Ceará ganha novo protagonismo com usinas offshore e hidrogênio verde, diz Lauro Fiuza
Diálogo Econômico: Referência no mercado de energia, o empresário cearense Lauro Fiuza Júnior ressalta o potencial do Estado de chegar a gerar até cinco vezes a energia produzida hoje em todo o País
Com muito sol e vento a esbanjar, projetos inovadores recolocam o Ceará na vanguarda do mercado de energia renovável. Iniciativas como a usina de hidrogênio verde, grande aposta do Governo do Estado para a economia cearense, e de plantas eólicas offshore (no mar) devem impulsionar a geração local, que vinha perdendo espaço para outros estados nos últimos anos.
Um dos fundadores da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o empresário Lauro Fiuza Júnior, que hoje preside o conselho do Grupo Servtec Energia, ressalta em entrevista ao Diálogo Econômico o imenso potencial de geração de energias renováveis do Ceará.
O Estado tem área apta para produzir mais de 992 gigawatts (GW), conforme o Atlas Eólico e Solar do Estado, mais de cinco vezes a capacidade instalada no Brasil, entre usinas hidrelétricas, termelétricas, eólicas e solares - de 170 MW, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
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Tendo em vista a abundância de recursos renováveis, o empresário aponta que o Estado - que pode em breve se tornar um exportador de energia - está em linha com o processo de transição energética rumo à descarbonização do setor.
Para que isso ocorra, no entanto, ele ressalta a necessidade de rapidez na aprovação dos projetos e eficiência na atração de indústrias fornecedoras para abastecer os parques fabris já instalados em território cearense, bem como programas de incentivos para as novas fontes geradoras.
Confira a entrevista completa:
O Ceará sempre foi apontado como protagonista em energias renováveis. Como esse legado começou?
O Ceará foi pioneiro nos primeiros parques comerciais eólicos. Já tinham algumas iniciativas experimentais, mas os dois primeiros contratos comerciais de uma usina eólica foram no Ceará. A Coelce, que era presidida pelo Jurandir Picanço, fez um contrato de compra de energia de longo prazo com uma empresa alemã, que era a Wobben, e instalou o parque do Beach Park e da Taíba.
O Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que foi o primeiro programa orientado para servir de laboratório no Brasil, foi montado em função de um programa criado no governo do Tasso Jereissatti, o Proeólica, que foi criado no Ceará para incentivar a iniciativa privada a criar novos parques.
O Governo Federal, vendo esse programa, criou o Proinfa com três pilares: contratando eólica, biomassa e pequenas hidrelétricas. No primeiro leilão, praticamente a eólica tomou conta de todo o recurso disponível, e o Ceará ficou com 70% desses projetos. Com o passar do tempo, o Proinfa não teve sequência, mas serviu de laboratório, aí se criou o sistema de leilões.
Mas para os leilões existirem, quem fez força de difundir a ideia no Brasil foi o Ceará, quando criou a Abeeólica. O primeiro presidente foi o Adão Linhares, depois eu o sucedi. Esse trabalho da Abeeólica feito no Ceará foi que incentivou, desmistificou e fez a cabeça dos policymakers, das pessoas que administram o setor e criam oportunidades, a pensar em dar incentivo para a eólica crescer.
A grande resistência que nós tínhamos era que a eólica era muito cara, porque era tudo importado. Logo no primeiro leilão, começou a cair violentamente de preço, e aí entrou um trabalho que eu comecei na Abeeólica em que passei a fazer palestra no mundo inteiro incentivando indústrias estrangeiras a montarem suas fábricas no Brasil.
Num período de seis ou sete anos, eu consegui trazer praticamente dez empresas para se instalarem no Brasil.
Hoje, nós temos a número um do mundo, que é a Vestas, instalada no Ceará. O Governo do Estado, quando percebeu que eles iam montar a fábrica na Bahia, resgatou as negociações, abriu as portas e a Vestas está aqui.
