Por que os alimentos estão ficando cada vez mais caros; entenda a raiz do problema

Escrito por
Bruna Damasceno bruna.damasceno@svm.com.br
(Atualizado às 15:58, em 06 de Março de 2025)
Foto: Fabiane de Paula / SVM

Já sentiu o calor extremo sobre a pele e percebeu os alimentos cada vez mais caros no Ceará? Você não está sozinho. Essas são duas consequências da crise climática que não passam despercebidas pelas populações do mundo inteiro. Enquanto a terra vai esquentando, a lista de compras vai se tornando inacessível para muitos: café, azeite, ovo e diversos outros itens inflacionados.

De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), as mudanças de temperatura tem desacelerado o crescimento da produtividade agrícola globalmente nos últimos 50 anos.

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O exemplo mais recente disso é o café. Na Grande Fortaleza, a inflação do grão subiu para 53,14% nos últimos 12 meses, até janeiro. Somente no último mês, o aumento foi de 9,86%, conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Segundo a pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre) e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Isadora Osterno, a crise climática exerce influência sobre o custo dos alimentos no País, de modo geral, e, particularmente no Nordeste, em decorrência do frete das mercadorias.

“O Brasil é um dos maiores produtores de café do mundo e eventos climáticos extremos, como secas prolongadas e temperaturas elevadas, têm impactado a produção. No caso do café, isso resultou em uma redução da oferta e aumento nos preços”, esclarece.

Em relação ao azeite, por exemplo, que se tornou artigo de luxo na mesa do brasileiro, a alta ocorreu devido à escassez de oliveiras em regiões produtoras de todo o mundo, gerando um aumento nos custos de produção e refletindo no mercado brasileiro, conforme explica a economista.

Mas a lista não para por aí. A crise climática se estende à produção de grãos essenciais como milho, soja e feijão. A economista Isadora Osterno detalha alguns dos efeitos desse problema nos alimentos:

  • Ovos: "apesar da influência sazonal do período da Quaresma, um dos principais fatores para a disparada do preço do ovo é a escassez de ração, especialmente milho e farelo de soja. As secas que afetam a produção dessas commodities (matérias-primas do dia a dia) no Brasil têm elevado significativamente os custos de alimentação das aves, impactando diretamente o custo de produção dos ovos e pressionando os preços para o consumidor";
  • Trigo: "o Brasil importa grande parte do trigo da Argentina e as secas e altas temperaturas podem prejudicar a produção, levando a um aumento nos preços no mercado interno. A alta do trigo reflete diretamente no preço de produtos essenciais como pão, massas, biscoitos e farinha, encarecendo a alimentação da população nas diversas faixas de renda";
  • Carnes: "o gado depende de pastagens para se alimentar e períodos de seca reduzem a disponibilidade de capim, obrigando os pecuaristas a investir mais em ração. Além disso, a base alimentar do gado é composta por milho e soja, culturas altamente sensíveis à estiagem. Quando a produção desses grãos cai, o custo da ração aumenta, encarecendo a criação do gado e, consequentemente, o preço da carne".

Em relação à carne, o técnico do Observatório da Agricultura Familiar do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Arianderson Melo, lembra que a destruição do ecossistema brasileiro exerceu um impacto significativo.

“A produção do boi encontra-se em um período de baixa em seu ciclo, dado o tempo que leva para o boi crescer, há períodos em que a oferta da carne segue baixa. Junto a isso, tivemos casos de fortes queimadas durante o ano passado, o que devastou diversas áreas de pastagem e obrigou o produtor a alimentar o rebanho com ração, encarecendo o custo da criação e esses custos estão sendo repassados ao consumidor”, avalia. 

Nesse contexto, a inflação dos alimentos afeta a população mais pobre de maneira desigual, provocando insegurança alimentar. Para se ter ideia, um estudo do Comitê de Oxford para Alívio da Fome (Oxfam Brasil) revela que, até 2050, as emissões de gases do efeito estufa do 1% mais rico da população mundial poderão resultar em perdas agrícolas suficientes para alimentar 10 milhões de pessoas anualmente no Leste e Sul da Ásia.

