Política de desenvolvimento precisa chegar a informais e vulneráveis, diz presidente da Adece

Diálogo Econômico: Francisco Rabelo, novo titular da Agência de Desenvolvimento do Estado, destaca atenção maior do órgão aos informais e aos micros e pequenos empreendedores

Escrito por Ingrid Coelho , ingrid.coelho@svm.com.br
Legenda: Francisco Rabelo, presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece), é o entrevistado desta semana do Diálogo Econômico
Foto: Arte sobre foto divulgação

O novo presidente da Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece), Francisco Rabelo, assume o posto em plena transformação da agência em uma instituição de fomento, com a operacionalização de linhas de crédito. A Adece passa agora a ter um olhar direcionado para a base da pirâmide socioeconômica do Estado: os informais e os micros e pequenos empreendedores.

Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, Rabelo destaca que a política de desenvolvimento do Estado do Ceará necessariamente tem que contemplar os mais desassistidos: o setor informal da economia. "E o empreendedorismo de micros e pequenos produtores representam a metade da população economicamente ativa", aponta.

Ele fala ainda da nova configuração da agência, que é braço executivo da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e do Trabalho do Estado (Sedet). Ele define o momento como "uma ampliação no relacionamento e na inclusão socioeconômica, chegando aos mais vulneráveis".

Os detalhes da remodelação da Adece vão além. Impactos da pandemia, novas áreas de atuação, incorporação do Codece, operacionalização do Fundo de Desenvolvimento da Indústria (FDI) e a criação de um fundo de investimentos de microcrédito produtivo do Ceará são novos desafios da agência detalhados por Francisco Rabelo.

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Confira a entrevista com Francisco Rabelo na íntegra

O senhor assume a Adece em um momento no qual a agência passa por uma forte remodelação. O que são essas mudanças e o que as levou a acontecer?

A Adece tem agora uma nova configuração. Uma preparação para as mudanças na economia global que impactam em nossa região. Uma agenda que privilegia o conhecimento, inovações e tecnologia, e a sustentabilidade. Assim, os investimentos internacionais e nacionais caminham, naturalmente, para o nosso Estado, mais justo e sustentável, do ponto de vista econômico, social e ambiental.

Uma ampliação no relacionamento e na inclusão socioeconômica, chegando aos mais vulneráveis, na informalidade, e de ações voltadas aos micros e pequenos empreendedores, no estabelecimento de joint-ventures, busca de capitais, e de fornecedores internacionais e comércio exterior.

Estamos em um contexto diferente, um mundo mais volátil, e o surgimento de novas desafios e novas oportunidades. Um contexto sem precedentes, ao longo desses anos de atuação da Agência.

Além da mudança do ambiente, a Adece teve um escopo de atuação restrita e isso não lhe dava condições de agir de maneira mais eficiente em favor da economia cearense.

Essas mudanças dizem respeito ao fortalecimento da Adece como um dos principais instrumentos de desenvolvimento do Estado do Ceará, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho, sendo a Sedet formuladora de políticas públicas e a Adece executora, totalmente alinhadas.

Vamos aproveitar melhor a marca que significa hoje o nome Ceará. O nosso valoroso ativo intangível. As nossas vocações naturais e as novas vocações com o avanço da tecnologia, que transformaram vantagens comparativas de recursos naturais abundantes (sol, vento e mar) em vantagens competitivas globais, credenciando a uma nova inserção no mercado mundial, possibilitando a geração de mais emprego e renda no Estado.

Legenda: Francisco Rabelo assume a Adece no momento em que a agência passa por uma reformulação
Foto: Thiago Gadelha

Como o senhor avalia que essa remodelação vai contribuir para alavancar a economia do Ceará nesse contexto de crise provocada pela pandemia do coronavírus?

As mudanças trazidas pela pandemia tiveram como consequências a aceleração de alterações estruturais, que embora em curso, somente viriam em alguns anos. Como por exemplo, estamos vivenciando o trabalho remoto e o incremento da digitalização em diversos segmentos da economia, e em especial no mercado financeiro com o fenômeno das “fintechs”, empresas com um processo radical de digitalização.

Agregado a isto tem a indústria 4.0, com grandes alterações no processo produtivo de automação e integração a cadeias globais de valor. Precisamos estar atentos às transformações do mundo dos negócios. A nova Adece será um importante instrumento de execução para auxiliar a economia cearense no contexto desses novos modelos de negócios.

Uma das mudanças na Adece é a criação de uma nova diretoria: a de Economia Popular, com foco em empreendedores de menor porte. Qual é a participação desse segmento hoje na economia cearense e como a Agência planeja atuar em relação a ele?