A consequência é que se instalou no Ceará também a Aeris, que fabrica as lâminas, as pás, e se transformou na maior do Brasil e uma das grandes, talvez a terceira ou quarta do mundo.
A Servtec começou como uma empresa de instalação de ar condicionado. Como ela ingressou no ramo de energia?
Eu fundei a empresa quando estava no último ano de Engenharia, em 1969. Ela nasceu para fazer instalação de ar condicionado. Depois, a agente foi crescendo, ampliando, entramos em grandes instalações de ar condicionado central.
Começamos a abrir filiais no Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, e uns 15 anos depois compramos a maior empresa de ar condicionado do Brasil que era a Ceibrasil, no Rio de Janeiro.
Nesse momento, por muito tempo, talvez mais de 15 anos, fomos a maior empresa instaladora de ar condicionado central do País, expandindo até o Rio Grande do Sul, com obras na Argentina, no Chile, e na África.
Ao longo do tempo, a gente foi sempre pensando no próximo passo. Descobrimos que nosso futuro seria trabalhar com energia, já que fazendo ar condicionado e refrigeração usávamos energia. Na verdade, foi uma evolução do caminho.
Então, passamos a fazer cogeração. Cogeração é usar uma matéria prima, um combustível, no caso, o gás natural, para produzir água gelada, que faz ar condicionado, ou refrigeração ou filtração.
De cogeração, o próximo passo foi quando, em 2001, houve aquela crise de energia, um colapso do sistema brasileiro, e nós nos habilitamos a esse programa emergencial e ganhamos o direito de fazer a primeira usina de geração de energia pura.
Foi em Fortaleza, a gente tinha nove usinas e ficamos em stand by para gerar energia nas oscilações do sistema.
Nesse passo seguinte, mudamos esse conjunto e transformamos em três usinas em Manaus para atender um colapso da cidade. E aí o caminho natural foi entrar nos leilões, pegamos uma usina de grande porte em Manaus, cujo contrato, de 25 anos, permanece até hoje.
E visualizamos a energia eólica como a coisa do futuro. Participamos do Proinfa, em que fomos a única empresa de capital nacional, as outras eram estrangeiras, e fizemos a maior usina naquela época, que ficou uns três anos sendo a maior do País, que são usinas na Taíba e em Aracati.
Daí o caminho foi seguir, abrimos mão dessa unidade de fazer ar condicionado central depois de 40 anos, vendemos essa divisão, e nos concentramos só em geração de energia. Hoje, estamos espalhados desde o Rio Grande do Sul até Manaus com usinas de diversos tipos.
Hoje, qual o foco de atuação da Servtec? São as renováveis?
Nós realmente diversificamos bastante. Nosso negócio é geração de energia. Nós fomos um dos pioneiros de energia eólica. Com o passar do tempo, veio a energia solar. Aí nós também passamos a entrar nesse segmento como desenvolvedores e donos de parques.
Mas simultaneamente, como nosso início tinha sido na usina térmica em Manaus, construímos uma grande usina no Maranhão. As duas funcionam até hoje, são nossa base térmica.
Hoje, nós temos quatro pernas: uma fazendo eólica, com parques no Ceará e Piauí. Outra fazendo solar, que aí nós temos duas pernas. Uma é a sociedade com um grande fundo de investimento americano, que faz geração distribuída. Nós temos construído em 12 estados usinas de pequeno porte atendendo clientes no mercado livre.
Na segunda perna dessa área de solar, nós temos uma sociedade com um grande fundo de investimento brasileiro em que fazemos geração centralizada solar.
Temos parques em Pernambuco, que estão em construção, e outro grande em Minas Gerais, com vários outros médios e pequenos. Hoje, o maior investimento que fazemos é nessa área de energia solar.
E o braço térmico, também temos projetos de grande porte com usinas termelétricas a gás, que é a grande forma de geração de energia que vai substituir a geração de base, que antes era fornecida pelas grandes hidrelétricas.
