Orquestra Sinfônica da UFC completa 10 anos com espetáculo pop e aposta na democratização da música

Entre eventos que buscam aproximar o público amplo e os desafios de uma orquestra estudantil, OSUFC se consolida como um dos principais projetos sinfônicos do Ceará

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
(Atualizado às 14:38)
Grupo de quase 60 estudantes e profissionais de música se apresenta no TJA nesta quinta-feira (17)
Legenda: Grupo de quase 60 estudantes e profissionais de música se apresenta no TJA nesta quinta-feira (17)
Foto: Ismael Soares

Um concerto que une o pop e o clássico dará o tom da comemoração dos dez anos da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Ceará (OSUFC) na próxima quarta-feira (17). Intitulado “Divas do Pop”, o show celebrativo reunirá quase 60 estudantes de música cearenses, que apresentam um repertório com hits de 15 artistas de sucesso internacional. O evento terá sessão única no Cineteatro São Luiz, às 19h, e segue com ingressos à venda.

Na ocasião, serão apresentadas 12 músicas de nomes como Madonna, Britney Spears, Beyoncé, Shakira, Rihanna, Anitta, Lana Del Rey, Mariah Carey, Katy Perry, Adele e Lady Gaga. A escolha por um repertório de pop, que pode parecer inusitada à primeira vista, parte de um dos eixos de trabalho da orquestra, voltado para a música popular internacional.

Leandro Serafim é maestro regente da OSUFC e coordenador do curso de Música da UFC
Legenda: Leandro Serafim é maestro regente da OSUFC e coordenador do curso de Música da UFC
Foto: Ismael Soares

“A gente tenta fazer com que isso esteja presente na formação dos alunos, porque nós não temos uma orquestra profissional estatal aqui no Estado. Muitos desses músicos vão atuar com música popular, então a gente precisa dialogar com esses processos formativos. Não teria por que a gente fazer somente música erudita”, explica Leandro Serafim, maestro regente da Orquestra Sinfônica e coordenador do curso de Música da UFC.

Apesar de a OSUFC ter sido oficializada apenas em 2015, o primeiro grupo sinfônico ligado à Universidade data da década de 80, quando a UFC e o Serviço Social da Indústria (SESI) do Ceará criaram, em parceria, a Orquestra SESI UFC. O projeto durou quase 30 anos e pavimentou o caminho para a orquestra atual.

No ano passado, concerto da OSUFC homenageou clássicos do rock brasileiro
Legenda: No ano passado, concerto da OSUFC homenageou clássicos do rock brasileiro
Foto: Felipe Abud/Divulgação

O diálogo entre popular e erudito, característico dos projetos da OSUFC, é demonstrado no cronograma de concertos anual do grupo, que costuma realizar três repertórios distintos por ano, uns mais clássicos, outros contemporâneos. O primeiro deste ano, por exemplo, foi uma adaptação da ópera cômica Bastien und Bastienne (1768), de Mozart, intitulada Bastião e Bastiana.

“Desta vez, a gente queria fazer uma coisa que fosse especialmente para as cantoras mulheres poderem participar, já que nós fizemos no ano passado, o ‘Tenores in Concert’, que era um concerto só para homens que cantavam”, completa Leandro.

Brenda Rio é uma das cantoras à frente do espetáculo 'Divas do Pop'
Legenda: Brenda Rio é uma das cantoras à frente do espetáculo 'Divas do Pop'
Foto: Ismael Soares

A estudante de música e cantora cearense Brenda Rio, 24, uma das artistas selecionadas para dar voz às divas pop no espetáculo, destaca que o repertório possibilitou sua participação no projeto, já que é o tipo de música que ela costuma apresentar em bares e restaurantes da Cidade.

“Sempre tive vontade de participar dos espetáculos com a orquestra da UFC, e já faz anos que vou prestigiar a orquestra, mas com os outros repertórios, nunca dava tempo eu aprender”, conta. 

Animada, ela destaca que, apesar de familiares, os arranjos das músicas serão outros, e que tem se dedicado arduamente para o novo desafio. Ela interpretará canções de quatro artistas, incluindo Beyoncé e Mariah Carey.

A ideia de escolher artistas com tamanho alcance também busca aproximar a população cearense da orquestra, afastando a ideia de que as apresentações são pouco acessíveis, voltadas apenas para um público nichado. 

