No Ceará, 50% dos trabalhadores estão na informalidade
Fernando Pimentel, diretor superintendente da Associação brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), aponta o paradoxo do emprego no Brasil

O texto a seguir foi elaborado, com exclusividade, para esta coluna. Seu autor é Fernando Valente Pimentel, diretor superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit). Seu conteúdo deve ser lido e refletido, porque trata de um tema atual que tem tudo a ver com as dificuldades que enfrentam os que produzem e trabalham neste país cheio de riquezas e vazio de líderes. Leiam-no com atenção:
“O Brasil vive uma situação paradoxal. De um lado, registrou-se, em 2024, o recorde de vagas formais e o menor nível de desemprego da série histórica. Mas, de outro, a informalidade teima em persistir em todo o País e, de modo mais acentuado, em alguns bolsões.
“Sete estados têm mais da metade de sua força de trabalho atuando sem carteira assinada, segundo dados da Pnad Contínua do IBGE. Tal cenário nos leva a refletir sobre o tripé “qualificação, formalidade e produtividade”. São três pilares que, quando desalinhados, criam um desequilíbrio capaz de frear o progresso e o crescimento sustentado.
“A informalidade não é um problema exclusivamente brasileiro, mas aqui assume proporções que nos distanciam bastante do mundo desenvolvido. A taxa média dentre os membros OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) varia entre 10% e 15%, beirando a 5% nos países nórdicos.
“No Brasil, oscila entre 36% e 38%. No Pará, Piauí, Maranhão, Ceará, Amazonas, Bahia e Paraíba, mais de 50% dos trabalhadores estão na informalidade. Até mesmo Santa Catarina, exemplo de desenvolvimento industrial, convive com uma taxa de 25% a 26%, também acima da média das nações ricas. Este é um desafio que não se resolve apenas com políticas públicas genéricas, mas com ações regionalizadas e sensíveis às particularidades de cada região.
“Um dos mitos que precisamos desconstruir é a ideia de que a informalidade é sempre uma escolha. Sim, há hoje quem prefira trabalhar por conta própria, seja pela flexibilidade, seja pela falta de atratividade dos empregos formais ou até mesmo pela diminuição da diferença de renda entre o trabalho informal e o informal: conforme dados do IBGE, em 2015 quem tinha carteira assinada ganhava 73% mais do que os que não eram registrados. Em 2024, apenas 31%
“No Rio de Janeiro, por exemplo, fatores como criminalidade e distância do local de trabalho pesam na decisão. Muitos, em todo o nosso país, estão na informalidade por falta de opção. E é aí que entra a qualificação. Sem uma base educacional sólida, que prepare as pessoas para os empregos do presente e do futuro, fica difícil reduzir ampliar o índice de vagas com carteira assinada e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade.
“A propósito, a questão da produtividade é crucial. A riqueza de um país não se sustenta sem ganhos recorrentes neste quesito. Mas, a informalidade, em muitos casos, é um obstáculo a esses ganhos. Trabalhadores informais tendem a ter menos acesso a treinamentos, tecnologias e condições adequadas para produzir mais e melhor. Isso cria um ciclo vicioso: baixa produtividade gera menos riqueza, que, por sua vez, limita os investimentos em educação e infraestrutura, perpetuando a informalidade. Assim, é preciso refletir se os dados atuais do emprego, como já tivemos em outros momentos, não é um voo de galinha...
“A solução, claro, não é simples. Não existe uma "bala de prata" que resolva todos os problemas de uma vez. Porém, há caminhos. Um deles é fortalecer a base industrial, setor que historicamente oferece mais empregos formais e mais bem remunerados. Estados com uma indústria robusta já mostram que essa é uma direção promissora.
“Outro caminho é pensar em formas flexíveis de trabalho que combinem proteção social e adaptação às necessidades das pessoas. O MEI (Microempreendedor Individual) é um exemplo interessante, pois permite que trabalhadores informais contribuam para a previdência social, ainda que de maneira modesta.
“Cabe ponderar, ainda, que o Brasil é plural. Não há solução única para um ‘continente’ com realidades tão diversas. O que funciona no Sul pode não fazer sentido no Nordeste. O que atrai um jovem na capital pode não interessar a um trabalhador rural. Por isso, políticas públicas precisam ser desenhadas com sensibilidade regional e um olhar atento às diferentes formas de trabalho que coexistem no País. Seja um emprego formal, um trabalho autônomo ou uma ocupação temporária, o importante é que todos tenham acesso a condições dignas e oportunidades de crescimento.
“Afinal, o desafio é equilibrar o tripé: “qualificar as pessoas para que possam escolher entre a formalidade e a informalidade sem abrir mão de seus direitos”; “reduzir a informalidade sem engessar a economia”; e “aumentar a produtividade sem perder de vista a diversidade de realidades que compõem o Brasil”. Não é uma tarefa fácil, mas seu enfrentamento é essencial para que promovamos ampla inclusão socioeconômica, crescimento sustentado do PIB e geração massiva de empregos dignos em todas as modalidades hoje existentes.”
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