Com a crise de água que o Brasil tem passado e a incapacidade de fazer grandes hidrelétricas daqui pra frente, essa transição que o Brasil passa hoje, como o resto do mundo todo, terá que ser apoiada nas usinas termelétricas a gás junto com baterias.
As baterias são um veículo de armazenamento de energia para você descarregar no sistema na hora que precisa, coisa que nem a eólica nem a solar isoladamente podem garantir, porque dependem do vento e do sol.
Então, quando você agrega a esses parques um banco de baterias, você acumula energia na hora que está produzindo e que não há demanda de consumo, e descarrega aquela energia armazenada na hora do consumo em que os parques não estão gerando. Essa é a transição energética que nós vamos passar no mundo inteiro.
Qual o real potencial do Estado ainda a ser explorado e quais os próximos passos para o desenvolvimento dessa indústria?
A grande tarefa no planejamento da Fiec (Federação das Indústrias do Estado do Ceará), junto com o Governo do Estado, para desenvolver ainda mais a indústria do Ceará, é atrair os subfornecedores dessas indústrias, com todos os componentes, porque ninguém fabrica 100% de alguma coisa. Os grandes fabricantes são, na realidade, montadores.
A gente tem um projeto, encomenda as partes de quem sabe fazer, e monta tudo, fabrica uma parte daquilo só. Esse é o processo que o Ceará está se esforçando para atrair os fornecedores dessas empresas, tanto na solar como na eólica. Eu vejo com muito otimismo o nosso crescimento.
O mapa eólico e solar do Ceará, o mais moderno já feito no Brasil, identificou que temos um potencial solar no Ceará de mais de 600 GW, eólico onshore de 97 GW, e eólico offshore de 127 GW. Se soma todo esse potencial nós temos cinco vezes toda a potência instalada no Brasil de todas as hidrelétricas, térmicas, solar, eólica.
Isso depende de vários fatores para ser explorado: incentivo do Estado, base de infraestrutura, rede de distribuição dessa energia, subestações.
Nós temos que estar sempre à frente criando a infraestrutura para que esses parques possam ser instalados, porque nenhum empresário vai botar um parque em um local que tem grande potencial, mas não tem acesso a rede de distribuição ou de transporte.
Esse é um papel do Estado, forçar o planejamento nacional a colocar linhas de transmissão no Ceará, para que as áreas com potencial de exploração possam ter acesso e distribuir a energia gerada.
E dependemos do crescimento da economia do Brasil. Porque só se gera energia se tiver cliente. Então, esse potencial tem que sair. O Brasil, realmente, em 20 anos cresceu muito pouco e na pandemia nós perdemos economia.
Temos que ter a recuperação da economia e voltarmos a crescer para que o mercado de energia também cresça. E aí as oportunidades de explorar esse mercado são enormes.
O Ceará já possui projetos de usinas eólicas offshore e de plantas de produção de hidrogênio verde. Esse é mais um viés no qual o Estado saí à frente?
Falando de Brasil, nós temos uma riqueza muito grande. O Brasil é um dos poucos países do mundo que pode gerar toda a energia que a gente consome e exportar. Como se exporta energia hoje? Através de uma nova descoberta que é o hidrogênio verde.
A produção de hidrogênio é feita a partir da eletrólise da água, separando o hidrogênio do oxigênio. Esse hidrogênio é um transportador de energia, como é a gasolina. Você pode pegar aquele líquido, vaporizá-lo, transportar em caminhão, em trem, em navio, e no destino pode ser aproveitado em célula de energia e gera energia elétrica.
Então, esse é o grande passo que o Brasil está dando, principalmente o Ceará, que foi pioneiro novamente nisso com o protocolo iniciado pelo Governo do Estado e com grandes investimentos já previstos. Várias empresas privadas já estão montando seus projetos, que consumirão muita energia renovável, eólica ou solar.
