Só 0,2% das propostas do Legislativo no Ceará versam sobre direitos LGBTQIA+
Na semana de Combate à Homofobia, o Diário do Nordeste mostra como a pauta LGBTQIA+ está sendo tratada na AL-CE e na Câmara Municipal de Fortaleza
Das mais de 6,5 mil matérias apresentadas pelos vereadores de Fortaleza e deputados estaduais do Ceará nas atuais legislaturas, apenas 16 propostas versam sobre a pauta LGBTQIA+.
Na Semana de Combate à Homofobia nas instituições de ensino do Estado, o Diário do Nordeste faz um levantamento sobre o tema e mostra que os deputados estaduais aprovaram apenas dois projetos de lei sobre o assunto no atual mandato.
Já na Câmara Municipal de Fortaleza, neste ano, três projetos de lei sobre o tema foram apresentados e aguardam autorização para entrar em pauta. Lideranças do movimento LGBTQIA+ reclamam do distanciamento entre as demandas reais desses grupos e as propostas apresentadas e aprovadas nos parlamentos da Capital e do Estado.
A cantora Lara Nicole, conhecida como Nik Hot, é uma das pessoas que faz essa ressalva. Ela e o companheiro, Davy Lima, fundaram a Casa Transformar, que abriga pessoas LGBTQIA+ em Fortaleza.
“A prioridade que percebo é por acolhimento, tanto que tivemos a ideia de criar a Casa, porque há essa demanda”
“Outra questão é a falta de oportunidade no mercado de trabalho, porque há uma marginalização na forma como a sociedade vê nossos corpos, e dificulta a busca por empregos”, acrescenta. Para ela, faltam políticas públicas efetivas para atender essas minorias.
Ações escassas
A própria definição da Semana de Combate à Homofobia nas instituições de ensino do Ceará foi uma das últimas medidas aprovadas pelo Legislativo sobre o tema. A lei foi apresentada ainda em 2011, a partir de uma proposta da então deputada Ana Paula Cruz (PSB).
No texto, ela propôs que a semana coincida com o dia 17 de maio, data Internacional contra a Homofobia. A lei foi sancionada em junho de 2012.
Veja também
No mesmo ano, outras ações foram adotadas pelas duas casas legislativas. À época, a Assembleia Legislativa instituiu 2012 como o ano de combate à homofobia no Estado.
Paralelamente, a Prefeitura de Fortaleza criou, após autorização da Câmara, o Centro de Referência Janaína Dutra, que se propõe a oferecer proteção à população LGBT em situação de violência.
Mais recentemente, em 2017, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) propôs e conseguiu aprovar a criação da Semana Janaína Dutra de promoção do respeito à diversidade sexual e de gênero no Ceará.
Assembleia Legislativa do Ceará
Na atual legislatura, as propostas sobre direitos LGBTQIA+ seguem escassas, conforme aponta o levantamento realizado pela reportagem no site da Assembleia Legislativa.
Para a busca, foram consideradas todas as matérias apresentadas na Casa, entre 1º de janeiro de 2019 e a última quarta-feira (19), com menção a termos como homofobia, LGBT, diversidade, discriminação, orientação sexual e gênero.
Ao todo, foram 2,5 mil matérias analisadas, mas em apenas cinco houve menção a tais palavras. Desse total, três são projetos de lei, dos quais dois já foram aprovados.
Em um deles, os deputados Elmano de Freitas (PT) e Renato Roseno conseguiram maioria para que seja assegurado o uso do nome social nos serviços públicos e privados do Ceará.
Já no projeto de lei mais recentemente aprovado, também de autoria do petista, determinou-se como obrigatória a fixação de avisos contra a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero em estabelecimentos públicos e privados.
A lista ainda segue com dois projetos de indicação do deputado Renato Roseno. Ele sugere que seja ampliado o prazo de licença paternidade/adotante independentemente do gênero e orientação sexual.
A outra proposta indica a inclusão de orientação sexual, identidade de gênero e nome social nos boletins de ocorrência e termos circunstanciados emitidos por autoridades policiais. Esta sugestão foi acatada pelo Governo do Estado.
Roseno reconhece que ainda há um “longo caminho a se trilhar” pelo Legislativo nas discussões sobre a pauta LGBTQIA+. Ele conta que, nos últimos anos, também passou a adaptar a própria atuação parlamentar sobre o assunto para buscar ações mais efetivas.
“Em matéria de políticas públicas, é a destinação orçamentária que dá musculatura a essas ações, então tenho feito um empenho para o direcionamento dessas emendas, principalmente para programas de inserção laboral. Não tem outro jeito de uma política virar prática se não for pelo Orçamento”, ressalta.
Câmara Municipal de Fortaleza
No Legislativo Municipal, a reportagem adotou a mesma metodologia, considerando apenas matérias apresentadas neste ano, após a posse dos vereadores. Ao todo, foram cerca de 4 mil matérias avaliadas, das quais onze envolviam a pauta LGBTQIA+. Desse total, apenas três são projetos de lei.
Dois deles são de autoria da vereadora Adriana Nossa Cara (Psol). Em um, ela sugere a criação da Semana Marielle Franco para enfrentamento à violência política contra mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas.
No outro, a parlamentar propõe a reserva de vagas de emprego para transexuais e travestis nas empresas privadas contradas para prestar serviços públicos. As matérias aguardam autorização para entrar em pauta. As outras propostas envolvem projetos de indicação e requerimentos.
Distanciamento das demandas
O jornalista Ari Areia, militante e presidente da Outra Casa Coletiva, que abriga pessoas LGBT em Fortaleza, reconhece que não necessariamente a produção legislativa representa as demandas da população.
