De Fortaleza à Taíba, banhistas relatam dor, vômito e falta de ar após contato com águas-vivas no CE

No feriado da Semana Santa, pelo menos, 15 pessoas precisaram de atendimento médico por causa das espécies

Escrito por Lucas Falconery , lucas.falconery@svm.com.br
Legenda: População ainda aprende sobre os riscos e os cuidados em casos de acidentes com águas-vivas
Foto: Fabiane de Paula/Acervo pessoal

Entrar no mar, seja para surf ou mergulho, faz parte do cotidiano do corretor de imóveis Igres Diniz, 46, há 30 anos. Nos últimos 15 dias, porém, a rotina mudou. "Fui atingido por uma água-viva, tive fortes dores no corpo e quase cheguei desmaiar", conta sobre a situação na Praia da Taíba, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).

O relato se soma aos de dezenas de cearenses machucados pelo animal neste período.

As águas-vivas são parte do ambiente marinho no Estado e diversas espécies circulam pelo litoral, mas neste ano a situação é atípica. Os animais aparecem em grandes grupos na Capital, em São Gonçalo do Amarante e no Paracuru, na RMF, devido ao período chuvoso, aumento da temperatura e poluição no mar.

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Os acidentes com águas-vivas fizeram com que 15 pessoas buscassem atendimento no Posto de Saúde da Taíba, em São Gonçalo do Amarante, entre a sexta-feira (29) e o domingo (31).

Entre os pacientes, 11 eram atletas do circuito de Bodyboarding, evento esportivo no mar, além de 2 moradores locais e outras 2 pessoas que aproveitavam para tomar banho na Praia da Taíba.

"Causa forte dores do corpo, os órgãos ficam com a sensação de serem espremidos, com uma falta de ar, tontura e vômito. Algumas pessoas desmaiaram", descreve Igres sobre os sintomas. Apesar disso, conseguiu lidar com a situação em casa e usou vinagre na lesão.

Legenda: Contato com água-viva deixou uma lesão na pele do corretor de imóveis
Foto: Acervo pessoal

Para o profissional de educação física Alessandro Mello, de 43 anos, o susto foi ainda maior. Ele estava na Praia do Morro do Chapéu, também em São Gonçalo, onde chegou bem cedo com um amigo.

"Peguei uma onda e, quando eu saí, acredito que eu fiquei em cima de um cardume porque não vi mais nada e só senti uma dor muito forte na minha perna. Sai do mar na mesma hora", resume.

A ânsia de vômito e uma crise de espirros foram quase imediatas. "Chegou uma hora que eu não conseguia mais puxar o ar, minha garganta começou a coçar muito e passei a tossir", acrescenta o surfista.

Me atenderam rapidamente, tomei uma injeção de adrenalina e outras medicações na veia. Vomitei algumas vezes e prepararam me para entubar porque eu não estava respondendo à medicação
Alessandro Mello
Profissional de educação física

Legenda: Alessandro precisou de atendimento médico por causa da repercussão no corpo do contato com o animal
Foto: Acervo pessoal

Após alguns instantes, a respiração voltou ao normal sem a necessidade da intervenção invasiva e as dores foram diminuindo. "Vou continuar surfando normalmente, mas em lugares com incidência alta de água-viva vou me proteger com legging", conclui.

O aparecimento intenso de águas-vivas também foi uma surpresa negativa para a analista de marketing digital Jéssyca Campos, de 33 anos. 

“Todo sábado vou nadar pela Beira Mar, dando uma volta no espigão e, na sexta-feira (29) de feriado, eu senti uma coisa gelatinosa pregando na minha perna”, descreve.

O animal saiu devido ao movimento das pernas, mas a dor acompanhou Jéssyca até chegar na praia. “A dor foi subindo da canela pra cima e minha única opção era nadar”, completa. Foram 20 minutos com a sensação de queimação e o local do contato ainda está um pouco vermelho.

Jéssyca estava acompanhada do namorado que não se machucou, mas outra pessoa do local também foi atingida. “Ela pediu que eu passasse vinagre, tinha acabado de ter contato e queimou também”, aponta.

Proliferação das águas-vivas no Ceará

Um passeio de canoa havaiana, uma prática de lazer que ganha popularidade na capital cearense, foi “cercado” por águas-vivas na última semana.

“Quando paramos na frente do Mercado dos Peixes, três pessoas pularam na água. De imediato, começaram a gritar que tinha algo queimando e voltaram rapidamente para a canoa”, comenta Paulo Sousa professor da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Como o banho de mar aconteceu à noite, a visibilidade estava prejudicada e “quando o instrutor colocou a luz da lanterna na água, estava cheio de águas-vivas”, lembra o professor.