Uma política de desenvolvimento do Estado do Ceará necessariamente tem que contemplar os mais desassistidos. O setor informal da economia cearense e o empreendedorismo de micro e pequenos produtores representam a metade da população economicamente ativa. Colocar essa grande parcela dos cearenses no mercado, com emprego e renda, é um dos principais objetivos do Governo do Estado.

A Adece se torna a Agência de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Ceará, somando os diversos instrumentos existentes aos novos. A atuação será sob diversas formas de parcerias com instituições financeiras, estatais e privadas, e organismos multilaterais, em processos de “bancarização” dessa população através de várias ações de Microfinanças, seja com microcrédito ou com os diversos outros serviços financeiros, complementarmente.

Hoje, grande parte do segmento informal não é contemplada. Ademais, as capacitações serão fortalecedoras desses degraus de inclusão. Em resumo, a Diretoria de Economia Popular atenderá a parcela que se encontra na base da pirâmide, segmento esquecido dos atores financeiros tradicionais, onde se encontram as camadas mais vulneráveis; ficando a cargo da Diretoria de Fomento o público a partir do segundo degrau.

Legenda: Adece terá Diretoria de Economia Popular voltada para a camada informal da economia cearense. Micros e pequenos empreendedores também terão atenção maior com a nova configuração da agência
Foto: Antônio Rodrigues

Em janeiro, começaram as tratativas para transformação da Adece em instituição de fomento, colocando a paralelamente ante a instituições como o Banco do Nordeste e Banco do Brasil (já que agora haveria a possibilidade de operação do Fundo Constitucional do Nordeste, por exemplo). Como estão essas tratativas de credenciamento junto ao Banco Central?

Em primeiro lugar, deve-se atentar que a legislação presente do mercado financeiro permite à Adece atuar através de parcerias com as mais diversas empresas financeiras, bancos, fintechs, fundos de investimentos, seguradoras. São ações essas que serão implementadas no curto prazo.

Não haverá, no curto prazo, necessidade de credenciamento imediato junto ao Banco Central, desde que os parceiros estejam formalizados nesse mercado. Essas ações serão implementadas em curto e médio prazo. Existe uma lacuna a ser preenchida, independentemente da criação formal de uma agência de fomento, com foco de atuação definido. É uma questão de priorização e definição de processos. Inclusive, deveremos qualificar melhor o pessoal, adequar sistemas e avaliar canais de distribuição.

Será pensada em uma etapa posterior a ampliação das condições para atuação da Adece no mercado. Já contamos com uma Diretoria de Fomento que pode ocupar espaços. Nesse contexto, o BNB, o BB, a Caixa Econômica e o BNDES se apresentam como grandes parceiros e com ações cada vez mais importantes e complementares para o desenvolvimento do Estado.

Como instituição de fomento, a Adece deve ocupar possíveis espaços e lacunas deixados por outras instituições. Já houve algum estudo para identificar em quais segmentos a Adece deve atuar?

A função da Adece no fomento se dará em termos de parcerias com as diversas instituições estatais e privadas, organismos multilaterais e empresas especializadas visando alavancar recursos para o Estado.

Os principais segmentos que a agência deve atuar foram identificados em estudos de grande importância como o Ceará 2050, Plano de Governo 2019-2022, Ceará Veloz I e II, o Planejamento Estratégico da Secretaria do Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Empreendedorismo, Rotas Estratégicas 2025 e a Plataforma do Desenvolvimento Industrial, em cadeias produtivas como Água/Recursos Hídricos, Energia Renováveis/Hidrogênio Verde, Logística, TIC, Alimentos/Agroindústria, Indústria/Indústria 4.0, Construção Civil, Turismo, Saúde e cadeias integradas: Economia Criativa e Economia do Mar.

Legenda: O Turismo também está entre os principais segmentos nos quais a Adece pretende atuar nesta nova etapa
Foto: Helene Santos

Na sua avaliação, qual é o impacto da incorporação da Codece (Companhia de Desenvolvimento do Ceará) pela agência? Qual é o patrimônio que será incorporado e qual é o impacto disso na atuação da Adece enquanto estimuladora do desenvolvimento econômico?

O primeiro grande ganho é em termos de foco e escala das ações e otimização dos recursos empregados e a consequente sinergia para o Estado do Ceará. O desenvolvimento em sua execução se fortalece com essa incorporação, seja nas sinergias, seja na clareza da porta de entrada e saída dos projetos de promoção e atração de investimentos. A Codece cumpriu seu papel e pode, incorporada pela Adece, alargar os horizontes e adensar o desenvolvimento do Ceará em uma única plataforma.

O patrimônio da Codece, representado pelos Distritos Industriais e imóveis de utilizações industriais e comerciais por empresas privadas, em grande parte por regime de comodato, pode ter sua utilização como grande alavancador de recursos para aplicar nas mais diversas operações de apoio a segmentos estruturantes da economia do Estado. A gestão dos ativos deverá ficar a cargo da CearáPar, holding de ativos do Estado, buscando maior escalabilidade e sinergia da riqueza pública do Estado.