“O Congresso e os legislativos são absolutamente omissos. Tivemos alguns avanços históricos, como equiparar a união estável entre pessoas do mesmo sexo a entre casais heterossexuais, a possibilidade de adoação, a permissão para doar sangue, a criminalização da homofobia, equiparando-a ao de racismo, mas foram medidas tomadas pelo Judiciário, justamente por conta da omissão do Legislativo”, critica.
Para ele, é preciso que haja um comprometimento dos poderes, principalmente do Legislativo e do Executivo, em enfrentar a disputa de narrativas.
"Precisamos desse empenho em humanizar as pessoas LGBT. Em segundo lugar, é preciso executar o Orçamento com ações para atender a essa população”
“Por parte do Judiciário, acredito que o comprometimento deve vir em responsabilizar quem comete crimes de LGBTfobia. É preciso ter avanços. Quando a Dandara morreu, apresentamos um relatório com uma série de demandas. Hoje, quatro anos depois, temos as mesmas demandas”, aponta o militante.
Agenda conservadora
Para a cientista política Paula Vieira, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), o distanciamento apontado pelos grupos LGBTQIA+ em relação à atuação do Legislativo se dá por conta da disputa em volta desse tema na política.
“Não digo que os deputados não querem avançar nisso, mas são pautas de difícil tramitação. É uma agenda que está em disputa, a direita e a extrema direita também olham para essas pautas morais e a centro-esquerda e esquerda não conseguem ter força para ganhar esses espaços”, avalia.
“Essas pequenas ações, como colar placas orientando contra a discriminação, não se desenvolvem em grandes políticas públicas, mas é a forma de não parar a pauta”
Exemplo dessa disputa ocorre tanto na Assembleia Legislativa do Ceará quanto na Câmara Municipal de Fortaleza. Nas duas Casas tramitam projetos semelhantes que visam proibir publicidade com alusão a “preferências sexuais”.
No parlamento estadual, a matéria é de autoria dos deputados Ap. Luiz Henrique (PP) e Dra. Silvana (PP). Na Câmara, o texto é do vereador Inspetor Alberto.
“É um assunto muito visado porque parte de uma formação sobre o modo de sociabilização e de educação da sociedade, sobre qual é o ponto de vista dominante” aponta a cientista política.
“O Legislativo é mais diverso (que outros poderes), ali estão representantes eleitos pelo povo, eleitos por certos grupos, então temos que ir para os dados e ver o tamanho dos grupos religiosos, com pautas mais morais. Se eles elegerem mais representantes, são eles que vão entrar no Legislativo. Em termos de Brasil, também vão estar em diálogo com o que se é esperado do Governo Federal”, conclui.
Pauta LGBTQIA+ no Poder Legislativo:
Assembleia Legislativa do Ceará
- Projeto de lei
Ano: 2020
Ementa: proíbe publicidade com alusão a "preferências sexuais"
Autor: Ap. Luiz Henrique (PP) e Dra. Silvana (PP)
Situação: tramitando (CCJR)
- Projeto de lei
Ano: 2019
Emenda: assegura o direito ao nome social nos serviços públicos e privados
Autor: Elmano de Freitas (PT) e Renato Roseno (Psol)
Situação: deliberado (aprovado)
- Projeto de lei
Ano: 2021
Ementa: determina a fixação de avisos contra a discriminação por orientação sexual
Autor: Elmano de Freitas (PT)
Situação: deliberado (aprovado)
- Projeto de indicação
Ano: 2019
Ementa: amplia o prazo de licença paternidade/adotante independentemente do gênero e orientação sexual
Autor: Renato Roseno (Psol)
Situação: deliberado (aprovado)
- Projeto de indicação
Ano: 2019
Ementa: inclui orientação sexual, identidade de gênero e nome social nos B.O.s e T.C.s
Autor: Renato Roseno (Psol)
Situação: deliberado (aprovado)
Câmara Municipal de Fortaleza
- Projeto de Lei Ordinária
Ano: 2021
Ementa: proíbe publicidade com alusão a preferências sexuais
Autor: Inspetor Alberto (Pros)
Situação: aguardando autorização de pauta
- Projeto de lei ordinária
Ano: 2021
Ementa: cria o Dia Marielle Franco
Autor: Adriana Nossa Cara (Psol)
Situação: aguardando autorização de pauta
- Projeto de lei
Ano: 2021
Ementa: reserva vagas de emprego para transexuais e travestis em prestadoras de serviço público
Autor: Adriana Nossa Cara (Psol)
Situação: tramitando
- Projeto de Indicação
Ano: 2021
Ementa: Construção de monumento de tolerância e respeito
Autor: Larissa Gaspar (PT)
Situação: aguardando autorização de pauta
- Projeto de Indicação
Ano: 2021
Ementa: criação de fundo municipal de defesa LGBT
Autor: Larissa Gaspar (PT)
Situação: aguardando autorização de pauta
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: audiência pública para discutir políticas LGBTQ+
Autor: Gabriel Aguiar (Psol)
Situação: aguardando autorização de pauta
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: congratulações para a Associação Mães pela Diversidade
Autor: Larissa Gaspar (PT)
Situação: aprovado
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: requer solenidade de homenagem para a Associação Mães pela Diversidade
Autor: Larissa Gaspar (PT)
Situação: aprovado
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: requer solenidade de homenagem entidade de defesa LGBT
Autor: Larissa Gaspar (PT)
Situação: aprovado
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: requer solenidade de homenagem a Thina Rodrigues
Autor: Adriana Nossa Cara (Psol)
Situação: aprovado
Link: https://sapl.fortaleza.ce.leg.br/materia/61353
- Requerimento
Ano: 2021
Ementa: audiência pública para discutir ideologia de gênero
Autor: Jorge Pinheiro (PSDB)
Situação: aguardando autorização de pauta