Com regras inusitadas, Sítio da Vovó Joia vira point de forrozeiros
Casa de forró em Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza, conquista público fiel aos domingos
Basta passar a hora do almoço. Carros começam a chegar sob o sol estridente de domingo. Automóveis particulares e vans descarregam pessoas agitadas, bem vestidas e cheirosas. São muitas, de diferentes idades e endereços. O destino não poderia ser outro para quem ama forró e tudo o que ele contém: Sítio da Vovó Joia, em Pacatuba, Ceará.
Neste recanto na Região Metropolitana de Fortaleza, a palavra de ordem é festa. Mas há outras, tão importantes quanto: simplicidade, alegria, gingado. Quando o salão irrompe em música e dança, esses detalhes ficam tão grandes quanto a fama do lugar, apontado por muitos como a melhor casa de shows do Estado. Exagero? Talvez não.
Com entrada a preço único (R$ 20), estacionamento gratuito para 400 veículos e série de atributos curiosos, não deixa de fazer sentido o comentário. O Sítio da Vovó Joia conquista por realmente levar a sério a diversão. Com funcionamento somente aos domingos, de 15h às 20h, tem estilo todo próprio de garantir que a folia aconteça de forma responsável.
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Primeiro, nada de levar bebida para o salão de dança, nem mesmo água. A intenção, além de preservar a higiene do recinto, é fazer com que não haja confusão se alguém esbarrar e derramar líquido em outra pessoa. Ainda no quesito limpeza, outro detalhe interessante é o fato de, em cada mesa, constar uma bacia para descarte dos resíduos utilizados.
Se você chegar com blusa dos times Ceará ou Fortaleza, não entrará. Uma arara de roupas próximo à bilheteria lhe permitirá trocar de vestimenta ali mesmo – de modo a igualmente evitar possíveis atritos entre torcedores. Homens de regata também não entram. No mais, é não deixar parado o esqueleto e se abrir ao repertório das duas bandas que, domingo a domingo, enchem o palco de encanto e graça.
A primeira se apresenta de 15h às 17h30; a segunda, de 18h às 20h. A exceção acontece na festa de São João e no aniversário da idealizadora do local. Aos 84 anos – “em pé, viva e saudável” – Maria Iolanda Castro da Silva não é chamada pelo nome de registro por ninguém. É simplesmente Vovó Joia, a dama das festas de forró cearenses.
“Era pequenininho aqui, mas Deus nos ajudou e hoje estou recebendo vocês”, celebra, enquanto, com vestido estampado e olhar amigo, acolhe quem chega com entusiasmo familiar, sejam clientes, bandas ou funcionários. É quase como se pedissem a bênção a ela para cair no forró. A trajetória dessa mulher e da própria casa provam que é isso mesmo.
Como o Sítio da Vovó Joia começou
Nascido de forma “simples, sem querer querendo”, o sítio de 1500 m² de extensão nem sempre foi casa de shows. Boa parte da história dele – cujo nome original é Sítio Aconchego – é como casa de campo da família de dona Iolanda. Quando ela e o esposo, José Pinto de Almeida, se reuniam com os filhos aos fins de semana, eram para esse lugar que iam.
Após o falecimento do companheiro, há 16 anos, pouco a pouco o local deixou de ter o mesmo brilho. Faltava movimento. Vovó Joia – apelido dado ao neto do esposo que, quando criança, dizia, “Vovó, joia”, apontando o dedo – ficou bastante triste com a partida do companheiro e não chegava a ver nenhum horizonte para o espaço.
Contudo, conversando com um dos filhos e se percebendo amante do forró, pensou: “Meu Deus, o que vou fazer? Vou inventar alguma coisa. Como a gente tem um sítio, vou criar uma casa de forró – não pra mim, mas pro meu filho, porque, apesar de gostar de forró, não quero gente na minha casa”. Dito e feito: o filho assumiu o ponto.
Tempos depois, ela mesma tomou as rédeas do negócio, com toda a força, no posto de proprietária. O foco sempre foi proporcionar a pessoas de diferentes lugares, credos e, sobretudo, classes sociais, a oportunidade de desfrutar de programação qualificada de forró – e somente desse gênero, com ênfase no pé de serra.
“Começamos em 7 de março de 2011, dia do meu aniversário, com Chapéu de Couro e Dedim Gouveia. Eram apenas 50 pessoas, todas amigas. Primeiro, sugeri que fizéssemos de 15 em 15 dias, mas batemos o martelo e decidimos fazer todo domingo. Neném Show me ajudou na hora de ir atrás de mais bandas. Eu, com minha força de vontade, fui pensando em Deus e fazendo”.
Devagarinho, à boca miúda, a recepção começou a ser geral: “O Sítio da Vovó Joia é muito bom”. E, então, 14 anos depois, o espaço recebe de 500 a mil pessoas todo domingo. O número chega a quadruplicar nas duas festas master da casa – o já mencionado São João e o aniversário de Vovó. “Nosso salão é abençoado”, celebra a matriarca.
“Nunca fui empresária e nem quero ser. Aqui é normal, tudo é simples, mas muito organizado: tem ambulatório para pequenas urgências, equipe de bombeiros, apoio policial, fraldário, banheiro para cadeirante, dois bares, uma cantina… Entra velho e até criança no bucho. Meus filhos me ajudam, e tem funcionários contratados também”.