“O grande ponto foi: ninguém sabia o que fazer. Falaram pra lavar com água, colocar gelo e até passar urina”, observa. Do grupo, duas mulheres tiveram machucados nas pernas e um homem foi ferido na barriga.

O mergulhador Regis Freitas, de 50 anos, registra cotidianamente dezenas de águas-vivas na região do Pecém. “Eu já me queimei umas 10 vezes, vários colegas também, e é um problema para os banhistas”, frisa.

Legenda: Animais se reproduzem devido à poluição e aumento da temperatura no mar
Foto: Fabiane de Paula

Entre os machucados, “uma deu um formigamento no corpo e a minha narina fechou”, algo nunca vivenciado nos mais de 30 anos em contato com o mar.

“Acredito que veio nessa maré de norte, que acontece por dois ou três dias, mas esse ano foi mais intensa”, aponta.

O que explica a situação

Ainda não existe uma articulação para acompanhar o aparecimento de águas-vivas no Ceará, mas uma espécie comum entre os acidentes é a Chrysaora lactea que aparece mais no período chuvoso. Mas, afinal, o que o explica a proliferação intensa do animal neste ano?

"Porque existe a poluição causada por esgotos que aumentam as águas-vivas e o Oceano nunca esteve tão quente. A gente monitorou e a temperatura deu praticamente 30° todos os dias", explicou Marcelo Soares, professor no Instituto de Ciências do Mar (Labomar), na UFC.

Além disso, a dinâmica dos ventos também pode contribuir para o surgimento da espécie no litoral cearense.

O risco maior está sendo para as pessoas que praticam esportes ou trabalham com o mar, como pescadores. As práticas de kitesurf, canoagem, mergulho, natação e stand-up paddle estão em maior risco no momento
Marcelo Soares
Professor no Labomar

Os cientistas ainda não conseguem estimar por quanto tempo esses animais ficarão em grande número no mar.

"Deve cair em número talvez em uma ou duas semanas, mas é difícil prever isso. O período que elas ocorrem mais é entre fevereiro e maio, mas quanto tempo vai sustentar essa população ainda não sabemos", detalha Marcelo.

Legenda: Aparecimento de águas-vivas está mais intenso há cerca de 15 dias
Foto: Fabiane de Paula

Intervenção pública

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace), questionada pela reportagem, informou “que, até o momento, não recebeu notificações por parte da população ou de técnicos ambientais responsáveis em emitir o boletim de balneabilidade, a respeito de um ponto específico em nossas praias (capital ou interior) que apresente uma grande quantidade de águas-vivas”.

A Semace incentiva os relatos de concentrações anormais de águas-vivas por meio do canal oficial de atendimento: site ou aplicativo na opção “criar denúncia”.

“Caso seja observado por nossa equipe que faz a coleta em campo, iremos sinalizar em nosso boletim de balneabilidade, de forma clara e acessível, que o trecho de praia em questão está com um asterisco, indicando a necessidade de atenção especial por parte dos usuários”, completa a Superintendência.

Já a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) monitora os casos de machucados por água-viva em algumas praias no Estado e orienta as Unidades de Saúde nos municípios. “Os técnicos da Sesa estão em contato permanente com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC)”, destaca a Pasta.

O que fazer em casos de acidentes

Apesar de comumente ser chamado de queimadura, o que acontece na pele é um envenenamento citotóxico com dor em queimação. O banhista já pode sair do mar com marcas e dor.

A indicação do Ministério da Saúde é que, inicialmente, sejam usadas compressas geladas com a própria água do mar gelada, ou com vinagre. De modo algum deve ser utilizada água doce, porque o quadro do envenenamento pode piorar.

Caso fiquem tentáculos, os pedaços devem ser removidos de forma cuidadosa com uso de pinça ou com a mão enluvada. Os pacientes devem procurar assistência médica para avaliação clínica e a necessidade de tratamento complementar. 

Confira as orientações para evitar acidentes:

  • Evite áreas onde há presença de águas-vivas e caravelas
  • Pergunte ao guarda-vidas sobre a presença destes animais no local
  • Não toque nos animais, mesmo mortos
  • Use calçados para caminhar na praia e evitar pisar em tentáculos dos animais
  • Usar roupas de mergulho que cubram grande parte do corpo em esportes náuticos

No Ceará, o Corpo de Bombeiros atua nos casos de acidentes com águas-vivas e podem auxiliar as vítimas para os primeiros socorros.

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