Como lidar com o medo e agir diante da violência nas escolas?

O momento é sensível e há medidas para enfrentá-lo. Um passo fundamental é recuperar o equilíbrio para evitar o pânico e atuar para aplacar o problema real.

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
escola
Foto: Fernanda Siebra/SVM

Nas últimas semanas, a sequência de ações violentas contra as escolas brasileiras tem mobilizado o país. O momento é delicado e uma série de medidas foram traçadas pelas escolas e pelo poder público, em diferentes níveis (Federal, Estadual e Municipal), e estão em curso para aplacar o problema. O contexto é complexo e o volume de supostas ameaças e a propagação de boatos acentuam a atmosfera de caos. Por isso, um passo fundamental é recuperar o equilíbrio para conter o pânico e enfrentar a situação. 

O medo expresso pela comunidade escolar diante da situação atípica e de casos concretos, afirmam pesquisadores, é legítimo e, em alguma medida, atravessa a sociedade inteira. O sentimento precisa ser acolhido e trabalhado. Mas o temor não pode se tornar algo desproporcional a ponto de ser paralisante e gerar, por exemplo, omissão ou afastamento da realidade, com aflições infundadas.

Para contribuir no enfrentamento ao problema, o Diário do Nordeste ouviu estudiosos que tratam de aspectos psicológicos e sociais em conexão com a educação, e elencou alguns pontos de reflexão e orientação sobre como é possível passar por momentos de tensão social e lidar com eles.  

Veja também

A orientação de estudiosos busca cooperar com as famílias, crianças e adolescentes e profissionais da educação, justamente em um contexto, tal qual o desta sexta-feira (20), em que em muitas escolas o cenário é de menor comparecimento dos estudantes. 

1. Identificar e combater o clima de pânico

O momento gera alerta, pois há, de fato, aspectos preocupantes, mas também há uma potencialização do medo.

Diante disso, diz o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luiz Guilherme Scorzafave, “a primeira coisa a se fazer é evitar criar um clima de pânico entre estudantes, profissionais de educação e familiares. A segunda é termos tranquilidade e cobrar do setor público medidas que tenham evidência de que funcionem”. 

A psicóloga, doutora em educação e professora do curso de Psicologia da Uece, Luciana Quixadá, explica que “o medo é algo que sempre nos atravessa e há uma tendência real a nos paralisar a depender da sua intensidade”. 

Para que essa sensação não ganhe contornos ilusórios, orienta, “os pais devem buscar entender o que fundamenta seu medo, nesse caso, se há risco real, de onde veio a informação, se a fonte é segura”. 

Luciana pondera também que essa identificação por parte dos adultos é fundamental para que se possa “tranquilizar os filhos e não serem cúmplices de medos infundados, muitas vezes, inventados”. 

Ela também destaca que o processo de temor extremo, que resulta em uma certa “fobia coletiva”, assim como em outros fenômenos sociais, “pode ser fonte da intencionalidade de certos grupos”, logo, é preciso ponderar também as repercussões que esse afastamento social tem. 

2. Ter cuidado com as informações consumidas e divulgadas

Outro ponto acionado sempre que há episódios de comoção social, como os vivenciados agora, é a potencialidade da difusão de um intenso volume de informação e desinformação, sobretudo, nas redes sociais e em aplicativos de conversas. 

Luciana Quixadá reforça que a velocidade de difusão das informações, “infelizmente, dificulta o acesso reflexivo e crítico ao conteúdo divulgado”. 

“É preciso ter tranquilidade ao ver tantas notícias, ler com calma antes de repassá-las, muitas vezes, de qualquer modo, sem responsabilidade. No momento em que repassamos essas informações, nas redes sociais, por exemplo, somos responsáveis. E não temos garantias sobre como elas serão interpretadas por quem as recebe. Então, precisamos regulamentar, criar normas para veicular informações nas redes tão velozes”. 
Luciana Quixadá
Psicóloga

O integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luiz Guilherme, também evidencia que “estamos diante de um fenômeno novo, provocado pelo amplo uso das redes sociais. Elas permitem que boatos sejam espalhados com muita rapidez e gerem esta sensação de medo em muitas pessoas ao mesmo tempo”. 

Ele pondera que, quando alguém recebe uma mesma mensagem de WhatsApp de várias pessoas, é possível que passe a “acreditar que não é apenas um boato; e com base nisso, para proteger os filhos, decida não mandar para a escola”. Contudo, reflete: “o que garante que saberemos que dia ocorrerá realmente um ataque? E se ocorrerá mesmo?” 

escola
Foto: Fernanda Siebra/ SVM

Por isso, orienta: “é importante a articulação da escola com as famílias no sentido de implantar medidas que sejam mais efetivas na prevenção deste tipo de ocorrência. É o melhor jeito de responder a esta onda de boatos”. 

Além disso, ainda que o compartilhamento de supostas ameaças seja com a intenção de alertar conhecidos e familiares, é importante ter consciência que esse comportamento contribui com a estratégia de disseminação de boatos e desinformações.

3. Ter atenção a respostas realmente efetivas

Nesse contexto, surgem também uma série de “soluções fáceis” para um problema que é complexo, e precisa de uma ampla e permanente mobilização para ser enfrentado. 

