Ataques a escolas: o que pode ser feito para proteger e como é possível prevenir novas ocorrências
A situação trágica em Blumenau colocou em evidência o grave problema que alerta as escolas brasileiras: a violência que ronda e perpassa esses locais
O Brasil testemunhou, na última quarta-feira (5), mais um ataque a uma unidade escolar que resultou em mortes. Na ação criminosa em Blumenau, em Santa Catarina, um homem invadiu uma creche, matou quatro crianças e feriu outras cinco. A situação trágica coloca novamente em evidência o grave problema que alerta as escolas brasileiras: a violência que ronda e perpassa esses espaços.
Mas, o que pode ser adotado como medida preventiva? Como atuar para proteger vidas abrigadas nesses lugares?
A ocorrência vivenciada em Blumenau, embora tenha características distintas de outros ataques ocorridos nos últimos meses no Brasil, como a tragédia na cidade de São Paulo ou em Sobral, no Ceará, é complexa e por isso não tem respostas fáceis. Contudo, é preciso enfrentá-la e agir para que outras vidas não sejam perdidas.
No Brasil, uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) aponta, pelo menos, 22 ataques a unidades escolares entre 2002 e 2022. Outras 2 ações criminosas já aconteceram em 2023 ampliando a lista trágica.
Veja também
O problema não é desconhecido. Ao contrário. Dada a gravidade, a proporção e os efeitos, algumas redes de ensino têm buscado implementar medidas, mas essa não é uma condição generalizada. Além disso, nem sempre são ações consistentes, com adequada atenção ou mesmo ocorrem de modo contínuo.
É preciso avançar e muito. E isso envolve desde o eixo mais próximo como iniciativas das gestões escolares, aos mais ampliados como as responsabilidades das esferas de governo (municipal, estadual e federal) e das próprias famílias e comunidades.
Relatório ao Governo Federal
No Brasil, no final de 2022, um grupo de pesquisadores e ativistas dedicados à área da educação pública apresentaram um relatório sobre os ataques a escolas para a equipe de transição do governo Lula.
O documento trouxe uma série de questões e, dentre elas, chamou atenção para o fato de que o esforço para solucionar o problema precisa de “uma visão ampla e geral, que considere objetivamente o enfrentamento do extremismo de direita, mas também e das violências queacontecem no cotidiano escolar e que muitas vezes são consideradas banais e secundárias, mas potencialmente perigosas”.
Alguns dos pontos destacados apontam as seguintes medidas dentro das escolas:
- Criação de grupos terapêuticos e espaços de acolhimento em escolas;
- Orientação aos profissionais da educação e à comunidade sobre como identificar e atuar caso seja identificado uma iminência de um ataque;
- Presença permanente de psicólogos e orientadores educacionais no âmbito escolar, fortalecendo as relações entre a escola e a comunidade, e trazendo discussão sobre as violências (misoginia, racismo, LGBTQIA+fobia, islamofobia, antissemitismo, etc) e seus enfrentamentos e prevenções;
- Estabelecimento, junto aos profissionais da educação, de mecanismos para atuar de forma preventiva dentro do ambiente escolar.
O documento indica ainda que profissionais da educação devem receber formação para identificar alterações de comportamento dos estudantes, tais como:
- Interesse incomum por assuntos violentos (tais como obsessão por armas de fogo ou massacres), atitudes violentas (verbais ou físicas);
- Recusa de falar com professoras e gestoras mulheres;
- Agressividade e uso de expressões pejorativas ao falar com mulheres e meninas, capacitismo, racismo, LGBTQIA+fobia, e;
- Exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos.
Incentivo aos cuidados com a saúde mental
O psicólogo clínico e escolar, Carlos Augusto Souza, destaca que “as escolas não estão apartadas, pelo contrário, elas são os primeiros contatos de abertura social da célula familiar. São de diversas formas afetadas pelas realidades violentas promovidas pela sociedade de forma generalizada, assim como pelas famílias, que estão passando por índices crescentes de violência”.
Conforme o profissional, hoje, “há um grande hiato entre o universo escolar e o familiar, distanciando interesses que deviam ser comuns. Poucos pais frequentam regularmente as escolas, não acompanham mais o desenvolvimento das crianças e creditam na escola uma exigência de performance conteudista, esquecendo que são as relações escolares o primeiro universo do sujeito fora do grupo familiar”
Ele também chama atenção para o fato de que é preciso considerar a falta de investimentos em saúde mental. “Estamos atravessando uma fase de pandemia, onde diversos contextos difíceis estão associados, como: a morte, o sofrimento, o isolamento social”, afirma.
“Hoje precisamos de ampliação urgente dos campos de acesso à saúde mental, que foram sucateados e esquecidos no governo anterior, e que, mais do que nunca, precisam ser reerguidos e trazidos para um âmbito de importância".
A psicopedagoga do Centro Inclusivo para Atendimento e Desenvolvimento Infantil (CIADI), Luciana Bem destaca que a escola é reflexo da sociedade, e “a partir do momento que situações são apresentadas em espaços de aprendizado e convivência, demonstra-se o quanto a sociedade precisa ser notada enquanto sistema formativo de sujeitos e relações”.
Ela também ressalta que na tentativa de prevenção é preciso “priorizar políticas públicas que fomentem o apoio a programas de incentivo ao cuidado com a saúde mental de crianças,jovens e adultos, a fim de prevenir a ocorrência de violência em instituições de ensino”.
Luciana reitera que é fundamental que haja uma relação mais coesa “entre escola e família, para que, em parceria, percebam sinais que se camuflam em pequenas atitudes,muitas vezes, imperceptíveis entre os alunos”.
Ela também destaca que é preciso “promover maior visibilidade às mazelas que perpetuam na sociedade, a fim de combatê-las, não permitindo que seja visto com normalidade e sim como uma situação de risco”.
Comissões nas escolas
No Ceará, uma medida prática aplicada às escolas da rede estadual, há alguns anos, e que desde 2020 constam em lei é a criação de Comissões de Proteção e Prevenção à Violência contra a Criança e o Adolescente.
A lei estadual estabelece que compete à Comissão:
- Desenvolver, com a comunidade escolar, planos de prevenção às diversas expressões de violência identificadas no ambiente escolar;
- Notificar e tomar as medidas cabíveis, do ponto de vista educacional e legal, nos casos de violência contra a criança e o adolescente, bem como realizar o devido encaminhamento às instituições e autoridades competentes, quando necessário;
- Implantar protocolo único de registro, sistematização e notificação nas escolas para os casos de violência contra crianças e adolescentes;
- Notificar os casos de suspeita de violência ao Conselho Tutelar, nos termos da legislação vigente.