30 cidades do Ceará foram afetadas pela seca todo ano desde 2013; veja locais

Apesar de melhorias em sistemas de gestão e infraestrutura hídrica, parte importante da população do semiárido ainda precisa lidar com o problema

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Fenômeno climático gera danos ao abastecimento humano, pecuária e agricultura
Foto: Waleska Santiago

A possível seca no Ceará em 2024 acendeu o alerta das gestões públicas para a tomada de ações de minimização de danos e prejuízos à população - e, historicamente, eles não são poucos. Só na última década, pelo menos 30 cidades cearenses tiveram 10 ocorrências de seca ou estiagem, consolidando um fenômeno anual.

As informações constam no Atlas Digital de Desastres no Brasil, ferramenta desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) com dados extraídos dos registros realizados por Estados e Municípios no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID). 

Normalmente, os agentes de Defesa Civil precisam preencher o Formulário de Informações do Desastre (Fide), no qual catalogam estimativa de habitantes afetados, danos materiais e ambientais, e prejuízos públicos e privados, a fim de obter recursos para ações de resposta.

A maioria das cidades com seca anual fica nos Sertões Central, de Crateús e dos Inhamuns. Veja a lista:

  1. Acopiara
  2. Aiuaba
  3. Araripe
  4. Boa Viagem
  5. Campos Sales
  6. Cascavel
  7. Catunda
  8. Cedro
  9. Crateús
  10. Deputado Irapuan Pinheiro
  11. Iracema
  12. Irauçuba
  13. Itatira
  14. Jaguaretama
  15. Jaguaribara
  16. Madalena
  17. Milhã
  18. Mombaça
  19. Monsenhor Tabosa
  20. Morada Nova
  21. Ocara
  22. Parambu
  23. Pedra Branca
  24. Piquet Carneiro
  25. Potiretama
  26. Quixadá
  27. Quixeramobim
  28. Salitre
  29. Solonópole
  30. Tauá

Entre 2013 e 2022, o Ceará já notificou mais de mil ocorrências de seca ou estiagem, com impactos diretos a mais de 14 milhões de cearenses. O Estado contabilizou 1.170 registros de ocorrências municipais, uma média de 117 por ano.

Contudo, dependendo do momento climatológico, houve repercussões diferentes. O maior número da série, por exemplo, foi em 2013, com 185 episódios de seca ou estiagem. O menor foi em 2022, com 42 registros.

O que diferencia a gravidade do cenário é o regime de chuvas. Entre 2012 e 2018, o Ceará atravessou seis anos de seca, o pior período de sua história. Já nos últimos cinco anos, recebeu mais influência da La Niña, fenômeno climatológico que favoreceu mais chuvas e melhores aportes nos açudes.

Porém, desde o fim da quadra chuvosa de 2023, houve a consolidação do El Niño, outro fenômeno que prejudica as precipitações no Estado e em todo o Nordeste. Há possibilidade, inclusive, de essa seca perdurar por mais anos à frente.

Segundo o Atlas, nos últimos 10 anos, mais de 14 milhões de cearenses foram impactados pelo problema. O ano mais severo foi 2017, com 2,92 milhões de pessoas afetadas. A marca de 2 milhões também foi ultrapassada nos dois anos anteriores. Já em 2022, cerca de 443 mil cearenses sofreram com a seca.

A ferramenta também revela prejuízos financeiros estimados na ordem de R$20,7 bilhões, após correção monetária, incluindo abastecimento de água, sistema de limpeza urbana, transportes, agricultura, pecuária, indústria e comércio. Por isso, o Atlas espera “ser empregado como um instrumento de apoio à tomada de decisão sobre investimentos e políticas públicas voltadas à redução de desastres”.

Cidades mais afetadas

Em número de pessoas afetadas, segundo o Atlas, os municípios mais impactados foram:

  • Fortaleza (1,11 milhão)
  • Aquiraz (435 mil)
  • Quixeramobim (421 mil)
  • Boa Viagem (382 mil)
  • Crateús (339 mil)
  • Tauá (329 mil)
  • Russas (279 mil)
  • Pedra Branca (267 mil)
  • Quixadá (249 mil)
  • Morada Nova (239 mil)

Em Solonópole, o diretor da Defesa Civil Municipal, Rafael Araújo, explica que a grande seca há cinco anos gerou a compreensão de que os recursos hídricos são limitados “e devemos usufruir com responsabilidade”. A partir disso, o órgão passou a articular mais ações intersetoriais com os sistemas de abastecimento e esgoto, saúde e assistência social.

