Russo Passapusso fala sobre novo álbum do BaianaSystem e relação com a arte cearense: 'O Ceará me trouxe liberdade'

Em entrevista ao Verso, Passapusso destacou relevância da cena musical do Estado e comentou sobre quinto disco de estúdio do BaianaSystem, que inclui música que homenageia Fortaleza

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
(Atualizado às 13:16)
Vandal, Russo Passapusso, Claudia Manzo e Beto Barreto, do BaianaSystem
Legenda: Vandal, Russo Passapusso, Claudia Manzo e Beto Barreto, do BaianaSystem
Foto: Bob Wolfenson/Divulgação

Dito popular que pode significar esperança e calmaria, mas também vingança e incerteza, a frase “O Mundo Dá Voltas” foi escolhida para nomear o quinto álbum de estúdio do grupo BaianaSystem, que chegou às plataformas digitais no último dia 16.

Produzida de forma intencional ao longo dos últimos dois anos e meio, a obra tem a multiplicidade de sentidos como ponto de partida para demonstrar a maturidade de aspectos já característicos da banda, como a conexão entre música e cidade e o mix de diferentes gêneros musicais, como rock, reggae, afrobeats e pagodão baiano.

O novo álbum do Baiana, que dá continuidade ao clima esperançoso do álbum “O Futuro Não Demora” (2019), conta com colaborações com artistas brasileiros consagrados, como Gilberto Gil, Emicida, Pitty, Anitta e Manoel Cordeiro. Outro destaque é a participação da baiana Melly, cujo álbum de estreia foi destaque nacional em 2024. Há ainda colaborações com o músico português Dino d’Santiago e da cantora norte-americana Kandace Lindsey. 

Capa do álbum 'O Mundo Dá Voltas', lançado em 16 de janeiro deste ano
Legenda: Capa do álbum 'O Mundo Dá Voltas', lançado em 16 de janeiro deste ano
Foto: Divulgação

Em meio à mistura cultural, para surpresa dos fãs cearenses, uma das faixas do álbum faz homenagem direta à Fortaleza: “Praia do Futuro”, composta originalmente como um forró, há 40 anos, pela experiente dupla Antonio Carlos & Jocáfi. Antes do início da música, que conta com a participação de Seu Jorge, a trilha “Intro Praia” demonstra como Russo recebeu o presente: por meio de um áudio de WhatsApp.

“Compus a melodia em cima de um referencial de afrobeats com forró. Então, ela tem intrinsecamente um forró, que as pessoas não percebem muito, mas tem essa cara”, conta Russo.

A cadência da música busca simular um “dialeto de favela”, destaca, cantarolando no mesmo ritmo o refrão do icônico “Rap do Silva”, de MC Bob Rum, e, em seguida, o refrão de “Praia do Futuro”. “[A música] às vezes lembra a gente um pouco do funk carioca, na forma. Trouxe essa carga propositalmente”, pontua.

No dia em que o álbum foi lançado, o cantor, compositor e pesquisador musical Russo Passapusso, frontman do Baiana, estava em mais uma de muitas passagens por Fortaleza, desta vez para a segunda experiência como tutor no Laboratório de Música da Escola Porto Iracema das Artes. Nesta edição, o artista tem realizado atividades junto ao grupo cearense Pira Coletiva. Em 2022, no mesmo programa, Russo foi tutor do coletivo O Cheiro do Queijo.

No entanto, a relação com o Estado, explica, vai muito além do “crachá”. Em entrevista ao Verso por videochamada, trajando uma camisa do Vozão, Passapusso relembra como o amor pela cultura e pelo povo cearense se intensificou.

“Descobri que o artista cearense é multiartista”

Tudo começou pouco antes da pandemia, quando o BaianaSystem se apresentou na capital cearense e conheceu o artista e influenciador Leo Suricate em uma entrevista. “Ele entrevistou a gente e falou sobre cidade, ocupação, pertencimento, política urbana, política necessária, favela, sobre o Jangurussu. Aí eu conheci aquele cara e já me apaixonei de fato”, afirma. 

Pouco tempo depois, surgiria o convite para ser tutor d’O Cheiro do Queijo na Porto Iracema, em meio a uma série de shows que o Baiana fez na Cidade, em espaços públicos e privados.

Leo Suricate fez participações em shows do BaianaSystem e se tornou próximo da banda
Legenda: Leo Suricate fez participações em shows do BaianaSystem e se tornou próximo da banda
Foto: Reprodução/Mapa Cultural do Ceará

Um deles marcou particularmente a relação de Leo e Passapusso – e de Passapusso com Fortaleza. A apresentação, que contou com a participação de Suricate, aconteceu no Ciclo Carnavalesco de 2020, no Aterrinho da Praia de Iracema, em meio a um motim da Polícia Militar.

“O Exército estava nas ruas, um caos rolando, muita gente na rua e ele pegou o microfone e falou: ‘Fiquem vivos! Fiquem vivas!’. Olhei assim e falei: uou! Que mensagem é essa, que loucura é essa, o que é que está acontecendo?”, relembra Russo. 

