Quem são os indigenistas e como o movimento busca a garantia de direitos dos povos no Ceará

Demarcação de terras permanece como o principal desafio para comunidades tradicionais, além do acesso à educação e saúde

Bruno Pereira defendeu os povos indígenas e a Floresta Amazônica, onde desapareceu por 10 dias até ser encontrado morto - ao lado do jornalista Dom Phillips -, numa entrega à missão indigenista. O caso dá visibilidade à profissão e tamém reforça o contexto de violência enfrentado, inclusive no Ceará, por quem busca a garantia de direitos sociais para os indígenas.

Os indigenistas são profissionais - da antropologia, assistência social e do direito, por exemplo - atuantes na execução e fiscalização das ações para essas pessoas. Faz parte da rotina do profissional realizar visitas técnicas a comunidades, acompanhar implantação de projetos nas aldeias, articular políticas públicas junto aos órgãos oficiais, dentre outros. 

No Ceará, a principal demanda é pela demarcação de terras, além de educação e saúde específicas para os indígenas. Pelo menos 14 povos estão distribuídos em 18 municípios onde os indigenistas realizam visitas técnicas. Nisso, já foram alcançadas terras e serviços para as comunidades indígenas com apoio desses profissionais.

Por outro lado, também chega a violência devido ao interesse nas terras, o tráfico de drogas e a exploração ilegal de recursos naturais.

Com isso aumentam as atribuições dos profissionais vinculados à Fundação Nacional do Índio (Funai), como era o caso de Bruno Pereira, ou atuantes em outras organizações. Todos almejam a proteção dos indígenas, o acesso às políticas públicas, e o respeito cultural.

É o caso de Gustavo Guerreiro, indigenista há 12 anos, que entende o trabalho abrangendo dimensões culturais, educativas, de proteção e monitoramento territorial, produção agrícola, direitos sociais e serviço de saúde diferenciado para os indígenas, como lista.

Entre as conquistas dos últimos anos, ele ressalta a cessão de terras para os Tapebas, em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, após acordo com proprietários. Além disso, a distribuição de alimentos e a busca por segurança fazem parte da rotina de atuação dos indigenistas.

“São conquistas conjuntas, como educação diferenciada para os indígenas, a saúde específica, que foi garantida também com articulação de servidores da Funai”, acrescenta. No entanto, o avanço no acesso aos direitos é freado pela violência.

“A morte do Bruno, no Vale do Javari, não foi um acidente ou algo pontual. Todos nós que trabalhamos na política indigenista estamos frequentemente sujeitos a esse tipo de perigo, principalmente, quando há interesses de poderosos”, pontua.

Doutor em políticas públicas e pesquisador do Observatório das Nacionalidades, pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), Gustavo destaca o interesse por terras indígenas como um desafio histórico.

“Atividades ilícitas de extração mineral, de terras ou de madeira, e, principalmente, o tráfico de drogas, que tem ganhado uma dimensão desproporcional dentro dos territórios indígenas”, completa.

Isso causa uma sensação de insegurança em lideranças indígenas e profissionais, como relata uma indigenista que optou por ter a identidade preservada. Apesar disso, “sucumbir não é uma opção”, como frisa.

“O assassinato do Bruno Pereira é uma chamada de atenção para a sociedade das ameaças que os indigenistas e os povos indígenas sofrem, cotidianamente, em razão do trabalho que desenvolvemos”, pontua.

A morte de Bruno Pereira revela um contexto de profunda violência sobre os povos indígenas no Brasil e, especificamente, no Ceará - violência que, em grande medida, tem sido praticada pela ação e pela omissão do próprio Estado Brasileiro
Indigenista
Identidade preservada

“Como afirma o pajé Luís Caboclo, Tremembé de Almofala: ‘existiu um tempo que para sobreviver, os povos indígenas no Ceará precisaram calar. Hoje, para sobreviver, eles precisam falar’. Acredito que, na atualidade, mais do que falar, eles precisam gritar, inclusive perante instâncias internacionais”, reflete.

A militante do Movimento Indígena Maria da Conceição Alves Feitosa, a Ceiça Pitaguary, explica que o papel do indigenista mudou desde à Constituição deixando a função de implementar a política de integração dos povos indígenas.

“Atualmente, o papel do indigenista deve estar pautado no diálogo permanente com os povos indígenas. Seu papel é promover diálogos com base no respeito à diversidade para a construção de políticas públicas efetivas de promoção e de proteção dos direitos indígenas”, acrescenta a militante do Movimento Indígena.

A morte de Bruno Pereira e Dom Phillips é uma exposição da crueldade a que está exposto o indigenismo brasileiro e as terras indígenas no Brasil. A rigor a falta de proteção das terras indígenas é uma política que o atual governo vem implementando
Ceiça Pitaguary
Militante do Movimento Indígena

Povos indígenas no Ceará:

  • Anacé (Caucaia)
  • Gavião (Monsenhor Tabosa)
  • Jenipapo-Kanindé (Aquiraz)
  • Kalabaça (Poranga e Crateús)
  • Kanindé (Canindé e Aratuba)
  • Kariri (Crateús)
  • Pitaguary (Pacatuba e Maracanaú)
  • Potiguara (Novo Oriente, Cratéus, Tamboril, Mosenhor Tabosa e Boa Viagem)
  • Tapeba (Caucaia)
  • Tabajara (Quiterianópolis, Crateús e Monsenhor Tabosa)
  • Tapuia-Kariri (São Benedito e Carnaubal)
  • Tremembé (Acaraú, Itarema e Itapipoca)
  • Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa)
  • Tupinambá (Crateús)

Demandas indígenas ignoradas 

Gustavo Guerreiro ressalta que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação das terras indígenas em 5 anos. Mais de 30 anos depois, essa permanece como uma das principais demandas.

“O que é mais urgente é a demarcação das terras, porque sem isso não tem a segurança jurídica para a execução de outras políticas. Se o território tem indefinição, há uma série de problemas para segurança pública, proteção ambiental e produção dos alimentos”, conclui.

A curto prazo eu não vejo expectativa melhoras, porque a cobiça por territórios indígenas se dá desde os tempos coloniais e as forças políticas são muito poderosas tanto em governos de direita e de esquerda
Gustavo Guerreiro
Indigenista

A outra indigenista ouvida pela reportagem destaca a importância dos órgãos de meio ambiente no Ceará de considerar a existência dos povos no território cearense.

“É preciso reconhecer de vez a presença indígena nos territórios e a repercussão dessa presença nos processos de licenciamento ambiental”, frisa. Ela destaca que a maioria dos indígenas estão numa situação de vulnerabilidade pela falta de homologação das terras.

“Os direitos dos povos indígenas não foram dados. Eles foram arduamente conquistados pelos próprios indígenas e pelo trabalho incessante de indigenistas comprometidos com um mundo onde ser indígena é sinônimo de valorização e de respeito por parte dos não indígenas”, finaliza.

A Funai foi procurada sobre as ações de proteção desses profissionais e também da segurança ofertada às comunidades indígenas, mas não houve resposta até o momento.

Na pandemia, os povos indígenas passaram por um "cenário desolador", como contextualiza Ceiça, quando houve a necessidade de reaprender a conviver em comunidade com as restrições de encontros.

"Conseguimos enviar para as nossas aldeias no Ceará máscaras, álcool em gel, produtos de higiene pessoal e cestas básicas. A pandemia mostrou o quanto é frágil o braço do Estado para a proteção territorial, já que os próprios indígenas montaram barreiras sanitárias e como a situação de vulnerabilidade para a aquisição de alimentos ainda perdura", finaliza.