Atualmente, o carro chefe de enfrentamento é a operação carro pipa. Ao todo, 11 veículos percorrem comunidades pré-cadastradas e verificam novas necessidades que aparecem ao longo do tempo. O percurso é complementado por fiscalização para observar o uso adequado da água.

“Um dos grandes desafios é atender a toda a população que necessita em tempo hábil, de forma eficiente. Temos uma extensão territorial imensa, com habitantes espalhados em várias localizações e longe do nosso principal manancial, o açude Boqueirão. A gente aprendeu que a melhor forma de lidar é com logística”, assegura o diretor.

No município vizinho de Quixeramobim, o prefeito Cirilo Pimenta também elenca a resiliência das comunidades ao longo das últimas três décadas. “Em quase todas as propriedades”, incluindo as pequenas, segundo ele, há alguma fonte de água para manutenção das famílias e do rebanho, principalmente poços profundos, cacimbões e cisternas.

O município também se destaca na produção leiteira no Ceará, logo a pecuária também entra nos planos de cuidado. O maior problema, enxerga o prefeito, está nas perdas geradas na agricultura.

Legenda: Sem colheitas, pequenos produtores são os moradores mais impactados pelos problemas da estiagem
Foto: Waleska Santiago

“Os pequenos agricultores plantam milho, feijão, fava, e quando chove pouco é prejuízo total, apesar do Seguro Safra. Perdemos forragem para o gado, então o produtor tem que comprar ração, e a produção fica mais cara porque as pastagens são poucas ou não existem”, conta.

Programas como a operação carro pipa e o apoio financeiro a agricultores são medidas de assistência elogiadas por ele, apesar dos transtornos. “O sofrimento hoje é menor porque tem as bolsas do Governo para manter as famílias. Não tem muita migração como tinha antigamente. A gente aos poucos vai montando estruturas com tecnologia para usar menos água, com produtividade maior e culturas mais rápidas”, projeta.

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Investimentos de resposta

Em nota, a Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) aponta que a escassez é algo intrínseco ao clima semiárido do Nordeste e que “não é de agora que o Governo do Estado vem se preparando para esse momento”. Com as previsões futuras de chuvas abaixo da média, a Pasta garante que “já estamos focados nos próximos anos, para que não falte água”.

Segundo a SRH, a evolução histórica no Sistema de Recursos Hídricos do Ceará criou uma “sólida” estrutura de gestão e uma “expressiva” infraestrutura hídrica, incluindo açudes, poços, adutoras e eixos de integração. “O conjunto dessas ações ampliou a garantia de oferta hídrica e tornou o Ceará um Estado mais resiliente aos períodos de seca”, destaca.

Na última década, a Secretaria elenca iniciativas que compuseram o plano de contingência da seca anterior:

  • melhoramentos e modernização dos equipamentos hidráulicos e elétricos para captação de água da chuva nos Rios Banabuiú e Jaguaribe;
  • aquisição de 12 comboios para perfuração de poços, com capacidade para perfuração de até 400m;
  • construção de 13 novas barragens, em diversas regiões do Estado.

Sobre o planejamento para 2024, a Pasta informou que técnicos e gestores de diversas Secretarias e órgãos estão preparando um novo Plano de Contingência com obras prioritárias. A intenção é levar a demanda ao Governo Federal para obter recursos e viabilizar as ações emergenciais.

O órgão adianta a previsão de melhoramento de sistemas de bombeamentos, a construção de mais adutoras e a perfuração de poços. Um dos projetos já em andamento é a primeira etapa do Malha D’água, que atenderá ao Sertão Central por meio de adutoras “no primeiro semestre de 2024”.

Por fim, destaca o monitoramento de todas as regiões cearenses, engajando Prefeituras e comitês de bacias nas discussões e, especialmente, “trabalhando campanhas de conscientização das pessoas quanto à economia de água”.

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