Sebo O Geraldo segue em atividade e mantém vivo legado do dono
Há 25 anos, lugar democratiza acesso de fortalezenses à leitura.
Livros, estantes, histórias, a saudade está em tudo. Há exatamente um mês, no último 30 de setembro, Fortaleza se despedia de Geraldo Paulo Duarte. O maior legado dele, o Sebo O Geraldo, segue indômito no centro da cidade, em movimento de resistência e pulso diante da falta que o proprietário faz. É sentida nos detalhes, e busca virar motor de continuidade.
O Verso foi até o lugar para mensurar a importância do espaço no meio cultural fortalezense e saber como as atividades permanecem sem a presença do antigo dono e idealizador. Quem fizer o mesmo movimento, se deparará com Janderson Duarte e a tia dele, Estela. Os dois tomam conta do negócio agora, e reconhecem o peso da ausência de Geraldo.
“Talvez nem nós, familiares, tínhamos noção que tudo que meu pai construiu foi importante não só para a nossa família, como também para muitas pessoas que mandaram mensagens de gratidão”, confessa Janderson, filho do livreiro. Os recados davam conta de agradecer desde um desconto especial ao achado de obras praticamente esgotadas.
“Agradeciam também por um dia precisar de um livro específico e não ter dinheiro pra comprar. Meu pai dava o livro pra que a pessoa pagasse quando pudesse, e por aí vai”. Segundo o herdeiro, o sebo sempre foi a vida de Geraldo. Quando a saúde do proprietário estava intacta, queria estar no lugar até aos domingos e feriados, tamanha a paixão.
O semblante meio fechado, de tez carrancuda, era apenas fachada. Rapidinho o público percebia ser somente impressão. Bastava sentar ao lado do birô dele e perguntar fatos antigos da cidade ou como era a Capital em outros tempos, que a conversa ia longe. Foi com esse jeito distinto e proseador que Geraldo conquistou muito mais que clientes: amigos.
O birô continua lá, cravejado de relíquias encontradas nas páginas e rodeado daquilo que faz brilhar os olhos de qualquer amante da leitura. Numa conta rápida, Janderson estima a quantidade em 200 mil livros, divididos em setores como Literatura, Psicologia, História, Sociologia, Engenharia, entre outros.
Todos os dias chegam mais obras na loja, bem como CDs, DVDs, discos de vinil, fitas K7, mangás e histórias em quadrinhos.
“Temos muitos frequentadores fiéis, que estão sempre aqui. E, embora a loja seja antiga, sempre tem uma pessoa nova, que ainda não conhecia”. Além de Janderson e a tia, a esposa de Geraldo, Albaniza, e a nora, Ingrid, dão suporte nas atividades. Em meio à cacofonia do Centro, o grupo sustenta a bandeira da cultura e o respiro necessário para os dias.
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Como o Sebo O Geraldo começou
Com funcionamento de segunda a sábado – de 8h30 às 17h durante a semana, e até às 13h no fim de semana – o Sebo O Geraldo tem história curiosa. Geraldo iniciou a lida com livros por volta de 1966. Vendia-os na calçada, na rua Guilherme Rocha. Mas só podia colocar as obras no chão após as 18h devido ao comércio local.
Ele contava a quem quisesse ouvir: chegou a perder mercadorias quando passava o “rapa”, ou seja, a fiscalização. “O que sabemos é que não foi nada fácil”, recorda Janderson. Numa dessas de perder tudo, um amigo perguntou se ele queria uma banca, dessas de revista. Foi quando as coisas começaram a clarear para o homem.
Após muitos altos e baixos – “mais baixos do que altos”, frisa o filho – Geraldo conseguiu um ponto em sociedade com outro amigo na rua Pedro Pereira; depois, foi para a rua Tristão Gonçalves. Até virem as obras do metrô naquela região, e ele precisou alugar o ponto onde o sebo funciona até hoje por cerca de 25 anos, na rua 24 de maio, 950.
A fama veio por vários motivos, sobretudo devido ao preço camarada e ao carisma típico do livreiro. A já mencionada Estela, tia de Janderson, sempre trabalhou com Geraldo e é parte igualmente relevante nesse processo de alcance do negócio. A esposa, Albaniza Duarte, também. No olhar, misto de melancolia e esperança diante da perda do amado.
“Depois que ele faleceu, a vida da gente deu uma volta. Às vezes, até penso que não aconteceu. Tínhamos 32 anos de casados e três filhos. Eu sempre vinha aqui, a gente nunca se separou”, rememora. Gosta também de revisitar a personalidade do esposo. Diz que não gostava de tirar muita prosa, mas adorava quando se abriam com ele. Embarcava também.
“Tinha gente que vinha de fora, às vezes com os filhos, só pra bater foto com ele. O engraçado é que ele não era muito de ler, mas tinha paixão por essa profissão. O livro que ele lia e repetia era ‘Meu Pé de Laranja Lima’. Vai fazer um mês da partida dele, mas parece que faz um dia. É difícil demais. Como esposo, pai e livreiro, era uma pessoa extraordinária”.
Mudanças no sebo?
Daqui para frente, o objetivo é que o sebo cresça a fim de continuar parte da vida dos fortalezenses e conquistar novos. “Sabemos que não será fácil tocar esse negócio sem a maestria com que meu pai conduzia tudo. Ao mesmo tempo, também sabemos da grande missão de tornar ele vivo e eternizado de alguma forma”, situa Janderson.
De forma pessoal, ele igualmente descreve o impacto da perda do pai. Não teve muito tempo para sentir o luto – tendo em vista que, conforme conta, “a vida não proporciona esse tempo e só é preciso seguir em frente”. Mas afirma doer demais não ver seu Geraldo sentado no birô, chegando em casa e comentando jogos do Fortaleza Esporte Clube, time do coração.
“É um vazio que não tem como preencher. Mas a certeza de que sua vida não foi em vão, de que ele deixou muitos amigos, e as inúmeras mensagens boas que a gente recebe, nos dão um pouco de conforto”. Ao que dona Albaniza completa: “Um amigo do Geraldo falou, ‘Existem duas mortes, a física e a do esquecimento’. Essa segunda morte a gente não pode deixar acontecer”.
Serviço
Sebo O Geraldo
Endereço: Rua 24 de Maio, 950, Centro. Funcionamento: de segunda a sábado, de 8h30 às 17h durante a semana, e até às 13h no fim de semana. Contato: (85) 3226-2557. Mais informações pelas redes sociais do sebo