“Pra mim, homens transexuais não existiam”: jovem descreve autodescoberta em meio à invisibilidade

Mário Lucas, de 24 anos, ainda vivencia, em plena pandemia, os obstáculos do processo de transição ao gênero com que se reconhece – e se apoia no orgulho para não sucumbir

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Mário aguarda retorno dos serviços para dar continuidade à transição de gênero
Foto: Iury Figueiredo

A trajetória do autoconhecimento, em si, já é árdua, ainda mais para quem não se enxerga na imagem que vê diante do espelho. Tem sido assim para o jornalista Mário Lucas Silva, 24, que se reconheceu como transexual em agosto do ano passado, mas segue, até este 28 de junho, Dia do Orgulho LGBTI+, na tentativa de iniciar o processo de tratamento hormonal para adequar o corpo à mente. A pandemia, porém, ergueu-se como barreira intransponível.

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Antes decidir por iniciar a transição, porém, ver a imagem do outro – ou dos outros – foi fundamental para a autodescoberta de Mário. “Pra mim, não existiam homens trans, só mulheres. Há três anos, descobri, vendo histórias na internet. Me identificava demais, mas ficava com muito medo. Sempre ouvia que pessoas trans vivem só até os 35 anos, no Brasil, e isso me abalava muito. Mas, em agosto passado, falei: ‘vou ser isso, não tem como eu me enganar’, e me assumi”, relembra.

O primeiro passo às pazes consigo foi “ver que não tinha nada de errado, que quem tá errada é a sociedade em não aceitar”. Hoje, com apoio da família, da namorada e dos amigos, Mário busca manter a saúde mental para as próximas batalhas, adiadas pelo novo coronavírus: o tratamento hormonal, ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e a retificação dos documentos, solicitada junto à Defensoria Pública do Estado.

Adequações

“Eu tinha feito todo o processo pelo plano de saúde do meu pai, que é policial, mas fiz 24 anos e perdi o direito. Liguei pro Ambulatório Trans, não estava recebendo novos pacientes e me desesperei. Procurei o Centro de Referência LGBT, mas me encaminharam ao posto de saúde, que também não estava atendendo. O processo dos documentos também parou. É muito estressante”, desabafa o jovem.

Durante a pandemia, o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra, da Prefeitura de Fortaleza, tem ofertado atendimento remoto sobre violações de direito por orientação sexual ou identidade de gênero por telefone (3452.2047) ou e-mail (crlgbtfortaleza@gmail.com), segundo informou, em nota, a Secretaria de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS). No ano passado, o CRLGBTJD realizou 675 atendimentos jurídicos, sociais e psicológicos gratuitos.

Para solicitação gratuita da retificação do registro civil, já que está desempregado, Mário recorreu à Defensoria Pública, que atende, atualmente, pelos mesmos suportes: telefone (98895-5514) e e-mail (ndhac@defensoria.ce.def.br). De janeiro de 2019 a março deste ano, 153 pessoas buscaram o órgão para adequar os documentos à identidade de gênero. Durante o isolamento social, a procura cessou.

Já o Serviço de Referência Transdisciplinar para Transgêneros (Sertrans), do Hospital de Saúde Mental (HSM), também procurado pelo jovem, “restringiu o atendimento a pacientes já encaminhados previamente pela Central de Regulação do Estado”, assistidos remotamente, conforme afirmou, em nota, a assessoria de comunicação da unidade.

Para Mário, todos os processos são desgastantes, principalmente quando está “em desconforto com o próprio corpo” – mas a vontade de viver a própria identidade transcende.

“O que me conforta é saber quem eu sou. Que não é uma outra pessoa que vai me dizer quem eu devo ser. Eu tenho que ter esse orgulho de mim mesmo. E meu maior sonho é que pessoas LGBT consigam viver a sua vida sem se preocupar com a morte."

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