Cearense de Cedro volta a plantar para preservar a tradição dos pais e encontra arroz 'arbório do sertão'
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A publicitária Silmara Ferrer, hoje com 48 anos, deixou a comunidade Sítio São Vicente, em Cedro, no interior do Ceará, aos 13 anos. Seguindo o fluxo migratório de jovens rurais, mudou-se para a Capital para dar continuidade aos estudos. Anos depois, formou-se em Publicidade, mas sempre voltava para colocar os pés em sua terra natal nos momentos livres.
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Entre essas idas e vindas, observava as plantações que percorria quando criança rarearem e pensava: "Um dia, quando eu me aposentar, vou voltar para o sertão e cultivar como meus pais faziam". Os planos, entretanto, foram antecipados. Em 2020, com o abrandamento do isolamento social em razão da pandemia de Covid-19, ela retornou à casa da família para visitar o patriarca.
Deparou-se com um solo inóspito onde antes a fartura reinava e sentiu-se "tomada pela saudade e pela indignação". “Fiz um caminho por dentro daquela vez. Passei por vários campos que plantavam arroz e feijão, e estavam repletos de capim. Com tanta fome que havia no mundo, isso me pegou de forma abrupta. Decidi voltar a plantar”, conta.
E assim, a filha da professora Iza Ferrer (1937-2019) e do agricultor Vicente Ferrer, de 94 anos, esverdeou novamente aquelas terras após três décadas. Inicialmente, obteve a adesão de apenas um trabalhador rural para iniciar a plantação.
Foi então que um agricultor da região informou que seu pai havia preservado uma saca (60kg) do arroz nativo daquela localidade. Com a primeira colheita, confirmou-se que os 1.200 quilos colhidos eram mesmo de grãos crioulos — sementes cultivadas pelos agricultores locais ao longo de muitas gerações.
Em 2021, a safra resultante foi doada integralmente à comunidade e a projetos de cozinhas solidárias. Depois disso, outros agricultores resolveram participar do negócio e foi criada a marca 'Nosso Arroz' (@nossoarrozorganico).
Atualmente, aproximadamente 10 trabalhadores se dedicam ao processo integralmente artesanal, desde o cultivo até a embalagem. O arroz possui características semelhantes ao grão italiano, utilizado em risotos e doces. Consequentemente, o produto ganhou notoriedade como "arbório do sertão", sendo especialmente requisitado por chefs de cozinha.
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De acordo com Ferrer, todo o manejo engloba práticas orgânicas consagradas, abrangendo o tratamento do solo sem a utilização de maquinário. Para isso, são empregadas galinhas para o controle de lagartas, gado para a compactação do solo e adubação com esterco.
“É realmente sustentável. O nosso saber vem dos nossos pais, avós, bisavós e das pessoas que estão há 170 anos nessa comunidade. O nosso selo é a nossa vivência”, frisa.
Segundo ela, o negócio ainda não proporciona lucro, mas o foco não é esse. A produtora prioriza a preservação do patrimônio alimentar regional e a geração de emprego e renda, especialmente para mulheres da comunidade onde seus pais, líderes comunitários, fundaram uma associação.
“Queremos que cada vez mais pessoas plantem esse arroz puro para comprar diretamente de quem produz”, diz. Atualmente, o 'Nosso Arroz' é comercializado em feiras de agricultura familiar, restaurantes selecionados e na nova loja colaborativa Mercado AlimentaCE, em Fortaleza.
Ferrer opta por não distribuir o produto em grandes redes de supermercado para assegurar uma remuneração justa para todos os envolvidos na cadeia produtiva.
A produção de arroz no Ceará, em comparação com os estados do Sul do Brasil, é modesta devido às condições climáticas. Em 2023, o estado cearense produziu um total de 19.245 toneladas do grão, conforme a Produção Agrícola Municipal, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Desse total, apenas 52 toneladas foram produzidas no município de Cedro, o que corresponde a aproximadamente 0,27% da produção do Estado.
Loja colaborativa incentiva 50 pequenos produtores e preserva práticas alimentares do Ceará
A loja colaborativa do Mercado AlimentaCE, que oferece o produto "Nosso Arroz", foi inaugurada em 20 de fevereiro. O estabelecimento dispõe de aproximadamente 200 itens provenientes de 50 produtores de diversas macrorregiões do Ceará, abrangendo uma variedade de produtos que inclui alimentos artesanais e itens não perecíveis.
Entre os produtos, destacam-se cafés, cajuínas, doces tradicionais cearenses, grãos e sementes, laticínios de produtores locais e pequenas fazendas, além de bebidas e antepastos.
Segundo a diretora do Mercado Alimenta-CE, Marina Araujo, o projeto visa estabelecer-se como um centro de referência da cultura alimentar cearense. Ela destaca que o espaço reúne uma seleção de produtos que, além de seus sabores e aromas, representam tradições importantes para a preservação das práticas alimentares da região.
O espaço em breve incorporará uma área expositiva dedicada a sementes crioulas, variedades vegetais selecionadas e cultivadas por gerações de agricultores, proporcionando aos visitantes a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre a diversidade socioambiental local.
Também será disponibilizado um espaço exclusivo com acervo de literatura gastronômica nacional, aberto à consulta dos visitantes. O modelo de gestão é colaborativo, com consignação dos produtos.
Serviço
Loja do Mercado AlimentaCE
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Funcionamento: quinta, de 12h às 18h, sexta e sábado, de 12h às 19h, e domingo 10h às 15h;
- Onde: Mercado AlimentaCE (Rua Dr João Moreira, 540 - Centro);
- Entrada: gratuita.
Onde mais encontrar o "Nosso Arroz"
Além do Mercado AlimentaCE, é possível encomendar o "Nosso Arroz" pelo Instagram: @nossoarrozorganico. Os seguintes restaurantes utilizam o produto em pratos especiais: em Fortaleza, destacam-se o Brigita Bistrô, o Restaurante Raiz e os chefs Rafael Sudatti e Patrycia Lopes.
Na Praia do Preá, na cidade cearense de Cruz, é possível encontrá-lo no Restaurante Rancho do Peixe, localizado no Hotel Rancho do Peixe, e o Restaurante Sazô, também no mesmo hotel. Em Jericoacoara, tem no Restaurante Vila K, no Hotel Vila Calango.
Já em Recife, o 'Nosso Arroz' é utilizado no Restaurante Vapor Cozinha Afetiva. E em Natal, no empreendimento do chef Augusto Sampaio.
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