Conheça Janete e Francisco, que moravam na rua, viraram artesãos e casaram em praça de Fortaleza
Pessoas em situação de vulnerabilidade e voluntários organizaram a festa para o casal que se tornou ícone da Praça do Ferreira e encontra na arte da palha parte do sustento
As badaladas do sino deram início à marcha nupcial para a entrada de Francisco Carlos e de Janete Silva, que deixaram as ruas depois de encontrar o amor e a arte, e se casaram na Praça do Ferreira quinta-feira (30). A história dos dois, no entanto, começou há cerca de 10 anos, quando mudaram de vida ao se conhecerem.
Ambos estavam em situação de rua quando se conheceram e se apaixonaram. Na busca por uma fonte de renda, encontraram o artesanato com palha de coqueiro como forma de deixar a rua. Na trajetória, os amigos e voluntários se mobilizaram para o casório.
O casal produz artesanato de palha para construção de vasos, enfeites e cestos, mas os trançados, na verdade, também formam a luta pela sobrevivência - há 4 anos essa forma de arte se tornou o principal sustento do casal.
“Aprendemos na rua mesmo, eu trabalhava retirando palhas para um artesão e a Janete aprendeu. Uma vez a gente estava com muita fome na praia, eu subi para pegar palha e desde esse dia se tornou a nossa renda”, lembra Carlos.
Foi por meio desse trabalho e da ajuda de voluntários que o casal conseguiu alugar uma moradia no Centro há 3 anos. Os dois se conheceram no Centro Pop do Benfica, espaço para ações sociais destinadas às pessoas em situação de rua.
Entre uma conversa ou outra, se apaixonaram e decidiram enfrentar a falta de acesso aos serviços básicos juntos. Carlos tem 40 anos. Janete tem 35. Os dois, coincidentemente, são do Piauí, mas se encontraram no Ceará onde há cerca de 10 anos vivem juntos.
“A Janete é tudo na minha vida, ela me conheceu num tempo em que eu vivia fazendo coisas erradas e com ela eu quis mudar, vencer e estamos aí. Ela é o meu amor, o presente de Deus para mim”, disse.
Nós saímos da rua através da arte, alugamos uma casa, e hoje é assim: a gente trabalha e às vezes vem pra cá [Praça do Ferreira], porque o artesanato não dá para fazer as duas refeições e a Praça acolhe todo mundo
Janete é figura conhecida entre as pessoas em situação de rua e grupos que se dedicam a levar alimento e atenção para quem dorme no Centro. A chegada dela, com vestido branco doado, veio com desejo de felicidade por amigos que ajudaram na organização.
Os maiores adereços da noiva, no entanto, eram os olhos marejados e o sorriso constante de quem realiza o sonho da adolescência. “O Carlos é tudo na minha vida. Ontem mesmo eu sonhei com minha finada mãe dizendo que tem um genro de ouro”, se emociona.
Como foram os preparativos
Convidados especiais, bolo, daminhas de honra e padre se reuniram para o casamento deles debaixo de bandeirolas não de uma igreja, mas do ponto mais conhecido por quem vive em situação de rua em Fortaleza: a Praça do Ferreira.
Carlos estava na agitação de quem, finalmente, vai viver um sonho enquanto corria de um lado para o outro da praça para decorar a festa com enfeites longos, corações e arranjos feitos com palha de coqueiro.
O desejo do casal começou a ser compartilhado com as freiras que levam estrutura para banho de crianças e adultos em situação de vulnerabilidade. Eles receberam apoio e logo Carlos começou a perguntar para quem conhecia “Você vai vir para o meu casamento?”
Janete pensando em toda a estrutura não enxergava uma data para isso acontecer. Mas os voluntários conhecidos carimbaram o 30 de junho para fazer acontecer o sonho dos dois e começaram a arrecadar dinheiro, vestido, alianças, bolos e salgados para a festa.
“Deus honrou a gente com o dom da palha e com aluguel social, porque a gente ficou em situação de rua, e hoje a gente vive no nosso conforto, graças a Deus, que também está nos privilegiando com esse casamento”, observa Janete.
Além do púlpito onde a bíblia, a vela e os enfeites de palha recebiam o casal, os voluntários preparam mesa com bolo, salgadinhos e pizza. Depois de tanto tempo sob a incerteza da refeição, o casal também recebeu uma mesa especial para o jantar comemorativo.
"Tem vários grupos que ajudaram a organizar, porque o Carlos e a Janete são figuras icônicas da Praça. Eles ajudam muito com as filas (para doações), conhecem todo mundo”, destaca o voluntário Carlos Eduardo Renzi, de 31 anos.
Membro do grupo Amigos da Rua Fortaleza, Renzi, ficou responsável por levar a noiva ao altar. "Eles receberam a ideia muito bem, é um sonho pra eles, estão mega felizes. Conseguiram levar a Janete para um salão e um vestido pra ela", conta sobre os preparativos.
Futuro do casal
Depois da troca do “sim”, aumentar a família pode ser uma possibilidade para o futuro, como observa Carlos. “Estou maravilhado, feliz é pouco. A gente sempre quer fazer família e vencer essa batalha da vida da melhor forma possível”, destaca.
Janete também quer ajudar outras pessoas a deixar uma situação extrema de fome e de falta de um lar.
“Eu quero mesmo pro futuro é abrir uma oficina de arte para crianças e adolescentes em situação de rua. Na época que eu comecei a aprender, eu levantava um prato de comida com as flores que eu fazia”, completa.
Às vezes eu estou deitada lá no meu cantinho eu peço ‘ô meu Deus quantas e quantas vezes eu levei chuva naquela praça? Hoje estou aqui na minha cama quentinha. Abençoa meus irmãos que estão lá’