O senhor tem passagem pela coordenação do Núcleo de Inteligência da Sedet. Quais traços dessa experiência o senhor pretende incorporar à presidência da Adece e qual deve ser a relação entre a agência e a secretaria?

Um dos "insumos" mais importantes de uma economia globalizada como nós vivenciamos é a informação. No mercado produtivo esse insumo é fundamental, seja para prospecção de negócios viáveis, como também para análise de cenários e tendências do mercado. Todas essas análises são cruciais em termos de mitigação de riscos e atração de negócios.

A inteligência de Mercado se faz presente também no Estado como mola propulsora e sustentabilidade dos projetos, antenados com os impactos importantes nos aspectos sociais e ambientais e seus entornos. A Sedet é a principal secretaria formuladora e articuladora da política de desenvolvimento do Estado e a Adece é o seu braço executivo, ficam bem claros os papéis.

Qual é a sua avaliação sobre o papel do Fundo de Desenvolvimento Industrial para além da indústria, abarcando outros segmentos da atividade econômica cearense? Como isso deve contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do Estado?

A conjuntura, após mais de 40 anos do Fundo de Desenvolvimento da Indústria, é a sua adequação e antecipação a variáveis exógenas ao Estado, a exemplo das propostas de Reforma Tributária em curso, seja neste ano ou no próximo, ou mesmo em 2023. Os incentivos fiscais e financeiros se inserem em uma matriz ampliada de incentivos econômicos.

Essa reformulação do FDI é importante para se adequar aos novos momentos e também para dar a devida transição sem prejuízo aos agentes econômicos e contratos vigentes do Estado, a segurança jurídica das relações estado-mercado que se traduzem em confiança no curto, médio e longo prazos, do Estado do Ceará. 

Outros fatores precisam estar presentes nesse novo modelo, diante da revolução tecnológica, globalização dos negócios e maior participação do setor de serviços, trazendo a indústria 4.0 em um arquétipo de indústria tradicional-comércio e serviços nessa nova leitura. A adequação do FDI é necessária diante dessa dinâmica dos mercados nacional e internacional, incorporando outros segmentos que certamente implicarão em uma nova economia para o Estado.

Outro ponto que marca essa nova etapa da Adece é a criação do Fundo de Investimentos de Microcrédito Produtivo do Ceará, operacionalizado pela Adece. Já há uma projeção de quanto será esse fundo? Como se dará essa operacionalização? Qual será o impacto sobre a economia cearense? Já foram definidos os critérios para a concessão desses recursos?

O Fundo de Microcrédito tem uma importância crucial para o financiamento dos pequenos negócios, a maior fonte de empregos da economia estadual. Em termos de estratégia operacional, é importante destacar: baixo custo de operação, acesso fácil e pouca burocracia aos micros e pequenos empreendedores, e a capacidade de alavancar recursos do mercado financeiro para aplicação nesse segmento. 

Quanto aos aspectos operacionais de natureza mais específica, estamos em processo de finalização. O impacto para a economia é a oportunidade de inserção de uma camada significativa da população que não encontra guarida no sistema bancário tradicional. Essas oportunidades trarão impacto direto na redução das desigualdades sociais, beneficiando especialmente as camadas mais vulneráveis da população.

Em termos de tamanho, podemos vislumbrar um atendimento a um imenso contingente de cearenses sem acesso a crédito, na base, na informalidade, o chamado primeiro degrau. Outra característica é a vantagem em relação aos custos: muito mais acessíveis e certamente inferiores aos do mercado formal.

Também haverá um espaço muito grande para obtenção de cofinanciamentos, sendo o fundo uma alavanca para novos recursos de parceiros nacionais e internacionais.

Quais as principais metas para a Adece em 2021?

As metas estão sendo calibradas em função desses novos horizontes. Como objetivos principais temos a incorporação da Codece e a estruturação de um programa amplo de microfinanças do primeiro degrau da pirâmide econômica do Estado. Outro objetivo é a disponibilização para otimização das riquezas mobiliárias e imobiliárias da Agência.

Do ponto de vista interno, repaginar as áreas de tecnologia, financeira e de marketing da Adece, com um matiz mais global. Isso certamente ensejará o aumento da abrangência de atuação, refletidas pela atenção e facilitação na internacionalização das pequenas e médias empresas. Queremos contribuir para otimizar os processos do setor informal da economia cearense.

As metas são ambiciosas, mas creio que exequíveis para o primeiro ano da nova Adece, diante do planejamento e avanços da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho e da liderança do Governo do Estado do Ceará. 

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