'SUS da Cultura': o que é o Sistema Nacional da Cultura e como ele pode impactar o Ceará
Sistema transforma a política pública cultural em uma política de Estado e, portanto, permanente
Após sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na quinta-feira (04), o Sistema Nacional de Cultura (SNC), apelidado de “SUS da Cultura”, passa a garantir a pactuação entre Governo Federal, estados, Distrito Federal e municípios para fortalecer e descentralizar as políticas públicas para a cultura.
Reivindicação antiga do setor cultural, o SNC começou a ser pensado em 2005 e existe desde 2012, quando foi incluído na Constituição por meio de uma emenda – mas nunca havia sido regulamentado. Em março deste ano, o projeto de lei 5.206/2023, que consolidava a institucionalização do sistema, foi aprovado no Senado e seguiu para sanção presidencial.
Na prática, o Sistema transforma a política pública cultural em uma política de Estado e, portanto, permanente – daí a assimilação a sistemas públicos já consolidados, como o Sistema Único de Saúde (SUS).
Entre as exigências para estados e municípios que aderirem ao SNC – que também se estendem ao Governo Federal – está a obrigatoriedade da criação ou manutenção de uma estrutura de gestão da cultura, composta por um órgão gestor da cultura, conselhos de política cultural e comissões intergestores (nas esferas federal e estaduais).
Os gestores também terão que realizar conferências de cultura, criar planos e sistemas de financiamento próprios e investir em programas de formação. Até o momento, a região Nordeste foi a segunda com maior adesão ao Sistema (64,8%), com 1.164 municípios.
Em entrevista ao Verso, a secretária de Cultura do Ceará, Luisa Cela, compartilhou o impacto da institucionalização do SNC, expectativas em relação aos próximos passos da consolidação do Sistema e como o Ceará pode ser beneficiado.
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“Momento de construção”
Para Luisa Cela, o estabelecimento de uma política pública cultural permanente é uma das ações mais relevantes do momento de retomada do incentivo público à cultura que o Brasil vive após o fim da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
A criação do Sistema Nacional de Cultura traz, para nós que trabalhamos nesse setor, uma segurança a mais de que, independente das mudanças de governo, independente das filiações políticas e ideológicas, nós teremos uma estrutura de gestão que garantirá a continuidade das políticas – porque a cultura sofre muito com isso, com a descontinuidade.
O setor sofreu fortes represálias durante a gestão do ex-presidente, que chegou a extinguir o Ministério da Cultura (MinC) e teve como uma das principais marcas a relação conflituosa com a classe artística.
“Apesar das dificuldades e dos desafios que ainda se apresentam, há um horizonte de muita construção para as políticas de cultura no Brasil. A gente teve um passado recente de desconstrução e de muita falta de perspectiva”, afirma. “Agora, a gente vive um momento de construção”.
Para a gestora, uma dimensão relevante da regulamentação é a criação de comissões bipartite (entre Município e Estado) e tripartite (Município, Estado e Governo), para analisar a participação de cada ente federado nas atribuições relativas às políticas públicas. “Vamos entender o que é que o Município se responsabiliza, o que o Estado se responsabiliza, assim como acontece nas outras políticas”.
O próximo passo importante para o avanço do SNC, explica Luisa, é a criação de um sistema de financiamento permanente – já que a Política Nacional Aldir Blanc, que prevê repasse de verba pública federal a estados e municípios, está em vigência apenas até 2027. “Até lá, a gente precisa definir qual vai ser a fonte de financiamento desse setor, para que a gente não volte para a estaca zero no sentido orçamentário”, ressalta a gestora.
Diversificação de fontes de financiamento e descentralização são pontos-chave no CE
Além de garantir o financiamento permanente, um gargalo que o Sistema Nacional de Cultura ainda precisa fomentar – e que deve ser objeto de estudo nos próximos anos – é a diversificação de fontes de financiamento, que possibilitaria que mais pessoas tivessem acesso aos recursos.
Atualmente, os editais figuram como “caminho praticamente único”, comenta Luisa. Para a gestora, a ferramenta é importante, pois garante democratização de acesso; no entanto, a burocracia e a imprevisibilidade ainda afastam muitos artistas de uma estabilidade profissional.
“É um caminho, mas a gente sabe que o campo cultural é extremamente diverso. Você tem de grandes produtoras a mestres da cultura popular, por exemplo; você tem pessoas com alto letramento e você tem pessoas com menos letramento, e todas precisam acessar esses recursos”, pontua.
Na opinião de Cela, uma opção que ajudaria a sanar desigualdades no Ceará seria a criação de subsídios para pessoas em vulnerabilidade, bem como a oferta de crédito para produtores.
“A gente também precisa garantir o fomento e o financiamento de festivais e de espaços que possuem ações continuadas. Aí, essas estruturas vão dinamizar o campo, contratando artistas, contratando técnicos e técnicas, e isso gera trabalho, isso gera possibilidade de renda para as pessoas que são do setor”, sugere.
Outro ponto que Luisa vê como prioritário para o desenvolvimento do setor no Ceará – e que deve avançar por meio das exigências previstas no SNC – é a descentralização dos recursos, já que municípios terão que ter que garantir fundos próprios de cultura ao aderir ao Sistema, movimentando maior quantidade de recursos onde nem sempre eles chegam.
“Nosso desafio – e a gente tem colocado muita energia nisso na Secretaria –, é envolver cada vez mais os municípios na agenda da política cultural, porque não adianta criar uma expectativa que o Governo do Estado vai dar conta de tudo, porque não vai. A gente precisa que os municípios se sentem à mesa”, ressalta.
Além de criar uma “dinâmica mais regionalizada”, a gestora reforça a necessidade da continuidade e da previsibilidade dos investimentos. “Nenhum setor se sustenta e se consolida se você em um ano tem investimento, e no ano seguinte não tem a certeza de que esse investimento vai acontecer. No Ceará, esse é o nosso desafio, manter o nível de investimento”, pontua.
Ao destacar que há uma tendência de orçamento crescente para os investimentos na cultura, a gestora reforça que setores de destaque no Estado – como o audiovisual, a música e as artes cênicas, bem como os festivais de cultura cearenses – devem, nos próximos anos, “conseguir superar os desafios de uma forma mais tranquila, menos sofrida”.
Luisa destaca que, após a finalização dos pagamentos da Lei Paulo Gustavo, a Secult-CE lançará editais para todas as áreas que totalizam R$ 60 milhões em investimentos. “A gente agora vai entrar nesse contínuo, em que todos os anos haverá um investimento público significativo, e por parte de todos os entes federados, garantindo essa capilaridade”, conclui.