‘Sound Circo’: O Cheiro do Queijo lança segundo álbum em show gratuito no Dragão do Mar

Um olhar original sobre a pluralidade da produção cultural cearense, disco une arte da palhaçaria a uma mistura de ritmos

Escrito por Ana Beatriz Caldas , beatriz.caldas@svm.com.br
Grupo O Cheiro do Queijo mistura música, cultura popular e palhaçaria
Legenda: Grupo O Cheiro do Queijo mistura música, cultura popular e palhaçaria
Foto: Alan Sousa/Divulgação

Cinco anos depois do álbum de estreia, O Cheiro do Queijo lançou, no último dia 21, o disco “Sound Circo”. O trabalho, que marca uma nova fase na musicalidade do grupo cênico-musical de Maracanaú, está disponível nas plataformas digitais de streaming e será apresentado ao público de Fortaleza pela primeira vez neste sábado (30), em show gratuito no Anfiteatro do Dragão do Mar.

O segundo disco do grupo tem produção de BitoBeat, Morcego, Batuta e glhrmee, e participações de Carú LinaMumutante Sertão Rap, além de Russo Passapusso, que atuou como tutor da banda durante a concepção do novo repertório.

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“Uma obra criada e produzida no estado do Ceará, sem o apoio de ninguém”, conforme a própria banda, o segundo álbum do projeto levou tempo para ser finalizado. As ideias começaram a surgir logo após o lançamento de O Cheiro do Queijo (2019), um conjunto ainda pouco ordenado de canções escritas por Igor Cândido, o palhaço Abu da Pereba, e gravado no pequeno estúdio musical do palhaço e músico Batuta, no Jangurussu.

Na época, Abu começou a apresentar as músicas que compunha nas paradas de ônibus e no transporte coletivo de Maracanaú e Fortaleza, e comercializava "CDzinhos" do projeto por R$ 5. Os pequenos shows contavam com a poesia crítica e afiada do rap, mas também com a comicidade da palhaçaria, área em que Abu já trabalhava.

Palhaço Abu foi o idealizador do projeto, em 2018
Legenda: Palhaço Abu foi o idealizador do projeto, em 2018
Foto: Calisto

“Mesmo com a falta de recursos, o trabalho já carregava uma estética e uma proposta muito específicas, que foram muito abraçadas pela galera do circo. Nosso laboratório foi a rua, onde a gente interagia com as pessoas, ia para dentro de ônibus. Quem dirigiu nosso trabalho foi o próprio público”, comenta o multiartista.

Com a chegada dos músicos David Cruz, o BitoBeat, e Eliel Carvalho, o Morcego, o grupo tomou novo fôlego e outras sonoridades se somaram às palavras de Abu. Já em 2021, tentando superar as adversidades profissionais e emocionais de trabalhar com arte em meio à uma pandemia, a nova formação decidiu se inscrever no Laboratório de Música da Escola Porto Iracema das Artes, com o intuito de ampliar o repertório e aperfeiçoar a identidade do grupo.

sound circo
Legenda: Russo esteve com o grupo para conhecer um pouco do cotidiano que seria narrado em ‘Sound Circo’; na foto, Bito, Abu, Passapusso e os artistas Ednardo, Mona Gadelha e Ankh
Foto: Divulgação

Foi quando, com mentoria do cantor e compositor baiano Russo Passapusso, frontman do BaianaSystem, o projeto Sound Circo começou a nascer. “O processo do laboratório foi importante pra gente organizar e compreender o que fazia, assumindo como uma proposta estética nossa. O Russo conseguiu trazer essa compreensão, fazer a gente se entender como músicos”, explica Abu.

Rádio Sound Circo

Capa do álbum
Legenda: Capa do álbum "Sound Circo" (2024)
Foto: Lissa Cavalcante

O disco que resultou dos meses de pesquisa e prática musical junto a Passapusso rendeu frutos que demonstram, na prática, a pluralidade da arte nordestina. Há forte influência de baluartes da música brasileira, como Tom Zé, mas toques ainda mais presentes de artistas cearenses, como o grupo Sertão Rap, além da herança bufônica de grupos de palhaçaria do Estado.