Para isso, nasce nosso quarto pilar, que é produção de eólica no mar, offshore. Nossa quarta perna é um empreendimento, uma joint venture com um grupo também de grande porte estrangeiro para produzir energia em larga escala que vai direto para ser consumido na produção de hidrogênio verde.
Isso é uma riqueza que o Ceará também está liderando no Brasil. Nós temos os primeiros projetos despontando e o primeiro estado que cria uma legislação específica para isso, um programa todo, que é o Ceará. Esse é o futuro.
O Ceará já tem cinco projetos de grande porte, desde o Acaraú até Caucaia. São todos projetos de grande porte, investimentos de empresas estrangeiras, porque os investimentos são muito pesados.
O Atlas Eólico e Solar do Ceará mostra que, somente em energias renováveis, o Estado tem potencial de quase 20% da capacidade do Brasil todo. Nós temos uma costa longa, de 600 km, em que você pode colocar vários projetos simultâneos.
Então a Servtec já tem participação em um dos projetos de usina eólica offshore em andamento?
Nós estamos desenvolvendo os três primeiros projetos agora. Estamos na fase de análise, prospecção, medição de vento, esse é um processo longo, deve demorar um ano, um ano e meio, para a gente ter o primeiro projeto pronto. E depois a medição de vento leva mais tempo.
São grandes os investimentos com um objetivo muito claro: produzir energia para fazer hidrogênio verde. O offshore tem característica interessante. Ele pode ser localizado junto dos grandes pontos consumidores.
A base de produção de hidrogênio verde do Ceará vai ficar praticamente toda no Pecém, no Cipp (Complexo Industrial e Portuário do Pecém). Porque ali produz e já embarca em navios para levar para a Europa. Nós podemos ser um grande exportador de hidrogênio verde.
Para você abastecer essa zona com parques solares ou eólicos em terra, você tem um problema grande que é a transmissão de energia desses pontos até lá. Com o offshore você vai estar em cima, com grande potência.
Um parque offshore começa com 600 MW. Ora, você colocar um parque de 600 MW na terra é muito difícil ter área suficiente para isso. Então ele fica todo fracionado. O offshore contempla essa dificuldade logística.
Ele pode gerar perto da praia, junto aonde você vai produzir o hidrogênio verde. Nós temos a possibilidade de pegar a água do mar, dessalinizar, produzir hidrogênio verde, pôr em um navio e ser um grande exportador.
Quais os gargalos que ainda precisam ser resolvidos para a matriz eólica offshore deslanchar no Brasil?
Primeiro, não complicar o processo de aprovação dos projetos. A burocracia afasta muita coisa e o Brasil é craque em criar obstáculos burocráticos.
O segundo ponto é incentivar através da minimização das cobranças e participação nisso. Há projetos que fazem a similaridade entre a offshore e plataforma de petróleo, que são coisas absolutamente diferentes.
A indústria de petróleo está ávida para explorar uma riqueza que está lá embaixo, mas que vai acabar. O consumo de petróleo no mundo tem, no máximo, 30 anos. Ou você tira agora ou não vai tirar mais, vai ficar lá.
O eólico offshore é diferente. Os investimentos são altos, mas o combustível é eterno, o vento vai continuar todo dia. Então, uma das formas de você fazer esse incentivo não é dar dinheiro de graça, mas simplesmente evitar a cobrança de impostos e encargos no começo dessa indústria por um bom tempo.
Atrair os capitais, consolidar essa indústria e deixar ela funcionar. E lá na frente, gradativamente, fazer com que essa indústria divida também essa riqueza com o País.
Porque a terra é patrimônio da União, o mar. No onshore, nós trabalhamos com donos de propriedades privadas. Então, você quando começa a operar, paga um percentual do faturamento para o dono da terra. É isso que a gente está brigando para convencer todo mundo a acompanhar esse processo.
