Estudantes do Interior do Ceará emocionam familiares durante 'Aula da Saudade'

Alunos choraram (e causaram choros) durante declaração de sentimentos muitas vezes reprimidos ou esquecidos no dia a dia.

Escrito por
Gabriel Bezerra* gabriel.bezerra@svm.com.br

No clima semiárido do Sertão Central do Ceará, estudantes de Milhã molharam o chão de concreto da Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Euclides Pinheiro com lágrimas de alegria, gratidão e afeto. Incentivados pelo professor Mikael Medeiros, os alunos prestaram homenagens às pessoas que os ajudaram a atravessar o Ensino Médio durante a famosa "Aula da Saudade".

"Muitos alunos não param para reconhecer a própria história. Ter um dia dedicado a isso fortalece a autoestima, valida as vivências e ajuda o estudante a perceber que é capaz, que venceu etapas importantes e que pode seguir acreditando no futuro", ressalta o professor.

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No dicionário, a palavra saudade é traduzida como um sentimento melancólico, devido ao afastamento de uma pessoa, coisa ou lugar, ou a ausências prazerosas já vividas. Mas, afinal, como traduzir um sentimento tão abstrato, por vezes esquecido, de forma consciente ou inconsciente, ou afastado pelos desafetos do cotidiano?

Responsável por organizar o momento, Mikael lembra que, muitas vezes, faltam lugares seguros para os alunos expressarem os sentimentos e as saudades.

"Laboratório do Sentir"

A "Aula da Saudade" é reflexo de um componente curricular que vai muito além de fórmulas ou regras: o Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais (NTPPS). Ele funciona como um "laboratório do sentir" que visa o desenvolvimento de competências socioemocionais por meio da pesquisa, da interdisciplinaridade e do protagonismo estudantil.

A matéria ocupa cerca de 160 horas anuais na grade dos estudantes. Implementada em 2012 com apenas 12 escolas-piloto, a disciplina vem, desde então, colocando as vivências e práticas sociais dos estudantes em pauta. E o desenvolvimento em sala de aula a partir dessa abordagem é perceptível: alunos que antes não interagiam, por exemplo, tornaram-se mais sociáveis, a qualidade do aprendizado aumentou e a adesão escolar cresceu.

"Ao reconhecerem tudo o que já viveram e superaram, os alunos passam a enxergar o futuro com mais confiança e acreditam mais no próprio potencial", afirma Mikael.

As etapas da jornada

Ao longo do ano, os alunos da EEMTI Euclides Pinheiro participaram de várias atividades divididas em quatro períodos:

  • 1º Período – Fórum Estudantil: Os próprios alunos escolhem uma temática relevante, organizam o evento e convidam profissionais para debater o assunto.
  • 2º Período – Ubuntu: Momento em que cada aluno convida uma pessoa importante de sua trajetória para a escola, vivenciando um espaço de homenagem, reconhecimento e gratidão.
  • 3º Período – Feira das Profissões: Contato direto com o mercado de trabalho e universidades.
  • 4º Período – Aula da Saudade: Culminância que marca o encerramento do ciclo, reunindo memória, emoção e projeção de futuro.

Nas aulas, os alunos também trabalham sonhos e metas com a escrita de uma "cápsula do tempo" no início do ano, aberta e lida durante a Aula da Saudade. "Isso fortalece a identidade do aluno e mostra que a escola pública também é lugar de oportunidades", salienta o professor.

'Tio Mikas' e o legado Ubuntu

Filhos de agricultores, Mikael e a irmã, Micarla Medeiros, são "sementes" plantadas pelos pais. Ambos tornaram-se professores: Mikael de História e Filosofia, e Micarla de Biologia. Foram semeados em um contexto de poucas perspectivas, mas, por acreditarem na educação, estudaram e hoje compartilham o conhecimento que lutaram para adquirir.

Mikael é professor da rede pública desde 2019 e leciona na mesma instituição onde foi aluno. E o carinho dos estudantes por ele é visível nas redes sociais: "Suas aulas são sempre emocionantes, saudades Tio Mikas", comentou uma aluna.

O professor também introduziu a "Aula Ubuntu", baseada na filosofia africana que diz "Eu sou porque nós somos".

Para os professores interessados em realizar atividades semelhantes, ele deixa a dica: "O mais importante é a intencionalidade pedagógica e o cuidado com o emocional. Dinâmicas simples como cartas para o futuro e rodas de escuta fazem toda a diferença".

*Estagiário sob a supervisão das jornalistas Mariana Lazari e Geovana Rodrigues.

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