O que está em jogo no marco legal da geração própria de energia

Segmento de geração distribuída defende novo marco legal para garantir benefícios, enquanto a Aneel mostra preocupação com prejuízos a consumidores

Escrito por Redação ,
Energia Solar
Legenda: Marco legal é apoiado pelo setor de energia
Foto: Shutterstock

Com a iminência da votação do marco legal da Geração Distribuída de energia renovável no País (PL 5829/2019) pela Câmara dos Deputados, o embate entre as empresas do segmento e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) voltou a se intensificar.

De um lado, o segmento da geração distribuída defende a manutenção de benefícios para os produtores da própria energia, e acusa a Aneel de impor barreiras ao processo por “briga de mercado”.

Do outro, a agência manifesta preocupação com prejuízos a consumidores que não utilizam a modalidade, pois estariam pagando taxas e encargos pela rede elétrica usada pelos microgeradores.

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Apoiando-se nos incentivos ao modelo pela produção de energia limpa e pela redução de custos a longo prazo, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) divulgou estudo na sexta-feira (9) destacando que a geração distribuída solar pode gerar R$ 173 bilhões de economia aos consumidores até 2050.  

R$ 150 bilhões
viriam da redução de uso de termelétricas, uma das principais responsáveis pelo aumento tarifário na conta de luz e pelas emissões de poluentes e gases de efeito estufa do setor elétrico.  

No mesmo período, a economia em perdas na transmissão, distribuição e geração da energia elétrica em usinas de grande porte distantes dos locais de consumo seria de R$ 23 bilhões, chegando ao total de R$ 173 bilhões. Essa perda ocorre em todo processo de transmissão de energia de um local para outro, gerando taxas ao consumidor final.  

Norma atual  

A micro e a minigeração distribuída são regidas hoje pela resolução normativa nº 482, de 17 de abril de 2012. Os consumidores podem gerar a própria energia a partir de placas solares, ou outros dispositivos de energia renovável, e fornecer o que geram a mais para a rede de transmissão, compensando o consumo nos horários em que não há produção.  

Os clientes que fazem a geração distribuída não pagam encargos da rede distribuidora de energia elétrica, embora a utilizem quando produzem mais (encaminhando o excedente) ou menos (utilizando a energia da rede) do que consomem.

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O que propõe o projeto de lei 

O marco legal para a geração distribuída em pauta foi lançado pelo projeto de lei 5.829/2019 estabelecendo novos termos do serviço no país, de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), e atual relatoria do deputado Lafayette de Andrade (Republicanos-MG).   

O texto posterga a cobrança de encargos e tarifas de uso dos sistemas de transmissão e de distribuição de energia elétrica aos clientes da geração distribuída, dando garantia aos consumidores atuais de não alteração do modelo por 26 anos, segundo o diretor de geração distribuída do Sindicato da Indústria de Energia do Ceará (Sindienergia), Hanter Pessoa. 

O projeto também estabelece, para novos clientes, a transição de 10 anos para a mudança do regime em relação ao modelo atual, em linha com as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), informou a Absolar. Com isso, o cliente pagaria pela utilização da estrutura da concessionária de energia elétrica gradualmente nesse período.  

As mudanças propostas valeriam após um ano da publicação da Lei.  

A Absolar e o Sindienergia, no entanto, propõem que a mudança ocorra a partir do alcance da marca de 5% a 10% de penetração de geração distribuída de energia na rede elétrica de cada distribuidora. 

“A geração distribuída tem 0,7% de penetração de energia na rede. Ou seja, de tudo que se gera no Brasil, 0,7% é referente ao sistema de geração distribuída. É muito pouco para uma briga tão grande. Fica claro que a questão não é sobre estar pagando a conta do rico, isso é retórica e lobby".
Hanter Pessoa
Diretor de geração distribuída do Sindicato da Indústria de Energia do Ceará (Sindienergia), Hanter Pessoa

Exclusão da taxa mínima 

Outro ponto em debate é a extinção da taxa mínima de consumo. De acordo com o diretor de geração distribuída do Sindienergia, no Ceará, essa taxa fica entre R$ 20 e R$ 50. A extinção desse encargo, segundo a entidade, seria crucial para viabilizar o acesso da energia renovável para a população de renda mais baixa.  

“Quando o cliente instala energia solar, não compensa porque basicamente vai pagar o mesmo tanto, porque já paga a taxa mínima. O PL traz um incentivo muito grande porque ela vai deixar de existir. Ou seja, vou conseguir realmente zerar meu consumo e pagar basicamente só a iluminação pública. Aquele cliente pequeno, baixa renda, que precisa de duas plaquinhas no seu telhado vai conseguir instalar energia solar e ser viável. Isso é muito importante porque vai trazer em torno de 60 milhões de novos clientes pro setor”, frisa.  

O que diz o setor  

Hanter Pessoa, em nome do Sindienergia-CE, defende que a aprovação da lei dará mais segurança jurídica ao setor. Já a reprovação, por outro lado, poderia prejudicar o desenvolvimento do modelo de geração no País.  

A Absolar endossa o posicionamento, destacando que a “construção de um marco legal para a geração distribuída no Brasil é o melhor caminho para afastar o risco de retrocesso à energia solar e demais fontes renováveis utilizadas para a geração distribuída de energia elétrica em telhados, fachadas e pequenos terrenos no País”.  

Ainda conforme os representantes, a Aneel teria sinalizado um acordo diferente para o setor do que vinha sendo articulado entre as partes nos últimos anos.

“Se a gente não conseguir aprovar o PL 5829, que tá aí para ser votado, provavelmente semana que vem vai vir uma alternativa 5 da Aneel. Ela fez um levantamento de alternativa de 0 até 5. A gente veio sempre conversando sobre as alternativas durante um a dois anos já. Elas são gradativas, a 1 cobra um pouquinho por estar usando a rede da concessionária, a 2 cobra um pouquinho mais, até a alternativa 5”, detalha Pessoa.  

De acordo com Pessoa, a alternativa 5 da norma estabelece mais de 20 anos para o retorno financeiro de quem compra energia solar. 

“Ninguém vai mais instalar energia solar, ninguém investe pensando num retorno para 20 anos. Então, isso seria uma perda de rentabilidade de quem investe até em torno de 78%. É muito alto, acaba com o setor de geração distribuída”, aponta.  

Procurada pela reportagem para elucidar as divergências entre a agência reguladora e o setor de energia renovável, a Aneel comunicou que não se pronunciaria sobre o assunto.

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