Antes, conforme conta, ela mesma arquitetava a programação das bandas; hoje, uma pessoa específica faz isso. As atrações vão de Os Januários e Forrozão Bota Pra Cima a Clementino Moura e Zé Ivan. Por sua vez, há também equipe para cuidar exclusivamente das redes sociais – apenas no Instagram, são 131 mil seguidores, gente de todo o Brasil e até do mundo.
“As regras já estão tão claras que as pessoas nem perguntam mais. Também não perguntam quais bandas vão tocar, elas simplesmente vêm. Dou oportunidade a todos os artistas e grupos”. Não à toa, além do forrozão aos domingos, uma live é realizada toda quinta-feira no YouTube e no Facebook da casa, às 20h, com novos nomes do forró. Oportunidades.
O que dizem os frequentadores
O amor pelo Sítio da Vovó Joia é mesmo geral, sentido das caravanas à equipe de produção. De tanto frequentar o espaço, a auxiliar de serviços gerais Maria Roseneide da Silva, de Aquiraz, é conhecida como “chaveirinho da Vovó Joia”. “Digo para todos: quem ainda não veio, venha, porque é muito bom. Eu amo”.
Por sua vez, residente em Canindé, a autônoma Roseane Feitosa está na casa semanalmente. Não perde um forró. Ela organiza duas topiques do município-natal à Pacatuba, distantes 105 quilômetros. Os veículos vêm cheios, com gente ávida para dançar.
“Às segundas, a gente sabe quais bandas vão tocar, então mandamos no nosso grupo, ‘Os forrozeiros da Vovó Joia’. Depois, eu digo que, quem for, dê um ok e me fale no privado. Num instante a gente enche as duas topiques, lota bem rápido. É quase sempre a mesma galera”, festeja. “Chegamos às 15h e só saímos mesmo quando acaba, às 20h”.
Se vale a pena atravessar quase duas horas de uma cidade a outra somente para dançar forró no Sítio, a resposta vem fácil: “Claro que sim. Mesmo amanhã tendo trabalho, compensa. A gente começa a semana bem. É uma terapia ótima. A gente vem sem par, mas dançamos com quem convida a gente. Até sozinha a gente dança”, gargalha.
“O Sítio da Vovó Joia é diferenciado porque é família, acolhedor. Somos bem recebidos, é tranquilo, não tem confusão, tudo bem diferente de outros ambientes que já frequentei. Em Canindé não tem mais casa de forró, a que tinha fechou. Mas igual a aqui, não existe”.
Concentrado enquanto se prepara para subir ao palco, o sanfoneiro Zé Íris também é todo emoção ao falar do lugar. Toca no Sítio há 10 anos, e elogia a forma como tudo é conduzido pela idealizadora. “Um dos momentos mais emocionantes que vivi aqui foi meu aniversário. Ela fez um bolo pra mim que era um pouco grande, do tamanho de uma mesa (risos)”.
De lá para cá, a banda sob o comando do artista, Zé Iris e Forrozão Dedo de Aço, põe todo mundo para se movimentar no salão. No exato dia em que nossa equipe de reportagem visitou o Sítio, o repertório passeou por xote, forró e baião, com sucessos de diferentes compositores. Foram duas horas e meia de show e muito suor de ginga testemunhado no recinto.
“Desejo que Deus abençoe sempre a Vovó Joia porque ela merece. É uma pessoa boa, amiga da gente. Quando chegamos aqui, tem que passar por ela primeiro, pegar na mão dela. É muito respeitada aqui na região”.
Outro com tradição no local é José Osvaldo Araújo. São oito anos à frente da locução dos eventos no Sítio da Vovó Joia. Só faltou poucas vezes, “por motivo muito justo, de força maior”. “Minha função é apresentar as bandas, dar um alô pro pessoal… Porque o pessoal gosta muito do alô, cativa muito”, explica.
De fato, entre tantos casais e amigos bailando, uma voz contorna os corpos e chega, animada, ao coração. “Quando você chega aqui, já tem esse ambiente gostoso, que todo forrozeiro gosta. Todo mundo tem um sorriso aqui, branco ou amarelo”, ri.
Futuro do Sítio da Vovó Joia
Elegendo as amizades como a maior conquista da casa – para além dos ganhos materiais, responsáveis por prover ainda mais dignidade aos três filhos e cinco netos – Vovó Joia não pretende mudar nada de substancial no sítio.
“Só dar uma arrumadinha, uma pintura”. Para além de seguir no espaço, deseja também andar, viajar. Nos meses seguintes, para se ter ideia, deve participar da abertura de um forró em Campina Grande e vai para uma festa em Barro, também na Paraíba.
Autodeclarada viciada em dançar, prevê que morrerá no sítio, rodeada da incorrigível energia dominical. E segue bailando, entre uma mesa e outra, a fim de encompridar a existência. "Não quero ser rica nem nada do tipo. Isso aqui é fruto de muito trabalho, e meu sonho é só esse: continuar. Deus não desvia”.
Serviço
Sítio da Vovó Joia
Endereço: Rua Araújo e Silva, 1001 - Timbozinho, Pacatuba (CE). Funcionamento: somente aos domingos, a partir de 15h.