Entenda como vai funcionar demarcação de 4 terras indígenas do Ceará
Acordo de cooperação entre Estado e União deve garantir a delimitação foi assinado em Caucaia, na manhã de hoje (1º)
Mais um capítulo histórico da luta de povos originários do Ceará começa a ser escrito a partir desta quarta-feira (1º), com a assinatura de termo de cooperação entre os Governos Federal e do Estado para demarcação de quatro terras indígenas cearenses.
O acordo que garantiu a delimitação oficial das áreas foi assinado nesta manhã, no Território Sagrado Tapeba, em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza. A cerimônia contou com as presenças da Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; do governador do Estado, Elmano de Freitas; e da presidente da Funai, Joenia Wapichana.
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O processo de demarcação física tem prazo de 1 ano para ser concluído, mas pode ser prorrogado – e somente após essa etapa pode haver a homologação das áreas pela Presidência da República.
As quatro áreas, que pertencem às etnias Jenipapo-Kanindé, Tapeba, Pitaguary e Tremembé de Queimadas, já possuem processos avançados: são legalmente declaradas como indígenas, mas ainda carecem da demarcação territorial e homologação firmadas.
Os estudos antropológicos relacionados aos povos, que resultam na definição inicial da área de uma terra e na publicação de portaria declarando que aquele perímetro pertence aos povos indígenas, são feitos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
O próximo passo, então, a partir da assinatura do acordo de cooperação, cabe ao Governo do Estado, como explica João Alfredo, superintendente do Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará.
“O Idace, agora, vai fazer a delimitação física da área. Depois de tudo terminado, a Funai prepara o processo completo e leva ao presidente da República, que homologa a terra. É histórico, porque estamos trabalhando com 4 terras”, comemora.
Na delimitação, serão instalados marcos físicos para orientar onde começa e onde termina o território oficialmente indígena. Em termos de patrimônio, as terras pertencem à União – mas, a partir da homologação, são reconhecidas ancestrais e de usufruto das comunidades indígenas.
“A ‘desintrusão’ de não indígenas nesses territórios entra nesse processo também. É importante, porque essas pessoas, as ‘posseiras’, têm direito à indenização das benfeitorias de boa fé. Será feito um trabalho de levantamento”, explica o superintendente do Idace.
Direito ancestral
Para Dourado Tapeba, a conquista histórica da demarcação é uma resposta aos anseios dos próprios ancestrais. “O que representa esse momento é muita euforia, saber que nossa terra vai ser demarcada, regularizada, mesmo que já tenha sido muito ‘debulhada’. É um direito nosso, dos nossos ancestrais”, firma.
“Meu pai queria muito ver essa terra demarcada: mas ele disse que embora ele não visse, os filhos iam ver. E estamos vendo isso, eu e meu filho”, declara a liderança, pai de Weibe Tapeba, cearense titular da Secretaria de Saúde Indígena do Ministério da Saúde.
Clécia Pitaguary, liderança do povo de mesmo nome, destaca que a perspectiva agora concreta de demarcação “é mais um capítulo da história de resistência” que começa a ser escrito.
“Se Deus quiser, vamos finalizar esse capítulo com a demarcação desses 4 territórios. Hoje iniciamos uma nova história de conquistas”, emociona-se, durante a cerimônia de assinatura da cooperação.
Em discurso durante o evento, o governador Elmano de Freitas também destacou a necessidade fundamental de demarcar os territórios. "Educação, saúde e muitos direitos são importantes, mas o primeiro que nós temos que buscar garantir para cada povo indígena do Ceará é ele ter sua terra demarcada. Esse é o principal sobre o qual nós temos que nos concentrar", pontuou.
‘Marco temporal foi enterrado’
A presidente da Funai, Joenia Wapichana, reconhece que a fundação “tem a obrigação constitucional” de assegurar as garantias legais dos territórios indígenas. Questionada sobre o marco temporal, vetado pelo presidente Lula, ela foi categórica.
“No meu entendimento, foi enterrado naquele dia pelo Supremo (Tribunal Federal). Creio que há uma decisão firmada do Supremo sobre a inconstitucionalidade”, pontuou.
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O projeto de lei (PL) 490/2007, conhecido como Marco Temporal, prevê a revisão de processos de demarcação de terras, restringindo essa delimitação física àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição federal.
Conheça o processo atual de cada demarcação:
Jenipapo-Kanindé
Morador da Lagoa da Encantada, em Aquiraz, esse povo já tem 9 gerações de nativos. Dos 382 moradores da terra, segundo o Censo, 340 são indígenas. A moradora mais conhecida é Maria de Lourdes da Conceição Alves, a Cacique Pequena, primeira mulher cacique do Brasil, escolhida em 1995.
O processo de demarcação da etnia começou em 1999, ano em que o território foi delimitado no mapa. Desde 2017, o local passa por um processo de desintrusão, ou seja, a remoção de ocupações não-indígenas. Só depois da retirada total é que pode haver a homologação final dos 1.734 hectares.
Tapeba
Os Tapebas são fruto da mescla de quatro povos originários: jucás, potiguaras, kariris e tremembés. Hoje, a etnia se distribui em 19 aldeias em Caucaia, tendo 5.328 pessoas autodeclaradas indígenas.
A terra Tapeba, de 5.294 hectares, foi identificada oficialmente em 1986, durante um processo de mobilização incentivado pelo arcebispo de Fortaleza, Dom Aloísio Lorscheider. Após anos de obstáculos jurídicos e administrativos, sobretudo contra fazendeiros, a posse permanente foi declarada pelo Ministério da Justiça em setembro de 2017.
Pitaguary
Da linhagem dos indígenas potiguara, que habitavam o litoral do Ceará, eles foram “empurrados” pelos colonizadores para o pé da serra de Pacatuba, dividindo território com Maracanaú. A terra de 1.735 hectares abriga 2.942 indígenas da etnia.
O território foi delimitado pela Funai em 2000 e declarado de posse permanente em 2006. Embora seja um dos processos mais avançados entre as terras indígenas do Ceará, já decorreram quase 20 anos sem novidades.
Tremembé de Queimadas
A terra dos Tremembés de Queimadas fica em Acaraú, município do litoral Oeste do Ceará. A área de 767 hectares foi declarada em abril de 2013, mas não avançou na última década. Segundo o último Censo, é habitada por 311 moradores, dos quais 290 são indígenas.
Os Tremembé praticam a agricultura, caça, pesca e coleta, fabricam objetos artesanais e participam da economia regional. A castanha de caju é uma das bases de subsistência do grupo.
Seus “irmãos” da terra Tremembé da Barra do Mundaú, no distrito de Marinheiros, em Itapipoca, tiveram a demarcação final homologada pelo Governo Federal em 28 de abril deste ano. Ao todo, 3.511,4 hectares foram garantidos a esse povo.