Assim como a energia eólica com o Proinfa, a energia solar se desenvolveu no Brasil a partir de programas de incentivo. O Novo Marco Legal da Geração Distribuída está para ser votado na Câmara dos Deputados. Como você avalia essas mudanças?
Toda novidade precisa de incentivo para começar. A geração eólica, por exemplo, teve lá no começo o Proinfa. A partir daí, as experiências foram crescendo. Depois se criou os leilões, e aquela que era considerada a energia mais cara do Brasil se transformou, hoje, na mais barata. Mas teve o pontapé inicial ajudado por programas específicos.
A distribuição solar passa pelo mesmo processo. Ela precisava de incentivo no início para crescer e fazer com que os custos caíssem. Obviamente, todo programa de incentivo tem começo, meio e fim. Agora está se discutindo como diminuir até cessar esses incentivos, porque a solar já se mostrou extremamente competitiva.
Só para ter ideia, em dez anos, as placas solares caíram 92% em custo. Cai o custo porque aumenta a demanda.
Então, tem um momento em que você precisa regulamentar melhor e modificar os subsídios até que eles deixem de existir. A importância dessa discussão é que esses processos não podem ser abruptos. Porque toda uma estrutura, toda uma cadeia, está feita em função dos custos atuais, considerando os subsídios.
Se você corta da noite para o dia, você quebra todo mundo e mata essa indústria. Então, o que eu acredito, e que deve acontecer no final dessa discussão, é um processo suave de transição em um período que dê para a indústria se consolidar, cumprir com seus compromissos e passar a ser auto suportável.
Agora, direitos adquiridos você não pode cortar. Ou seja, quem está funcionando não pode deixar de ter os subsídios que tem hoje, ou seja, o direito de não pagar determinados encargos, porque ele foi montado baseado nisso.
Uma coisa muito séria no País para atrair investimentos é manutenção dos contratos, das regras estabelecidas. Se for causada uma quebra, aí é um desastre para a imagem do País, para tudo. A gente já está tão ruim de imagem no exterior e tudo isso depende de investimentos externos.
Offshore, por exemplo, todas as empresas que estão desenvolvendo projetos no Ceará, no Rio de Janeiro ou no Rio Grande do Sul, que são os três polos, são estrangeiras, são grandes multinacionais. Elas estão aqui porque acreditam na manutenção dos contratos. Se da noite do dia você quebra essa corrente, eles você perde a moral e eles vão embora.
Nós temos ventos espetaculares, podemos fazer offshore com muita competência e eficiência, mas estamos concorrendo com Estados Unidos, com Ásia. O capital procura onde ele tem confiança que as regras vão ser mantidas. Essa é a grande discussão no Congresso hoje. Todo mundo tem consciência que um dia os subsídios têm que acabar.
Estamos em pandemia há mais de um ano. Como esse cenário impactou o segmento? Os prazos dos projetos da Servtec foram afetados?
No começo da pandemia, houve uma queda na demanda de energia. Então, as empresas distribuidoras começaram a ter muita queda no faturamento nos meses de março e abril. Ameaçaram parar de pagar as geradoras, que têm contratos firmes para honrar.
Mas o governo rapidamente percebeu que, como o setor de energia é vital não só para economia, como para a vida das pessoas, conseguiu viabilizar financiamento com as reservas técnicas que existem no setor para manter as distribuidoras com saúde.
Isso trouxe uma paz para todo o setor, principalmente quando se fala em geração eólica e solar, porque quando se coloca um parque eólico para funcionar, ele vai funcionar quer você queria, quer você não queira. Ele depende do vento, então está funcionando.
Se o teu cliente deixa de te pagar, aquela energia se perde e você não tem o que fazer com ela. Na solar, a mesma coisa.
Então, na parte operacional dos parques e usinas que estão funcionando, todas são regidas com contratos de longo prazo, não houve nenhuma interrupção na vida econômica dessas empresas, nenhum problema.
