Há 65 anos, estudante se tornou herói após morrer salvando vítimas de incêndio em hospital no CE

João Nogueira Jucá tinha apenas 17 anos quando doou a própria vida para ajudar pacientes internados, sobretudo crianças

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Jovem se dedicava a exercícios físicos e queria entrar na Marinha
Foto: Arquivo da família Jucá

Em agosto de 1959, um incêndio de grandes proporções atingiu a Casa de Saúde Dr. César Cals, no Centro de Fortaleza. Em meio ao caos, um estudante se tornou herói: João Nogueira Jucá teve 80% do corpo consumido ao ajudar no resgate de vítimas do sinistro. Ele faleceu justamente em 11 de agosto, Dia do Estudante.

Para recontar essa história, o Diário do Nordeste consultou o trabalho "Nascidos para salvar", dos jornalistas João Moura Rocha Sobrinho e Thiago Araújo de Souza, apresentado como conclusão do curso na Universidade Federal do Ceará (UFC) e disponível no repositório da instituição.  

Os pesquisadores utilizaram narrativas de amigos e familiares e informações contidas no livro "Herói e Mártir", de José Jucá Neto, irmão do jovem.

João era o terceiro filho do desembargador José Jucá Filho e da educadora Maria Nogueira de Menezes Jucá. Natural de Fortaleza, ele se mudou com a família diversas vezes durante a infância, residindo em Itapajé e em Lavras da Mangabeira. Voltaram a Fortaleza em 1948, quando o pai foi designado como corregedor-geral de Justiça.

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Vida de atleta

Segundo os jornalistas, João sempre foi "dedicado aos estudos" e tinha "um físico de atleta", resultado da prática de natação e outros exercícios. Ele sonhava em fazer parte da Marinha de Guerra do Brasil e era fã de livros relacionados ao oceano.

Após chegar a Fortaleza, foi matriculado no Colégio São João, na Avenida Santos Dumont, onde cursou o primeiro ano do segundo grau. Lá, conheceu Almério Pereira, com quem manteve amizade até o fim da vida.

“Ele era uma pessoa bastante simples. Eu diria até um pouco introvertido, quando fosse para um convívio mais abrangente. Ele mantinha-se mais reservado”, afirmou Almério aos pesquisadores.

No entanto, ele se propunha a auxiliar quem necessitasse. “Se você estava precisando de um apoio em Matemática, Português ou História, alguma matéria que ele dominasse mais, ele estava pronto a lhe ajudar sempre. Ele era um colega fantástico”, ressalta o amigo.

Segundo a irmã Jovina, em julho de 1959, quando a família passava férias em Messejana, José Jucá Neto se deparou com um aglomerado de pessoas perto de um poço. Ao aproximar-se, viu um homem já sem vida no interior da cacimba.

Após ouvir o relato em casa, João teria dito: “Se eu estivesse lá, ele não teria morrido. Eu tinha entrado no poço pra salvá-lo”.

Como ocorreu o incêndio

O caráter de João foi posto à prova ainda naquele ano. Um incêndio atingiu a Casa de Saúde na tarde do dia 4 de agosto, provocado por uma explosão num depósito de éter.

Ao caminho de uma aula de ginástica, João, à época com apenas 17 anos, escutou o estrondo. Ao chegar ao hospital, teve uma atitude distinta de quem apenas observava o incêndio na Praça da Lagoinha.

Entrava e saía do prédio ajudando a carregar pacientes internados na unidade, principalmente crianças, ou materiais que pudessem gerar novas explosões.

Mesmo antes da chegada do Corpo de Bombeiros, o rapaz persistia e ignorava as recomendações de funcionários e transeuntes que assistiam às chamas.

Durante o socorro, um tubo de oxigênio explodiu próximo a ele e o atingiu. Por um momento, ainda que ferido, insistiu em tentar salvar mais pacientes, mas caiu na calçada e precisou de atendimento médico.

O jovem foi levado ao setor de queimados da Assistência Municipal. Na manhã do dia 6 de agosto, foi transferido ao local que ajudou a salvar.

Enquanto esteve internado, João recebeu a visita de dezenas de cidadãos sensibilizados com sua atitude. Um deles foi o então governador do Ceará, José Parsifal Barroso, que agradeceu o gesto em nome do Estado.

Até os últimos momentos, o jovem permaneceu conectado ao sonho do mar. Internado com os ferimentos, delirava e gritava ordens, imaginando-se comandante de navios de guerra.

Jucá resistiu até a madrugada do dia 11 de agosto de 1959, quando veio a óbito. Além dele, mais de 25 pessoas morreram no incêndio.

Legenda: Busto de Jucá na Praça da Lagoinha, no Centro de Fortaleza
Foto: CBMCE

Homenagens póstumas

No dia do enterro, centenas de pessoas choraram por João. “Um fato que eu acho marcante é que, no dia do estudante, no enterro dele, da Casa de Saúde Dr. César Cals – porque o enterro saiu de lá – até o Cemitério São João Batista, estava tudo lotado, lotado”, conta o economista aposentado Almério Pereira.

O cortejo, que tinha à frente o governador cearense, saiu às 10h30, seguido pelos pais e irmãos, assim como parentes, amigos e centenas de pessoas comovidas. “Toda a estudantada de Fortaleza estava presente”, relembra Almério.

Hoje, João é considerado herói pelo Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE), que instituiu uma medalha com o seu nome. Também se tornou o 1º Bombeiro Honorário Militar do Ceará e Patrono dos Estudantes do Estado.

Em 2002, ele foi homenageado com o nome de uma escola estadual em Fortaleza. Em 2007, também nomeou um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Infantil. Ainda é lembrado numa rua de Quixadá, num posto de saúde e num conjunto habitacional.

Todo dia 11 de agosto ocorre uma missa na Capela Menino Jesus, no jardim interno do agora Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC). Logo após, são feitas homenagens na Praça Capistrano de Abreu, conhecida como Praça da Lagoinha, onde está localizado um busto do jovem.

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