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Essa discrepância também se reflete no consumo de carbono. O 1% mais rico da população mundial consome sua parcela do orçamento global — a quantidade máxima de CO₂ permitida sem ultrapassar o aquecimento de 1,5 °C — em apenas 10 dias. Em contrapartida, a metade mais pobre levaria quase três anos (1022 dias) para atingir o mesmo nível de emissões. 

A crise climática, contudo, não é único fator determinante para a inflação. A dinâmica da oferta e demanda, bem como crises geopolíticas, exercem influência sobre os preços dos alimentos.

Perspectiva para os próximos anos é preocupante

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Foto: Reprodução Governo Federal / IPCC

O professor do curso de graduação em Economia Ecológica e do mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fábio Sobral, observa que a alteração da temperatura média do planeta modificará ecossistemas e o modo de sobrevivência. 

“Algumas espécies são mais sensíveis a essas alterações e sofrem abertamente. Também há uma tendência à escassez hídrica e a falta d'água, a diminuição das precipitações afetam muito o azeite, as oliveiras, e o aquecimento afeta o café. As alterações climáticas do planeta são diretamente associadas à quebra de safras dessas culturas”, aponta. 

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Em maio do ano passado, lembra, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) alertou que tal situação reverbera no custo, seja por meio da quebra de safras, do aumento de toxinas na produção, ou do surgimento de pragas agrícolas. Naquele período, o Brasil vivenciava a tragédia do Rio Grande do Sul, com enchentes que devastaram cidades e mataram mais de uma centena de pessoas.

"Além disso, o IBGE monitora 168 itens alimentares, dos quais 119 têm grande possibilidade de serem afetados por mudanças climáticas, alterando seus preços, ou já foram afetados", destaca Sobral. 

“É um índice muito alto; uma vasta gama de bens será afetada por essas mudanças climáticas, seja pela existência de eventos extremos, como secas ou chuvas concentradas, ou, em alguns locais, neve concentrada. Tudo isso provocará quebra de safras e irregularidade na produção e, consequentemente, aumento dos preços”, pondera.

A economista Isadora Osterno sublinha que, sem uma política direcionada para a mitigação dos riscos, a tendência é de agravamento da situação no País. 

"O aumento das temperaturas e a intensificação de eventos climáticos extremos têm se mostrado cada vez mais frequentes, infelizmente. Já existem estudos que mostram que eventos climáticos extremos geram uma alta considerável na inflação dos alimentos, com aumento no custo de itens básicos como arroz, feijão e carne, diretamente afetados pelas condições climáticas adversas”, enfatiza.

O que pode ser feito para mudar essa realidade

Para o professor Sobral, o primeiro passo para mudar essa realidade é efetivar a redução da emissão global de CO₂. “Ha um negacionismo cada vez mais forte, e os gases de efeito estufa, inclusive, têm sido mais emitidos. No passado, a própria Europa, que tinha vigilância a respeito disso, aumentou o uso de carvão mineral e de outros combustíveis fósseis”, exemplifica.

No Brasil, por exemplo, a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas é um tema de debate intenso, especialmente no contexto da crise. Ambientalistas têm alertado para os riscos de comprometer os esforços de mitigação do problema.

Para o especialista, são algumas medidas possíveis para reverter a emergência climática no País: 

  • Ações governamentais fortes são cruciais para impedir a derrubada e a queima de florestas;
  • Ampliar o reflorestamento em larga escala e adotar a produção agroecológica com a agrofloresta;
  • A recuperação de áreas degradadas, como o semiárido, é fundamental, dada a drástica redução da presença arbórea nessas regiões;
  • Um investimento substancial na proteção dos recursos hídricos, como fontes de água, rios, riachos e olhos d'água, é imprescindível;
  • Vigilância extrema para a proteção da natureza e a ampliação dessa proteção;
  • Os padrões de produção de alimentos devem ser transformados, priorizando a recuperação de florestas e a produção alimentar conjugada;
  • O Brasil possui muitas terras degradadas que podem ser utilizadas para a produção sustentável de alimentos.

A economista Isadora Osterno acrescenta, ainda, o fortalecimento da infraestrutura de transporte e armazenamento para minimizar perdas pós-colheita e a garantia de que os alimentos cheguem ao mercado de forma eficiente, reduzindo desperdícios e estabilizando os preços.

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