Como (dói) falar sobre os ataques em nossas escolas

É urgente entender que essa ferida está aberta e o debate responsável ajuda a evitar novas ações

Legenda: Não nos ensinam a olhar e acolher o outro porque não vemos sinais nítidos de que precisam ser ouvidos, notados.
Foto: Fernanda Siebra

A primeira coisa que preciso falar nesta coluna é: estamos novamente diante da dor de um ataque cruel a uma instituição de ensino. Mas, desta vez, a ação violenta em Blumenau, Santa Catarina, tem aspectos distintos das últimas, como as que ocorreram em São Paulo e no Ceará, quando alunos protagonizaram agressões e assassinatos de colegas e professora dentro de seus colégios.

Apesar das diferenças, a memória da dor retorna e me faz pensar sobre os tantos viéses dessas ações que rondam e adentram nossas escolas. Em meio às reflexões, ao me deparar com a notícia recente sobre (mais) um ataque, de súbito, fechei os olhos e imaginei gritos, choros, agonia, desespero e pessoas horrorizadas, atônitas e algumas até sem reações

Depois, fechei novamente os olhos e pensei no passado, relembrei algumas das minhas próprias salas de aula da infância/adolescência. À minha memória, vêm sensações de estar sempre em segurança, numa extensão de casa na qual eu convivia com amigos e professores que me preenchiam a vida. 

Agora, novamente imagino a sala de aula de Blumenau...

A gente tende a imaginar cenas do ataque. É como se fosse para 'compreendermos' aquilo que achamos 'incompreensível' e inimaginável. Estamos perplexos, mas, sim, é real. De novo. Entre passado e presente, reviram-se sentimentos e sensações que se fazem emocionais e até físicos dentro de mim. Muita coisa dói na memória do passado e nessa história atual que temos vivido ao precisar noticiar essa que é uma grande ferida: a violência dentro das escolas. Preciso ler, mas não quero acreditar. 

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Isso tudo nos mostra o quanto temos lidado com a introdução da violência como prática, como saída e como identidade, em um cenário no qual os agressores seduzem e são seduzidos por discursos extremistas, no qual ações cruéis ganham notoriedade em ambientes que são ocultos para muitos de nós, mas têm se disseminado cada vez mais no ecossistema digital.

E os questionamentos são muitos, o que ainda nos revela o quanto é preciso abrir os olhos para o que há de invisível rondando o ambiente escolar. Somos todos vítimas, pois tudo isso atravessa-nos enquanto indivíduos, enquanto sociedade. E queremos respostas a todo instante.

Mas o que explica tantos episódios de violência e horror nas nossas escolas? Quem pode contê-los? E como cobrir esses eventos sem dar visibilidade a agressores? Como não se falar de justiça ante aos pais que perdem seus filhos, aqueles que morrem vítimas dos ataques e aqueles que protagonizam as ações de violência, e ficam reclusos após cometerem atos?

Na escola e na mídia, assim como na comunidade, a gente precisa falar das feridas que se transformam em ações de violência dentro das escolas. Precisamos falar de violência doméstica, violência de gênero, intolerância religiosa, preconceito racial, desemprego, fome, bullying, estupro, abusos de todas as formas. De saúde mental. Da falta de esperança, de perspectiva e também da carência de oportunidades que fazem muitos desses alunos "reagirem" violentamente às dores que carregam. 

Eu mesma não tenho como falar ou escrever sobre violência nas escolas e não experimentar a dor. Sou jornalista e também professora - e filha de professores. Assistindo à aula ou lecionando, a sala de aula sempre me permitiu avanços justamente porque lá eu me sentia segura, com condições de expandir minhas percepções e experiências, dentre as quais me fizeram detectar os muitos abismos que se colocam entre mim e o colega (ou) aluno ao lado. 

Talvez por isso que estudantes chegam com sorrisos acesos na sala, mas não sabemos o que trazem na mochila impecável. Vivem discussões "sem sentido" entre si, mas o que sentem no fundo do coração? Estão silenciosos e recatados no canto, mas qual dor carregam no peito? Gargalham e se exibem com palavras, gestos e adereços, mas será que choram quando chegam em casa ou se pudessem não iam ou não saíam  da escola? 

Também temos a sensação de que desaprendemos a viver em sociedade quando nos deparamos com a violência estarrecedora de assassinatos brutais como os de Blumenau. A gente só sabe que dói e que essa ferida é de uma sociedade inteira, que “os remédios" e preventivos são muitas vezes invisíveis como também os são causas e responsáveis. Mas, de fato, como não se desnortear diante de tamanha crueldade? E, na verdade, como (dói) falar sobre os ataques em nossas escolas?