Precarização do trabalho, remédio e concurso: os desafios da Saúde em Fortaleza, segundo especialistas
Profissionais avaliam que nova gestão deve focar em ações emergenciais

Gerir a saúde pública em Fortaleza é uma tarefa complexa, dado o tamanho da cidade, a relevância dentro da Região Metropolitana e as desigualdades urbanas significativas. Com mais de 2,4 milhões de habitantes e um orçamento de R$ 14,7 bilhões, a nova chefia da Secretaria da Saúde enfrentará desafios já conhecidos pela população.
A médica anestesiologista Riane Azevedo inicia a gestão, após a saída de Socorro Martins do comando da Pasta, em 19 de maio, sob um cenário de desabastecimento de medicamentos, falta de pagamentos dos profissionais e estruturas comprometidas.
Diante disso, especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste avaliam que é preciso focar em ações emergenciais para a solução desses problemas.
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Compra e estoque de remédios
Uma das apostas do prefeito Evandro Leitão para reestruturar a Saúde de Fortaleza é a criação de uma Central Única de Medicamentos, para unificar as aquisições dos 170 equipamentos de saúde sob gestão municipal.
Desde o início de abril, há relatos de falta de medicamentos e insumos nos postos de saúde de Fortaleza. No mesmo mês, a Prefeitura divulgou um comunicado reconhecendo o problema e informou que a Secretaria se comprometia a normalizar a distribuição em todas as unidades básicas de saúde.
Esse plano da administração é uma saída viável desde que haja uma gestão de suprimentos bem feita e um esforço conjunto envolvendo Estado, União e fornecedores. É o que aponta o médico infectologista e professor da Universidade Federal do Ceará, Roberto da Justa.
Para ele, a centralização é uma solução possível de gerir, mas, ao mesmo tempo, é preciso buscar alcançar toda a população. “Lançar mão de parcerias onde esses medicamentos possam ser distribuídos através dos terminais de ônibus, de entregas a domicílio”, explica.
Magda Moura, médica e mestra em Saúde Pública pela Universidade Federal do Ceará (UFC), pontua que a organização e o abastecimento da assistência farmacêutica, por exemplo, mantém o controle de doenças crônicas e desafoga a rede de atenção primária. O investimento e ampliação nessa área gera um impacto positivo nos níveis secundário e terciário.
“Hoje existe uma fila muito grande de pessoas esperando consultas especializadas. Então, existe uma necessidade de trabalhar a regulação desses serviços”, explica Roberto da Justa.
Em entrevista à rádio Verdinha FM 92.5, na manhã desta quarta-feira (21), a nova secretária Riane Azevedo afirmou que os pontos de distribuição de medicamentos já estão sendo abastecidos. Atualmente, ela explica que estão em falta somente de quatro a cinco tipos de remédios.
Gestão de profissionais
O médico Roberto da Justa aponta a gestão de recursos humanos como um dos desafios a serem enfrentados por Riane. "A Prefeitura de Fortaleza vem acumulando algumas décadas de trabalhadores da saúde precarizados, com ‘pejotização’, terceirização na área da saúde e resultados insatisfatórios", explica.
Reverter o processo de precarização dos trabalhadores, segundo o médico, é um avanço que vai além da administração municipal. Por isso, a solução seria a realização de um concurso público para “interromper esse erro estratégico”.
"Essa crise não vai se resolver se não houver uma mudança de paradigma na saúde de Fortaleza", afirma.
Dívidas da antiga gestão
Quando a médica Socorro Martins assumiu a Secretaria de Saúde de Fortaleza, em janeiro de 2025, o cenário era de crise em meio ao fim da gestão de José Sarto. Em entrevista em dezembro de 2024, o prefeito Evandro Leitão descreveu a rede de serviços da Saúde como “em total sucateamento”, o que o ex-prefeito, por meio de sua assessoria, negou.
O Instituto José Frota (IJF) estava em colapso, a rede de saúde mental sem profissionais, denúncias de falta de insumos e medicamentos em hospitais, atrasos no pagamento de profissionais e fornecedores e até uma paralisação de ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Apesar dos avanços como a ampliação do orçamento do IJF, as pendências e críticas se acumularam. A saída de Socorro Martins do comando das atividades acontece quatro meses após o início do mandato.
Quem é a nova secretária de Saúde
Riane Azevedo é médica formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), com residência em Anestesiologia na Universidade de São Paulo (USP) e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, em Ribeirão Preto. Ela foi a primeira mulher superintendente do IJF e esteve no cargo entre 2017 e 2022, retornando ao posto no início de 2025.
O IJF foi o local onde Riane deu início à carreira no serviço público. O histórico profissional da médica também inclui atuação no Hospital São Camilo, em Itapipoca, onde criou o serviço de anestesiologia, e no Hospital São Mateus, segundo informações compartilhadas por ela em redes sociais.
Azevedo também é especialista em cirurgia robótica e cursou MBA em Gestão de Cooperativa de Crédito pelo Centro de Treinamento e Desenvolvimento (Cetrede), da UFC.
Ainda na área acadêmica, Riane tem MBA Executivo pelo Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e fez uma especialização em Gestão de Emergências no SUS no Hospital Sírio Libanês e uma pós-graduação em Dor no Hospital Albert Einstein.