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Conjunto Habitacional
O Cheiro do Queijo

As 14 faixas do álbum são um caleidoscópio de ritmos e referências culturais. Entre as principais influências estão a cultura do sound system jamaicano mixadas ao pagodão baiano – a famosa swingueira, que fez sucesso nas periferias de todo o Nordeste nos anos 2000 –, combinação já acertada pelo próprio BaianaSystem que ganhou nova roupagem e sotaque nas vozes de Abu e Bito.

A gente ultrapassou a forma de lidar com o palhaço. Muita gente vê o palhaço como um personagem, mas o palhaço já tá na nossa vida, na nossa existência, nossas casas, nossas brincadeiras, nossa maneira de se relacionar, nossas ‘fuleiragens’. Com isso, a gente viu que esse era um campo extremamente fertil para a criação.
Abu da Pereba
palhaço, cantor e compositor

Nos novos versos da poesia urbana d’O Cheiro do Queijo. se fazem presentes as vozes potentes e múltiplas das periferias da Capital e da Região Metropolitana, das críticas ao capitalismo e à ausência do Estado ao enaltecimento da cultura indígena do povo Pitaguary.

Há espaço ainda para interlúdios cheios do bom humor cearense, os graves do pagodão baiano, reggae, pitadas de salsa e funk e até uma love song (Transafeat. com a cantora Mumutante) – como em todo bom álbum de rap.

Maracanaú no mapa da cultura

Se a palhaçaria de Abu define o visual das apresentações do grupo, boa parte da estética sonora do Cheiro do Queijo surgiu das vivências do músico BitoBeat, um dos produtores de Sound Circo. Em poucos anos de carreira, ele acumula as mais diversas experiências musicais: já foi cantor em banda de forró, mesmo sem ser fã do gênero, participou de uma banda de swingueira e hoje se dedica, em boa parte, às batidas do hip hop.

É justamente esse tipo de caldeirão de referências que, para Bito, traz encanto e originalidade para os trabalhos feitos no Ceará, de modo geral. Ressaltar a inspiração em artistas conterrâneos, além dos sotaques e expressões locais é, para ele, uma forma de também se afirmar artista.

“É uma maneira de dizer quem nós somos: nossa identidade, nosso dialeto. Costumo ver artistas potentes se inspirando em artistas do Sudeste e do Sul, sendo envolvidos pela maneira que o outro artista fala, o sotaque. Acho isso estranho, porque nós temos nossa identificação e sabemos nos comunicar melhor do que ninguém”, pontua.

“É preciso afirmar onde é o nosso território, o chão que a gente pisa, as nossas vivências em Maracanaú, até para botar a cidade no mapa”, completa.

Em uma cena musical fervilhante, mas que ainda desmotiva artistas pela ausência de incentivo, Bito olha para o novo álbum – e as possibilidades que ele traz – com alegria, mas sobretudo, com respeito.

“A gente está o tempo todo tentando sobreviver com nosso trabalho e não deixar de fazer o que a gente gosta. Então, é muito gratificante botar um disco no mundo, mas também é uma responsabilidade muito grande. Traz a sensação de que a nossa mensagem está chegando, e chegando bem”, explica.

Tanto Abu quanto Bito concordam que o segundo disco do grupo traz evolução técnica, sonora e conceitual – mas sem jamais perder a essência das primeiras intervenções urbanas, da palhaçaria, do riso enquanto estratégia de sobrevivência e leveza, mas também de provocação.

“Não é só música", destaca Bito. "A gente tá aqui para mostrar que o Ceará é rico, tem diversas culturas, e muitas vezes nem o próprio morador daqui  conhece. Como o poder público não investe, a gente tem que fazer o nosso próprio rolê acontecer. Então, o Sound Circo é também um grito”.

Confira o clipe de "Indivíduos", primeira música lançada do disco:

Serviço
Lançamento do álbum “Sound Circo”, da banda O Cheiro do Queijo

Quando: Sábado, 30 de março, às 21h
Onde: Anfiteatro do Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Para ouvir: Spotify | YouTube
Acesso gratuito | Classificação indicativa: 12 anos
Mais informações: @ocheirodoqueijo

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