“Eu também sou cantora lírica, tenho um repertório lírico, mas eu sei como isso é distante da maioria das pessoas. Então, atrair as pessoas para esse ambiente e ouvir música dessa forma é muito bom e muito importante”, destaca Brenda. “Além da oportunidade para os músicos de vivenciar a prática de conjunto, tem essa questão de juntar os diferentes públicos e trazê-los de volta para o teatro”, completa.

Já a veterana Amanda Macêdo, 20, que integra a OSUFC desde os 11 anos, quando se inscreveu como aluna da comunidade externa, ressalta a importância do repertório para que o público se identifique e se aproxime da orquestra. Para ela, esse movimento é essencial, inclusive, para a valorização dos músicos como profissionais e da própria música erudita, já que conecta o público a grupos que também executam esse tipo de repertório.

Amanda em concerto de 2019
Legenda: Amanda em concerto de 2019
Foto: Arquivo pessoal

“Com as pessoas se interessando cada vez mais por isso, eu acredito que a população também vai junto com a gente a comunidade trabalhadora música a comunidade geral vai atrás junto com a gente de conseguir melhores condições para gente, o que é muito importante”, destaca. 

Para Amanda, esse tipo de espetáculo também serve para demonstrar a versatilidade musical dos artistas cearenses de orquestras, que “não vivem só de música erudita”. 

“A gente não toca só música erudita, a gente toca divas pop, a gente toca rock, a gente toca música de filmes, a gente toca música de musicais e a gente também toca música erudita. A gente pode fazer de tudo um pouco, isso é o mais legal desse trabalho”, afirma.

Veja também

Falta de bolsas dificulta participação

Voluntários participam de cinco ensaios por projeto
Legenda: Voluntários participam de cinco ensaios por projeto
Foto: Ismael Soares

Assim como Brenda e Amanda, diversos outros participantes da Orquestra Sinfônica da UFC já estão no mercado de trabalho como músicos, mas buscam no projeto meios de aperfeiçoamento profissional e diversificação de portfólio

É o caso de Pedro de Oliveira Matos Júnior, 38, que trabalha como músico na Banda de Música Expedito Raulino, banda municipal de Morada Nova, interior do Ceará. Ele participará pela primeira vez de um espetáculo da Orquestra da UFC no show “Divas do Pop”, em que tocará seu instrumento principal, a tuba.

Pedro Júnior é músico profissional e participa de projeto da OSUFC pela primeira vez
Legenda: Pedro Júnior é músico profissional e participa de projeto da OSUFC pela primeira vez
Foto: Arquivo pessoal

Para integrar a apresentação, ele tem se deslocado de Morada Nova para a Capital nas últimas duas semanas – não sem dificuldades, já que não há verba para viabilizar a vinda de estudantes de outras cidades. O trajeto dura de três a quatro horas.

“A questão do cansaço nem é tanta, porque pra gente é gratificante. Para mim, o mais difícil mesmo é a questão financeira, porque como não tem ajuda de custo, a gente vem por conta própria”, lamenta.

Atualmente, a orquestra apenas possui orçamento para quatro bolsas, concedidas a alunos que ajudam os professores na gestão do projeto. Os demais participantes são voluntários.

No entanto, Pedro Júnior destaca que enxerga os gastos para participar da orquestra como um investimento. “Por mais que a gente não tenha um retorno financeiro, conta pro currículo, porque a UFC é uma instituição grande, importante”, destaca.

“E sei que a dificuldade tanto existe pra gente quanto pra instituição, para manter a orquestra sempre em atividade, já que não há recurso financeiro para os músicos”, pontua. “O estado do Ceará tem essa tradição [musical] tão grande. É uma falta não ter uma orquestra profissional paga no Ceará”, comenta.

Junto à Orquestra Sinfônica da Universidade Estadual do Ceará (OSUECE), a OSUFC é uma poucas orquestras públicas do Ceará – que, ao contrário de estados próximos, não possui uma orquestra estatal com músicos contratados. Quarta cidade mais populosa do País, Fortaleza tampouco possui uma orquestra municipal.

Alunos são selecionados por concerto
Legenda: Alunos são selecionados por concerto
Foto: Ismael Soares

Para o maestro Leandro Serafim, a importância da OSUFC consiste justamente em possibilitar que alunos e artistas tenham acesso à vivência de orquestra profissional no Ceará. Nesse sentido, os ensaios para cada projeto são pontuais e duram poucas semanas, sempre em horários que possibilitem a participação do maior número de alunos. 

