Antropólogo cearense é selecionado para trabalhar junto a povos Yanomami: ‘temos muito a aprender’
Entre Brasília, Roraima e Amazonas, Messias Douglas integra equipe que traça estratégias de assistência social aos indígenas
As imagens dos corpos desnutridos dos povos Yanomami que rodaram o mundo, no início de 2023, expuseram uma realidade dura de violações contra os donos da maior terra indígena do Brasil. Para reverter o cenário, o Governo Federal tem direcionado a eles ações de assistência social – as quais contam, agora, com a contribuição de um cearense.
O antropólogo Messias Douglas, 29, foi selecionado para integrar a equipe do Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social e Combate à Fome (MDS) que traça estratégias para fortalecer a proteção social e cultural de um dos grupos originários mais importantes do País.
A terra dos Yanomami abrange territórios em Roraima e Amazonas, no Norte brasileiros, e chega a parte da Venezuela. São mais de 390 comunidades e 30 mil indígenas, conforme dados do Ministério da Saúde (MS).
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Intitulado de “Missão Yanomami”, o trabalho específico de fortalecimento da saúde e da garantia de direitos fundamentais aos povos foi montado em 2023, mas o antropólogo cearense começou a integrar a equipe somente neste ano de 2024, e deve permanecer na missão durante dois anos.
“Tive contato com várias lideranças, também fui em alguns municípios onde há incidência do território Yanomami e Ye’kwana. Parte do trabalho também é mostrar que eles são munícipes, que a política da assistência social é para quem dela necessitar”, explica Messias.
Entre o Distrito Federal, Roraima e Amazonas, o cearense já testemunhou o cenário “desafiador” vivenciado pelos indígenas. “Visitei uns territórios que atendem aos Yanomami, para ter só metade da dimensão do problema. É bem desafiador”, pontua, reforçando que a missão da equipe governamental é efetivar soluções para as questões.
Apesar da realidade dura encarada durante o trabalho de assistência social, a bagagem que o antropólogo vai carregar na volta ao Ceará inclui itens bonitos e valiosos. “A experiência está sendo incrível. Nós, não indígenas, temos muito a aprender com os povos indígenas, com os Yanomamis. Eles são a natureza”, inicia.
“Aqui estou aprendendo a importância do sonho, de sonhar longe, não mais comigo, mas com eles, cada vez mais fortes enquanto povo, enquanto seus costumes. E com um atendimento culturalmente diferenciado que cumpra tanto a função de proteção social como de proteção cultural”, complementa Messias.
Dos indígenas cearenses aos Yanomami
A atuação do antropólogo junto aos povos originários brasileiros não é inédita. No Ceará, Messias também se envolveu em “ações de orientação de fortalecimento da política da assistência social” junto aos povos originários e às comunidades tradicionais do Ceará.
“Fizemos várias ações de capacitações aos profissionais da assistência social estadual e dos municípios cearenses, produzimos materiais próprios, incluindo um guia e um caderno de orientações técnicas específicas sobre esses povos”, descreve.
O trabalho, aliás, buscou “corrigir” violências enraizadas desde séculos passados, como rememora o antropólogo.
“Infelizmente, os povos indígenas cearenses já passaram por muitas situações de violência e ainda passam. Já teve um dia que o presidente da província do Ceará os declarou como extintos, há 162 anos”, pontua.
“Muito do nosso trabalho no Ceará foi de reconhecê-los em suas diferenças e não reproduzir na rede socioassistencial as violências das quais os indígenas cearenses sabem bem. Por isso, a importância da consulta prévia, livre e informada aos povos”, cita Messias.
A “consulta prévia” é prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e determina como direito que os povos indígenas tenham participação garantida nas decisões sobre suas vidas e territórios.
Messias aponta que, assim como ocorreu no trabalho no Ceará, “já é uma premissa de que todo trabalho com os Yanomamis deve ser orientado por eles mesmos, seja na cidade ou no território”.
O trabalho exitoso em território cearense, então, deve ser replicado no Norte do Brasil. “No Ceará, todo o nosso trabalho acelerou a mudança no Sistema Único da Assistência Social, que hoje está preparado para fazer o trabalho social culturalmente diferenciado com famílias indígenas.”