Na parte de desenvolvimento, realmente a Servtec cresceu muito. No nosso pilar de geração distribuída, temos 200 MW de plano para implantar esse ano. O outro pilar é geração centralizada, eólica e solar.
Nesses, o grande problema que estamos vivendo é que, como todos os nossos produtos são vinculados ao dólar, houve uma flutuação e um aumento de custos substancial. Você sabe que no início do ano estávamos com câmbio de R$ 4,2. Agora, ele já chegou a R$ 5,70. Essa flutuação trouxe um impacto muito grande.
A segunda consequência da pandemia é que a indústria parou. Todos os nossos fornecedores, em geral, tiveram dificuldade de cumprir a entrega dos produtos que já tínhamos comprado. E isso faz parte do cronograma de implantação de todos os parques.
Isso realmente demandou muita negociação e agilidade para manter o ritmo da implantação. Estamos com 1,5 GW de projetos eólicos e solares em implantação. Não vou dizer que está muito difícil, mas está difícil, porque não depende da competência dos fornecedores e instaladores, depende desse ciclo, dessa cadeia de fornecimento que está fragilizada.
Na área de térmica não tivemos problema nenhum, continua tudo funcionando perfeitamente.
Há uma previsão de quando essas situações devem se regularizar e de quando o setor vai conseguir voltar ao ritmo anterior à pandemia?
A tendência é que finalmente com o começo da vacinação, que começou tarde, lenta, mas agora está desenvolvendo cada vez mais rápido, as coisas comecem a voltar.
Mas enquanto 70% da população brasileira não estiver vacinada a gente ainda vai ter muita dificuldade. Eu tenho esperança que lá em setembro a gente alcance essa marca e aí o pior terá passado.
Agora, uma grande mudança é que toda nossa empresa continuou funcionando home office sem nenhum problema. Tínhamos acabado de inaugurar uma sede nova em São Paulo, hoje ela está às moscas. Uma vez por semana, junta três, quatro pessoas, vão lá, trabalham, fazem reuniões imprescindíveis.
Uma coisa que, por exemplo, é difícil fazer nesse crescimento nosso é contratação. A gente contratou muita gente de nível elevado, executivos de outras empresas, time para tocar esse desenvolvimento.
Na hora de fechar, tem que chamar para olhar no olho, não dá para contratar sem nunca ter visto, nunca ter conversado. A conversa no Zoom não é suficiente.
Nesse ponto dos profissionais, o mercado de trabalho tem acompanhado a evolução do setor? É uma boa área para os trabalhadores apostarem?
Uma coisa são os colaboradores internos das empresas. Outra coisa são os funcionários das empresas que prestam serviço na implantação dos nossos projetos.
Hoje, é uma coisa mais difícil contratar a distância, mas temos muitos órgãos no Brasil atuando nesse sentido. Por exemplo, aqui no Ceará, você tem o Sesi e Senac fazendo um trabalho exepcional de treinamento de pessoas. Cursos permanentes de formação de gente para operação das usinas, tanto eólica quanto solar.
Sesi e Senai têm feito um trabalho magnífico de treinar pessoas para jogar no mercado de trabalho. Não vou dizer que a gente não tem dificuldades. Aqui, acolá, falta algum ou outro caso, mas, no geral, a gente não tem tido problema no recrutamento de pessoas.
Ainda temos dois tipos de colaboradores: os que ficam nas usinas para operar e aqueles que fazem engenharia, desenvolvimento, planejamento, os que ficam na sede. Esses de sede é que estamos fazendo praticamente 90% home office. E temos contratado muita gente de outubro pra cá.
Mas o mercado está aquecido. É um bom setor para aqueles que estão desempregados se preparem para ficar à disposição. O crescimento tem sido violento.
A gente tem muita gente na operação hoje que foi da obra. Entraram como vigilante, como auxiliar, depois aprenderam o ofício, cresceram, e ficaram nas usinas operando. É o que a gente chama de upgrade durante o período de implantação até entrar em operação.