“Meu objetivo não é ter ensaios todas as semanas. Meu objetivo é fazer com que, nesse grupo, os alunos tenham a experiência que eles terão numa orquestra profissional”, destaca.

Concertos pagos ajudam a manter orquestra ativa

Lucro dos ingressos paga custos operacionais e novos equipamentos
Legenda: Lucro dos ingressos paga custos operacionais e novos equipamentos
Foto: Joyce Ferreira/Divulgação

Mesmo em meio aos percalços, a continuidade da OSUFC é vista pela comunidade acadêmica como essencial para a formação de músicos de diferentes lugares do Estado, tanto das universidades quanto fora delas. Com grupos atuantes em Fortaleza e Sobral, a orquestra tem investido na cobrança de ingressos para conseguir dar conta dos custos operacionais dos concertos e comprar equipamentos que ainda não foram adquiridos pela universidade por falta de verba.

“A opereta Bastião e Bastiana, por exemplo, teve um custo de R$ 17 mil para ser realizada. Esse custo inclui questões diversas: transporte, equipamento, cenário, figurino, lanche nos ensaios, aluguel de microfones, iluminação, enfim. E a gente arrecadou na bilheteria somente R$ 10 mil naquela edição”, explica o maestro. 

O restante do valor foi custeado com auxílio de um apoiador, que doou R$ 5 mil, e um montante que estava no caixa da OSUFC. Para o espetáculo “Divas do Pop”, a expectativa é que haja lucro, pelo teor popular da apresentação. Caso os próximos concertos sejam rentáveis, a ideia é adquirir um par de tímpanos, instrumentos utilizados comumente em orquestras. Usado, o par custa cerca de R$ 16 mil.

“É um trabalho difícil, porque a universidade tem ciência de que nós precisamos disso, mas são tantas as demandas dentro da universidade – e todo mundo sabe que a cultura, muitas vezes, é assim: quando dá certo fazer algum tipo de investimento, faz, mas não é prioridade”, lamenta Leandro.

O grupo foi aprendendo a, face às burocracias próprias de orquestras estudantis, “caminhar com as próprias pernas”, conta o maestro. No momento, a equipe de professores pleiteia a institucionalização da orquestra, para que ela possa ter uma conta e um CNPJ próprios e possa inscrever projetos em editais de leis de incentivo. Além disso, o grupo tem procurado apoio de patrocinadores para custear, por exemplo, o pagamento de pautas nos teatros.

Para Leandro, a verba de produção é ainda mais urgente que as bolsas de ajuda de custo. Sem ela, não há espetáculo ou palco possível. 

“O que falta, eu acho, é uma expertise da própria universidade e um suporte de equipe mesmo. Eu, por exemplo, sou professor do curso de música, dou aulas de várias disciplinas, sou coordenador do curso de música da UFC, então tenho uma série de demandas do curso”, comenta. Oficialmente, o maestro regente deve dedicar apenas seis horas semanais à OSUFC. “Então, é limitada essa possibilidade. Mas nós estamos lutando para que isso aconteça”, conclui.

Quem pode participar?

Perfil dos alunos do projeto varia e vai dos 20 aos 60 anos
Legenda: Perfil dos alunos do projeto varia e vai dos 20 aos 60 anos
Foto: Ismael Soares

Atualmente, a OSUFC permite que alunos de cursos de extensão e graduação em Música se inscrevam para a seleção dos concertos, que acontecem três vezes por ano, geralmente. Membros da comunidade externa também podem pleitear uma vaga nos projetos, contanto que tenham experiência musical comprovada em grupos de base, dentro ou fora da UFC.

O maestro destaca que alunos de diferentes níveis de formação são encorajados a participar. “Muitas vezes a gente pensa que os melhores alunos vão ser da graduação, mas não necessariamente, porque a formação musical caminha por espaços diversos”, pontua. “Essas experiências de processos formativos para construção de grupos são muito relevantes para os alunos que, futuramente, serão professores, maestros, músicos”, aponta.

Serviço
Concerto “Divas do Pop”, da Orquestra Sinfônica da UFC
Quando: Quarta-feira, 17 de setembro de 2025
Horário: 19h
Onde: Cineteatro São Luiz (rua Major Facundo, 500 - Centro)
Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia) | Vendas na bilheteria do cineteatro e no Sympla
Mais informações: @osufc_fortaleza

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados