Efeito Trump e União Europeia: será o fim da agenda ESG?

Escrito por
Bruna Damasceno bruna.damasceno@svm.com.br
(Atualizado às 15:04)
Legenda: A postura do presidente da maior potência mundial gera incertezas
Foto: CHIP SOMODEVILLA / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

No primeiro mandato (2017–2021), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, revogou mais de 100 regras ambientais e retirou o país do Acordo de Paris. Na atual gestão, iniciada em 2025, repetiu o feito e, em poucos dias, também derrubou 70 iniciativas de combate à crise climática, segundo o Financial Times.

A postura do presidente da maior potência mundial gera incertezas em setores como o eólico nos Estados Unidos e desperta o temor de que a negação da crise climática assombre outros mercados, como o brasileiro. Para fontes especializadas ouvidas pela coluna, contudo, isso não representa o fim da agenda Ambiental, Social e de Governança (ASG, tradução de ESG). 

Na esteira desse retrocesso, a pauta ESG também passa por turbulência na Europa. França e Alemanha solicitaram à União Europeia o adiamento das exigências regulatórias das práticas, justificando a sobrecarga às pequenas e médias empresas. 

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Em resposta, investidores, que administram cerca de R$ 39,5 trilhões em ativos, pediram em comunicado ao bloco para não enfraquecer as regras e "preservar a integridade e a ambição da estrutura de finanças sustentáveis".

O documento, publicado nessa terça-feira (4), foi assinado por alianças de investidores que priorizam critérios ambientais e climáticos, e por 162 investidores individuais.

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A divisão do joio e do trigo 

Para o professor da FIA Business School, José Carlos de Souza Filho, as declarações de Trump podem encorajar empresas com alinhamento ideológico semelhante, impactando, em alguma medida, as práticas ESG. No entanto, ele ressalvou a importância de analisar os pilares dessa agenda individualmente, dada a distinta relevância para cada segmento econômico.

"A governança sempre será importante, a área social terá mais conflitos, digamos, e a questão econômica sempre terá um peso maior na área ambiental. Se pensarmos, por exemplo, no setor de petróleo ou no desenvolvimento de carros elétricos", exemplifica a dinâmica.

Nesse contexto, empresas de outros setores, como o de cosméticos, devem se posicionar de forma contrária, mantendo o compromisso com essas ações. 

Debate vai ganhar fôlego 

O líder de Consultoria da RSM Brasil, Marcelo Conti, apontou que este é, na verdade, um momento de intensificação do debate em torno dos benefícios dessa pauta.

“Apesar de discursos políticos contrários, como os de Donald Trump, quem define o valor das ações ambientais, sociais e de governança são as empresas, em conjunto com a sociedade, e não declarações de líderes políticos", observou. 

"Existe uma vasta evidência de que práticas ESG geram benefícios concretos, como redução de custos, mitigação de riscos, aumento de valor de mercado e maior engajamento de consumidores e investidores”, listou. 

Conti acrescentou que os líderes de mercado continuam apostando em iniciativas ESG porque reconhecem seu impacto direto no desempenho financeiro e na competitividade a longo prazo. Nesse contexto, avalia, há mais uma oportunidade de reavaliar e reforçar os argumentos que sustentam a agenda ESG do que uma indicação de seu enfraquecimento.

“A postura do presidente dos Estados Unidos introduz novos debates, opiniões e exige soluções que reforcem a importância do ESG. O discurso polarizado coloca o tema ainda mais em evidência, mobilizando organizações e investidores para apresentar argumentos sólidos que sustentem os benefícios do ESG”, analisou. 

O que esperar da agenda ESG em 2025 

Em 2025, a emergência climática manterá a pressão sobre as empresas para que assumam a agenda ESG, avaliou José Carlos. O especialista destaca que a questão ambiental se impõe à medida que o mundo assiste às catástrofes dificilmente dissociáveis de uma postura industrial.

"A poluição, a utilização do meio ambiente, a geração de carbono e uma série de fatores estão gerando transformação no ambiente, com consequências pesadas em termos de catástrofes que não aconteciam com tanta frequência", afirmou.

Para Conti, em 2025, a agenda ESG deve continuar evoluindo, com um foco mais pragmático e estratégico. Por isso, as empresas irão priorizar ações que demonstrem benefícios financeiros tangíveis, como a redução de custos, mitigação de riscos e acesso a novos mercados.

“A agenda ESG continuará sendo essencial para empresas que desejam se manter competitivas em um mercado cada vez mais exigente”, frisou. 

Empresas brasileiras já se posicionaram 

Diante das declarações de Trump, especialmente sobre diversidade e inclusão (D&I) nos âmbitos corporativo e político, empresas brasileiras manifestaram sua discordância. 

Ao todo, oito movimentos empresariais, focados na promoção dessa agenda, lançaram um manifesto (leia abaixo), no último dia 29, reafirmando o compromisso do empresariado nacional com a temática. No Brasil, essas entidades representam 500 empresas. 

Leia o manifesto na íntegra:

"Somos movimentos empresariais compostos por mais de 500 grandes empresas que atuam articuladamente e cotidianamente com a valorização da diversidade, equidade e inclusão (DE&I).

Nosso objetivo é integrar os princípios e as práticas de DE&I presentes em compromissos concretos à cultura das nossas organizações, à estratégia de negócios e à construção de uma sociedade mais sustentável.

Os compromissos que articulam as empresas signatárias ou associadas estão baseados no respeito e na promoção dos direitos humanos, nas leis, normas nacionais e/ou internacionais, nos acordos e nas convenções que definem valores inegociáveis, orientando o caminho a seguir e a maneira criativa de lidar com desafios do mundo atual.

Acreditamos que para se tornar o país com que sonhamos, o Brasil depende do talento e do potencial de toda a sua população. Apesar dos desafios, temos condições de ser referência global em DE&I: nossa demografia diversa, o arcabouço legal e político robusto, e os compromissos já assumidos por empresas e instituições criam um cenário ímpar para a promoção de um ambiente de negócios que preze pela inclusão, criatividade e inovação.

Empresas que abraçam a diversidade, equidade e inclusão são mais resilientes, inovadoras e alinhadas às expectativas de seus diversos stakeholders (parte interessadas, em português). Ao criarem estruturas justas e acolhedoras, essas organizações fortalecem o engajamento de colaboradores, clientes e parceiros, contribuindo para um futuro mais próspero e sustentável para todos.

Ainda há um longo caminho a percorrer. Não basta reconhecer a importância da representatividade - é preciso agir para torná-la realidade. Isso significa garantir igualdade de oportunidades, ouvir e respeitar todas as vozes, e assegurar que cada indivíduo possa ser quem realmente é, sem medo ou barreiras. Além disso, acreditamos que representatividade e performance andam juntas. Times diversos são mais resilientes e geram melhores resultados, tanto individuais quanto coletivos.

POR ISSO, REAFIRMAMOS NOSSO COMPROMISSO INABALÁVEL COM ESSA JORNADA E SEUS VALORES INEGOCIÁVEIS.

Continuaremos construindo um ambiente empresarial no qual o compromisso com o respeito e a promoção aos direitos humanos signifique sucesso para os negócios e para toda a sociedade. Continuaremos enfrentando nossos desafios, ampliando horizontes com posturas e práticas concretas que rejeitem a discriminação, promovam equidade, atuem para o desenvolvimento de cada pessoa em ambientes inclusivos, seguros e saudáveis.

Somos vozes que constroem pontes. Somos mãos que erguem oportunidades. Somos corações que batem pelo mesmo propósito: um Brasil que valorize sua diversidade, que seja mais justo, inclusivo e, assim, sustentável.

JUNTOS E JUNTAS, SEGUIMOS FIRMES NESSA MISSÃO PORQUE DIVERSIDADE, EQUIDADE E INCLUSÃO É UM CAMINHO SEM VOLTA - E É NELE QUE ESCOLHEMOS ESTAR."

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