Diante das tensões, diz o integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luiz Guilherme, “infelizmente, o que temos visto é que no anseio de atender a esta angústia e medo gerado nos pais dos estudantes, muitos governos têm anunciado medidas que não tem qualquer eficácia comprovada para evitar este tipo de ataque”. 

Ele menciona que a colocação de cerca elétrica, guarda armada na escola, detectores de metais são pontos acionados de forma recorrente, mas sem evidências expressivas que possam solucionar integralmente a questão.

O foco, reflete ele, deve ser em combater a causa e evitar que este tipo de ataque volte a ocorrer.

Um ponto concreto, relembra Luiz, é a atuação incisiva dos governos no monitoramento de ameaça nas redes sociais, “procurando punir agentes que divulgam ou espalham conteúdos que incentivem o pânico ou que façam apologia aos ataques”, completa.

escola
Foto: José Leomar/SVM

O cientista social e pesquisador dos temas educação e cidadania, Rudá Ricci, explica que os pais e professores se veem desprotegidos e desorientados e “esse cenário propicia a proliferação do pânico e ações aventureiras, voluntaristas ou populistas”. 

Uma das medidas concretas, afirma, é o estabelecimento de protocolos que norteiam pais e professores. Esses regulamentos, diz:

“Devem orientar sobre a quem recorrer e o que fazer em casos de ameaças ou violência. Devem responder quando suspender aulas e quais sinais observar para medir o grau de perigo ou gravidade. Sem isso, nos rendemos ao caos e às saídas fáceis de militarização da sociedade”. 
Rudá Ricci
Cientista social e pesquisador dos temas educação e cidadania

4. Saber quais são os problemas concretos

Luiz Guilherme pondera que a atual situação “não é fácil de ser enfrentada”, mas é fundamental “procurar o diálogo com a escola e compreender que é papel de toda a sociedade garantir um ambiente mais seguro para todas as nossas crianças”. 

É preciso ter noção do que realmente está ocorrendo, quais situações foram registradas, em que lugares, em quanto tempo. Além disso, ponderar informações sobre o tamanho das redes escolares e a dimensão e recorrência dos ataques, 

“A solução passa por medidas que tratam as causas deste fenômeno: um maior cuidado com a saúde mental dos estudantes, enfrentamento da violência escolar, especialmente o bullying e a criação de uma cultura de paz no ambiente escolar”.  
Luiz Guilherme
Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O cientista social Rudá Ricci também explica que a ausência dos alunos nas escolas por medo das ameaças revela uma certa “derrota das autoridades públicas” e “é fundamental que se reverta a letargia de governos e instâncias de Estado”. 

Veja também

Ele reforça ainda a necessidade da existência de uma rede articulada dos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) no apoio aos professores e pais que se sentirem ameaçados.

5. Ser parte ativa no enfrentamento

A psicóloga Luciana Quixadá também reforça que a “escolha”, por exemplo, por deixar os filhos irem ou não à escola, vai depender de como “cada família entende e lida com esse fenômeno”. E essa decisão, lembra ela, “é afetada por valores, crenças, experiências e mesmo possibilidades”. 

“Acho que é muito importante, tanto quanto essa reação (decisão), atuarmos na prevenção. Os pais precisam estar atentos aos comportamentos dos filhos, os educadores precisam estar atentos aos comportamentos dos alunos”, ressalta. 

Ela reforça que “é preciso ensiná-los uma cultura da gentileza e da tolerância. Um ambiente escolar de paz, não promove ataques. Crianças e adolescentes têm precisado muito de atenção, acolhimento, escuta”. 

Luciana acrescenta ainda que, sob o argumento de dar autonomia ao desenvolvimento  das crianças e adolescentes, “estamos desamparando-os, deixando-os à própria sorte. É bastante necessário diálogo e aproximação intergeracional, especialmente, em momentos como esse”.

escola
Foto: Silvana Tarelho

O integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luiz Guilherme, também destaca que uma alternativa que surgiu, na última semana, diante de datas “marcadas” de supostas ameaças, é uma mobilização no sentido contrário.

“De mostrar a importância da empatia e do cuidado com o outro. Mobilizar a comunidade escolar para mostrar que cada aluno importa e que todos merecem ser cuidados”, acrescenta. 

6. Ter ciência dos canais de denúncia e acompanhar os resultados

Além disso, ter ciência das medidas que estão sendo tomadas e dos canais oficiais de denúncia, guiando efetivamente como as pessoas devem proceder em casos de ameaças, é uma medida objetiva que ajuda a refrear o medo exacerbado. 

O cientista social e pesquisador dos temas educação e cidadania, Rudá Ricci, indica que o enfrentamento a esse cenário “exige inteligência policial, identificação de focos irradiadores e desconstrução e punição de autores. Trata-se da manutenção da ordem democrática e segurança pública”.

Luiz Guilherme indica que a criação de um ambiente que deixe estimule os estudantes a denunciarem aos profissionais da escola eventuais ameaças que algum colega possa estar fazendo é uma forma de prevenir os ataques.

No Ceará, a população pode realizar denúncias anônimas pelo número 181, o Disque-Denúncia da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), ou para o (85) 3101-0181, que é o número de WhatsApp.  

No âmbito federal, o Ministério da Justiça e Segurança Pública criou um canal digital para coleta de denúncias sobre possíveis ameaças a escolas. O canal pode ser acessado aqui. As denúncias são anônimas.

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?