do Ceará (COOPEGO) responsáveis pelo pagamento dos profissionais cooperados.
Ressaltamos ainda que os pagamentos dos prestadores contratualizados ocorrem após a auditoria dos serviços de saúde prestados.
Nota enviada pela Secretaria Municipal de Saúde em 14 de maio:
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que a atual gestão da Prefeitura de Fortaleza tem conseguido honrar com os pagamentos das cooperativas médicas, não registrando débitos na área.
Os pagamentos dos meses de janeiro, fevereiro e março da Cooperativa de Atendimento Pré-Hospitalar (Coaph) e da Cooperativa Ginecologistas Obstetras do Ceará (COOPEGO) foram realizados, com valores já repassados às instituições superando os R$ 20 milhões.
O processo de pagamento referente ao mês de abril está em análise de documentação dos serviços prestados pelas respectivas cooperativas, e, após concluída a análise, será efetivado pagamento.
Os débitos não pagos pela gestão anterior serão honrados pela atual administração em data posterior, a ser discutida com as cooperativas.
Nota enviada pela Coopego em 14 de maio:
A COOPEGO – Cooperativa dos Ginecologistas e Obstetras do Ceará Ltda. agradece o contato e esclarece que, de fato, enfrenta dificuldades relacionadas aos atrasos de repasses da Secretaria Municipal da Saúde de Fortaleza (SMS/PMF), o que impactou temporariamente os pagamentos aos médicos cooperados.
Conforme informado pela Prefeitura, em 2025, foram repassados à COOPEGO aproximadamente R$ 5 milhões, dos quais R$ 3.587.936,26 correspondem a serviços prestados ainda em 2024. Cabe ressaltar que, apesar desses valores, a cooperativa vinha desde dezembro de 2024 enfrentando atrasos significativos nos pagamentos dos plantões médicos referentes a novembro de 2024, bem como nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2025.
No dia 06/05/2025, notificamos formalmente a SMS/PMF sobre a possibilidade de paralisação dos serviços, diante dessa situação crítica. Contudo, no dia 08/05/2025, participamos de uma reunião com a Exma. Sra. Dra. Socorro Martins, Secretária Municipal da Saúde de Fortaleza, que se comprometeu a agilizar o processo de renovação contratual, fator que estava impedindo a movimentação dos pagamentos em razão da ausência de saldo financeiro no contrato vigente, nº 271/2023.
O 2º termo aditivo foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 09/05/2025, garantindo a vigência até 27/05/2026. A partir dessa regularização, os processos de pagamento começaram a ser empenhados e, nas últimas 48 horas, recebemos os valores referentes aos plantões realizados em janeiro e fevereiro de 2025, totalizando R$ 2.295.478,74.
Informamos ainda que permanece pendente o pagamento dos plantões realizados em novembro de 2024, nas unidades Hospital Distrital Gonzaga Mota – Barra do Ceará, Hospital Distrital Gonzaga Mota – José Walter, Hospital Distrital Gonzaga Mota – Messejana e Hospital e Maternidade Zilda Arns (Hospital da Mulher), bem como os plantões de março de 2025, cujo pagamento está previsto para ocorrer ainda em maio de 2025, conforme compromisso assumido pela SMS/PMF.
Importante destacar que, mesmo sem o devido recebimento, a cooperativa manteve e manterá a prestação dos serviços médicos em todas as unidades da SMS/PMF em que atua, contando com o compromisso dos médicos cooperados, que entenderam a importância da continuidade dos atendimentos à população. Até dezembro de 2024, a COOPEGO conseguiu manter os repasses em dia aos seus cooperados e, em 2025, os pagamentos foram realizados conforme a entrada dos recursos.
Atualmente, a COOPEGO possui cerca de 110 médicos cooperados atuando em unidades da rede municipal da saúde de Fortaleza, nas áreas de ginecologia e obstetrícia na cobertura de plantões em maternidades e hospitais, como o Hospital Distrital Gonzaga Mota - Barra do Ceará, Hospital Distrital Gonzaga Mota - José Walter, Hospital Distrital Gonzaga Mota – Messejana e Hospital e Maternidade Zilda Arns (Hospital da Mulher).
Por fim, reforçamos que a COOPEGO tem atuado de forma transparente junto aos órgãos competentes, mantendo diálogo constante com a SMS/PMF e valorizando seus profissionais, cuja dedicação tem sido fundamental para a continuidade dos serviços, mesmo diante das dificuldades enfrentadas.
Nota enviada pela COAPH em 14 de maio:
A Cooperativa de Trabalho de atendimento pré e hospitalar(COAPH) vem a público esclarecer que os valores mencionados na matéria – referem-se exclusivamente à soma dos repasses realizados pela administração municipal para o cumprimento de contratos públicos efetivamente executados por profissionais cooperados no exercício de suas atividades.
É importante destacar que quase a totalidade desses valores correspondem à folha de pagamento dos cooperados e aos encargos legais vinculados à execução dos contratos, o que demonstra o compromisso da cooperativa com a destinação correta dos recursos públicos e com a regularidade da atuação profissional.
Cabe informar ainda que o contrato atualmente em vigor com a Prefeitura de Fortaleza teve início ainda na gestão anterior, sendo natural que, em razão dos trâmites administrativos da entidade pública, existam períodos de faturamento, análise e liberação financeira que influenciam nos prazos de repasse para recebimento por parte da cooperativa.
A COAPH reitera que nenhum valor fica retido na cooperativa.
Todos os recursos recebidos são integralmente repassados aos cooperados que efetivamente prestaram os serviços, no prazo máximo de 48 horas após o recebimento dos valores pela cooperativa. Inclusive, o faturamento do mês de março de 2025 já foi integralmente concluído.
Por fim, reafirmamos que todas as informações sobre repasses, faturamentos e pagamentos são periodicamente prestadas com total transparência aos cooperados e às partes interessadas, em alinhamento com os princípios do cooperativismo e com as normas legais que regem nossa atuação.
A COAPH permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos e reforça seu compromisso com a ética, a legalidade e o respeito aos profissionais que integram a cooperativa.
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