A partir daí, o entender as dinâmicas culturais e sociais da Capital e da Região Metropolitana – especialmente de Maracanaú, cidade natal dos artistas d’O Cheiro do Queijo, que começaram na palhaçaria de rua, e de outros grandes nomes da música cearense, como o Sertão Rap – se tornou quase uma missão para o artista baiano.

Artista baiano aproveitou vinda à Capital para reunir integrantes da Pira Coletiva e d'O Cheiro do Queijo
Legenda: Artista baiano aproveitou vinda à Capital para reunir integrantes da Pira Coletiva e d'O Cheiro do Queijo
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

“Quando eu adentrei na palhaçaria, comecei a entender o porquê de ter esses personagens da palhaçaria, por que tem esse cruzamento. E a principal potência que eu descobri é que o artista cearense é multiartista”, destaca Passapusso. 

Ao conhecer a cena contemporânea por meio das tutorias, Russo conta que quis saber mais sobre a história musical do Ceará, em especial o movimento Massafeira Livre, ocorrido no fim dos anos 70 – enquanto atuava como orientador, fazia questão de deixar claro que tinha muito a aprender.

Interesse de Russo pela Massafeira surgiu do encontro com O Cheiro do Queijo; na foto, Bito, Abu, Passapusso, Ednardo, Mona Gadelha e Ankh
Legenda: Interesse de Russo pela Massafeira surgiu do encontro com O Cheiro do Queijo; na foto, Bito, Abu, Passapusso, Ednardo, Mona Gadelha e Ankh
Foto: Divulgação

“A cidade ensina a escola, a escola volta para a cidade. É um portal. Então, eu aprendi muito com isso, conheci muita gente”, destaca. Em meio às conexões musicais, o BaianaSystem decidiu gravar o clipe de “Catraca” no Jangurussu, com Leo, O Cheiro do Queijo, Mumutante e outros artistas e técnicos cearenses. 

A MassaFeira é um movimento que precisa ser conhecido pelo Brasil inteiro. Era um movimento tão grande e tão bonito como a Tropicália na Bahia. Ele precisa ser valorizado dentro dessa história, relançado, remasterizado, reconhecido. Não só com a música, mas pela pluralidade artística.”
Russo Passapusso

Questionado sobre quais lições que as trocas com a cena cearense trouxeram, Russo define a relação com o Estado em uma palavra. “Liberdade. O Ceará me trouxe liberdade, se eu fosse falar assim, como artista”, afirma. “Abriu minha cabeça para a realidade, para olhar as coisas, para trocar com a cidade realmente”, completa.

Além de liderar o BaianaSystem, Russo Passapusso tem atuado como tutor na Escola Porto Iracema das Artes
Legenda: Além de liderar o BaianaSystem, Russo Passapusso tem atuado como tutor na Escola Porto Iracema das Artes
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

Isso porque, após mais de uma década na estrada com o BaianaSystem, o artista disse que sentia que, aos poucos, estava “perdendo o tato”. “[O Ceará] me trouxe um tato, um sentido, um sentimento de música nordestina popular, um aprendizado de cultura popular que eu não poderia ter em outro lugar”, explica.

Apontando com orgulho para a camisa do Ceará Sporting Club durante a entrevista, Russo destaca que a peça – uma de três camisas do time que comprou em uma vinda ao Estado – não significa, necessariamente, apreço pelo futebol. Se trata mais de uma simbologia, uma homenagem.

“Eu precisava carregar o nome Ceará comigo”, diz. “Tenho pouco apego ao futebol, mas gosto muito do amor que as pessoas sentem, se juntam, principalmente em relação a esses times que me parecem ser mais populares – o Bahia aqui, o Ceará, esses times que carregam o nome do estado. Então, adquiri logo três camisas para poder fazer show [com elas] e as pessoas olharem e falarem ‘Ele está com a camisa do Ceará? Ah, sim, Praia do Futuro!’”, ri.

Artista projeta shows em Fortaleza em 2025, mas não só

Na última passagem por Fortaleza, Russo participou de atividades junto à banda Pira Coletiva
Legenda: Na última passagem por Fortaleza, Russo participou de atividades junto à banda Pira Coletiva
Foto: Micaela Menezes/Divulgação

Mesmo que a turnê de “O Mundo Dá Voltas” ainda esteja começando a engrenar – estão marcados shows em Salvador, no próximo domingo (26), em Recife, em meados de fevereiro, e São Paulo e Brasília, em maio –, Russo Passapusso afirma que “quer muito” voltar à capital cearense com a nova turnê do BaianaSystem em 2025. 

“Já quero fazer provocações: quero muito fazer esse Pré-Carnaval e, sei lá, misturar com os blocos que tem aí, aprender mais sobre os maracatus que tem aí. Quero muito mergulhar e aprender. Eu estou totalmente à disposição”, declara. O artista ainda deve voltar para atividades na escola Porto Iracema, tanto com a Pira Coletiva quanto com outros amigos e parceiros musicais.

“A gente vai multiplicar coisas lá, que eu não paro de conversar com as pessoas, independente se eu estou trabalhando ou não. A gente não para de frutificar e pensar a cultura, porque não é só pelo trabalho, pela cadeira, pelo crachá”, ressalta. O retorno ao Ceará, garante o artista, deve ter o mesmo mote do novo disco do grupo baiano: gente.

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