De saúde a documentos: quais as demandas de transexuais e travestis em unidades prisionais no Ceará

No Dia Internacional da Visibilidade Transgênero, instituições cearenses lançam pacote de ações para mitigar transfobia no cárcere

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Bandeira trans
Legenda: Acesso à hormonioterapia e à retificação do registro civil são duas das principais demandas de pessoas trans privadas de liberdade no Ceará
Foto: Shutterstock

Nenhum outro direito além da liberdade deve ser tomado de quem comete um crime. Para que isso se aplique também a transexuais e travestis em unidades prisionais do Ceará, instituições lançam, hoje (31), um conjunto de ações sobre LGBTI+ privados de liberdade.

Neste 31 de março, Dia Internacional da Visibilidade Transgênero, ocorre o I Seminário Estadual de Direitos Humanos, Sociais e de Saúde para a População LGBTI+ em Privação de Liberdade, promovido por um Grupo de Trabalho Interinstitucional de entes estaduais, do Judiciário, entidades públicas e sociedade civil.

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As principais demandas de travestis e transexuais no sistema prisional cearense são atravessadas por questões de saúde e cidadania, como lista Narciso Júnior, coordenador de Políticas Públicas para LGBT da Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos (SPS).

  • Uso do nome social;
  • Retificação do registro civil e documentação completa;
  • Acesso à saúde, principalmente ao tratamento hormonal;
  • Respeito à identidade de gênero.

 

Mulheres trans e travestis privadas de liberdade vivem, hoje, junto a homens gays e bissexuais na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, em Aquiraz, específica para este público. Nos registros oficiais de fevereiro, porém, constam apenas “196 internos”, do gênero masculino.

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"É preciso remodelar a administração penitenciária"

Contabilizar oficialmente as pessoas trans, então, está entre as necessidades mais básicas para garantir direitos, como reconhece Narciso, já que uma das demandas mais complexas do sistema penitenciário cearense é o fato de que mulheres trans e travestis permanecem encarceradas numa unidade “mista”.

Precisamos começar a discutir isso e pensar estratégias. É preciso remodelar a administração penitenciária para que isso aconteça. Mas existem preocupações do sistema, até por questões de segurança para mulheres e homens trans.
Narciso Júnior
Coord. estadual de Políticas Públicas para LGBT

Luciana Teixeira, juíza da 2ª Vara de Execução Penal de Fortaleza, explica que a penitenciária Irmã Imelda “é voltada especificamente para este público", o que "dispensa transferências” a uma unidade feminina. Para ela, o que falta é garantir que transgêneros sejam respeitados.

Queremos humanizar cada vez mais os sistemas prisional e de Justiça, para que os trabalhadores saibam como tratar, se relacionar e se referir às pessoas LGBT. Por falta de conhecimento, podemos estar violando algum direito e reconhecimento dessa população.
Luciana Teixeira
Juíza da 2ª Vara de Execução Penal de Fortaleza

Compreensão das identidades

Nesse sentido, uma das ações a serem “entregues” durante o seminário, segundo a juíza, é um curso para policiais penais e técnicos do sistema prisional, conteúdo que deve abordar a história do movimento LGBTI+ e os conceitos mais importantes para compreensão das identidades.

De acordo com o Grupo de Trabalho Intersetorial, outras ações também devem ser entregues durante o seminário:

  • Curso EaD para policiais penais e técnicos do sistema prisional;
  • Curso para o Sistema de Justiça – Diálogos: Sistema de Justiça e novos olhares para o acolhimento da população LGBTI+ à Luz da Resolução Nº 348;
  • Atualização dos Registros Civis e das identidades das travestis e transexuais da Unidade Irmã Imelda;
  • Instalação dos fluxos e do atendimento da Saúde no processo da hormonioterapia no cárcere;
  • Pesquisa sobre a População LGBTI+ Egressa do Sistema Prisional e os Efeitos Sociais do Encarceramento no Ceará;
  • Pesquisa e formação de multiplicadores em promoção de saúde sexual para população LGBTI+ em privação de liberdade.

O acesso integral à saúde, principalmente ao tratamento hormonal que integra a transição de gênero de pessoas trans, é um dos principais tópicos a serem cobrados em 2022, como destaca a assistente social Lucivânia Sousa, assessora especial da Prefeitura de Fortaleza.

Para ela, o objetivo maior é simples: que os direitos humanos dessa população sejam promovidos e acessados no espaço da privação de liberdade, desde a cautela nas revistas íntimas, por exemplo, até o respeito às expressões das identidades de gênero.

Todo o trabalho é para conscientização das pessoas que trabalham com esse público, para que não ocorra uma sobrepena – de estarem em privação de liberdade e de serem LGBTs.
Lucivânia Sousa
Assessora especial do Gabinete do Vice-prefeito de Fortaleza

Demandas de transexuais para além do Ceará

Questões ligadas à saúde, documentação e respeito à identidade de pessoas trans não se restringem aos muros do Ceará, tampouco do Brasil. Na Argentina, país vizinho, elas se repetem, como lista Ángeles Maribel, funcionária do Serviço Penitenciário de Buenos Aires, coordenadora geral da população trans.

“Tendo em conta que é uma população muito vulnerável, as demandas são muitas e todas necessárias”, introduz. Na capital argentina, aponta Ángeles, são 97 internos transexuais, dos quais 2 homens e 95 mulheres, divididos em cinco unidades prisionais.

Aqui, há ‘pavilhões da diversidade’, com homens gays, que não são trans, junto às mulheres. A mim, parece que só mudaram o nome do lugar, e não adotaram uma política a seguir.
Ángeles Maribel
Funcionária do Serviço Penitenciário de Buenos Aires

Além de lutar pela garantia de documentação, “condição necessária tanto para formação como para reinserir a pessoa na sociedade”, a coordenadora cita a segurança dessa população dentro do cárcere como um desafio.

“Para mim, as trans são mulheres e não têm que conviver com os homens, porque as estamos deixando vulneráveis da mesma forma que fora, fazendo com que sigam sendo prostituídas. É preciso começar a reconhecer os direitos e tratá-los de forma séria, e não da boca para fora”, conclui.

Serviço

I Seminário Estadual de Direitos Humanos, Sociais e de Saúde para a População LGBTI em Privação de Liberdade
Data: 31 de março, 8h30 às 12h30
Local: Auditório da Escola Superior da Magistratura do Ceará (ESMEC)
Aberto ao público.

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