Isso de maneira geral, porque, em casos específicos, esse colaborador precisa de uma base de eletricidade, de comandos, tem uma certa fundamentação, precisa passar por um treinamento. E aí que o Sesi e Senai têm feito um trabalho muito bom.
Os leilões que foram adiados pela Aneel no ano passado devem retornar esse ano? Quais as adequações que o Governo Federal ainda precisa fazer na política energética para acompanhar as transformações vigentes?
O mercado brasileiro mudou muito. Nós temos duas formas de vender a energia gerada. Uma é através do mercado regulado, esse que é feito com os leilões. O outro é o mercado livre. Hoje, no Brasil, qualquer empresa pode negociar sua energia diretamente com o cliente, acima de 3 MW de consumo.
Então, 30% hoje da energia do Brasil já é fornecida pelo mercado livre. As grandes empresas estão buscando isso. Os consumidores isolados já estão colocando seus painéis solares em casa. Isso é mercado livre, não é regulado.
Essa indústria de geração distribuída está crescendo muito rápido e óbvio está tomando espaço da distribuidora. E está usando a rede que as distribuidoras investiram em benefício próprio sem estar regulado. Então, eu não vejo mais um crescimento que necessite tanto de leilões.
Os leilões vão ser específicos. Por exemplo, quando você cresce a energia renovável, você tem um problema que a energia só é gerada quando o vento sopra ou quando o sol aparece. Então, precisamos do que nós chamamos de energia de base, que dê essa base de sustentação do sistema. Essa é passível de leilão.
Então, cabe ao Ministério planejar leilões de geração para dar sustentabilidade ao sistema. Quem tapa o buraco quando a eólica gera pouco é a geração de térmica, que hoje, no Brasil, começa a abrir espaço para as térmicas a gás, já que o Brasil tem muito gás no pré-sal.
Essa transição, que deve levar 10 ou 15 anos, é que vai mudar toda a configuração do sistema elétrico brasileiro. Eu acredito que em 2040 nós vamos estar 100% renovável. Mas até lá, tem que ter uma transição.
Esse ano, por exemplo, vamos ter leilões de usinas de potência, que são essas de sustentação. Usinas a gás que possam dar aquilo que no passado as grandes hidrelétricas davam. Não são térmicas para ficar funcionando 24 horas, 365 dias no ano. Elas vão ser sempre acionadas de acordo com a necessidade do momento.
Nós vamos ter leilão esse ano para eólica e solar apenas como sustentáculo desse processo, mas no médio prazo, tanto eólica como solar, vão funcionar exclusivamente no mercado livre. Isso está em crescimento muito rápido.
Já as térmicas têm que ter leilão, e o Governo direciona onde ele quer a térmica para o sistema ficar balanceado. Também não adianta colocar todas as térmicas do Brasil em São Paulo, porque o resto do Brasil fica sem, tem que ter regionalização dessas usinas.
Toda transição fere conceitos atuais para mudar para novos. Sempre tem discussões, gente brigando por uma coisa, gente brigando por outra, sempre o novo brigando com o velho. Quem está estabilizado no conceito velho, que vai morrendo, faz tudo para se agarrar para aquilo não mudar. E o novo, com novas ideias, vai forçando entrada até vencer.
Olha o que está acontecendo com o sistema bancário. As fintechs nascem no quarto de um garoto com computador e de repente tomam espaço de um banco Itaú, Bradesco. O caso da XP, por exemplo, em 20 anos saiu de uma sala de 25 metros quadrados para ser hoje uma das maiores organizações financeiras do País. Não tem agência, não tem sede, opera virtual.
Essa transformação é inevitável, ninguém para isso. Agora, quem está dominando o mercado hoje fica brigando para manter, até que se rende à novidade e acompanha ou morre. isso é a lei da vida, em tudo.