Literatura cearense, diversa e conectada a outras artes é celebrada em programação gratuita no CCBNB
Centro Cultural Banco do Nordeste Fortaleza promove feira, palestras e momentos formativos em projeto que ocorre ao longo do mês
Abril é mês de marcos comemorativos importantes para a literatura, com as datas do Dia Nacional do Livro Infantil (18) e Dia Mundial do Livro (23). Nesta toada, o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) reforça a programação voltada à linguagem com a realização da 9ª edição do projeto Abril para Leitura, que começa nesta quarta-feira (3) e segue até o dia 30 de forma gratuita.
“A gente tem programação regular, que acontece toda semana de forma gratuita, e nela a gente se volta bastante a escritores e escritoras cearenses. É algo que a gente já faz e, nesse momento de celebrar, intensifica”, inicia Sara Síntique, curadora e produtora de Literatura e Humanidades do CCBNB Fortaleza.
A também autora e pesquisadora evidencia três “elos” da programação: a valorização da produção literária no Ceará, do diálogo da literatura com outras artes e das diversidades no campo.
Veja também
Mostra Substânsia
A abertura da agenda se dá com uma série de ações que celebra o aniversário de 10 anos da Editora Substânsia. Criada em 2014 por Madjer Pontes, Nathan Matos e Talles Azigon, a iniciativa independente impactou o cenário literário no Estado.
“Muitas editoras independentes surgiram ou intensificaram as produções a partir desse boom que a Substânsia deu aqui”, avalia Sara. Talles Azigon, que ainda segue à frente do projeto com Madjer e, agora, Daniel Firmino, lembra desse início.
“A Substânsia nasce tanto do desejo de fazer publicações de qualidade no Ceará, de ver publicado os nossos livros, mas também do nosso olhar crítico e angustiado de perder o bonde da história e ver a cena editorial explodindo no resto no país, no começo de 2010, e o Ceará ficando pra trás. Queríamos fazer parte da década e da literatura”.
Entre as programações previstas na Mostra Substânsia, estão rodas de conversa sobre temas como editoras independentes do Ceará e a poética cearense. Há, ainda, um sarau com presença de autoras e autores publicados pela Substânsia, entre outras.
“Foi muito importante juntar, somar forças e fazer essa comemoração, porque por mais que a gente esteja falando de 10 anos de uma editora, essa mostra celebra e convida outras editoras, escritores e escritoras a estarem presentes”, ressalta Sara.
Ponte entre linguagens
“Para a gente, é fundamental fazer a ponte da literatura com outras linguagens artísticas”, atesta a curadora. Neste sentido, parte da programação aposta em diálogos possíveis entre áreas.
Entre os eventos do dia 18, que marcam o Dia do Livro Infantil, um destaque é a presença da Trupe Motim de Teatro. O grupo apresenta o espetáculo "Pequeno Show de Horrores Para Sustos Medonhos" e celebra também uma década de trajetória com o lançamento do livro “Trupe Motim: 10 anos de amotinações estéticas".
“Trazendo a linguagem de teatro, a gente dialoga com o mundo das narrativas. Peças tem texto, dramaturgia. É muito importante trazer para as crianças que o livro se expande: vai para a cena do teatro, para a música, diversas linguagens”, ressalta Sara.
Já no dia 25, a curadora lembra da realização do minicurso interdisciplinar "Construções poéticas: entre o movimento e a palavra", com Keila Rodrigues, atividade voltada para mulheres cis e trans. “A professora é uma artista da palavra e da dança e vai fazer uma oficina em que trabalha as duas”, explica Sara.
“A gente está celebrando múltiplas formas de ler e de escrever, de pensar o mundo e, sobretudo, uma diversidade muito forte que tem aqui no nosso Estado”.
Diversidades
A aposta na valorização das diversidades na literatura se concretiza em diferentes presenças entre as pessoas convidadas para a edição do projeto. Um dos destaques é a autora Amara Moira (SP), que participa de duas programações no encerramento do evento, no dia 30: uma oficina de escrita literária e uma palestra intitulado "O mundo das palavras trans".
No âmbito do Ceará, Sara salienta a "corrente muito forte de pessoas cada vez mais podendo publicar", com ênfase em escritas de mulheres negras e pessoas LGBTs+. Esse cenário é, inclusive, fruto de construção histórica da cena literária independente.
A partir dos 10 anos da Substânsia, Sara reflete que, há mais de uma década, uma das principais dificuldades de nomes novos era conseguir publicar. "Eram poucas editoras independentes, em uma editora grande a gente não sabia nem o caminho para chegar”, lembra.
“Sempre existiram movimentos de literatura fortes e vanguardistas no Ceará no sentido de pensamento e produção, mas noto que autores e autoras não tinham tanto acesso à publicação”, avalia.
Com o surgimento da Substânsia e outras iniciativas semelhantes, Sara destaca, a atuação de editoras independentes e a possibilidade de autopublicação se fortaleceu. Em diálogo, Talles considera que, em 2014, “era muito mais fácil e barato publicar um livro”.
“As editoras estavam pipocando, a novidade da impressão em pequena tiragem era um grande oásis, redescobríamos o papel num tempo que a promessa era o digital”, elenca. O cenário, no entanto, se complexificou com o passar dos anos.
“De lá pra cá, a indústria e os insumos relativos ao livro ficaram cada vez mais caros e sofremos uma ameaça de perder a bibliodiversidade que conquistamos. Acredito que vivemos um momento em que as políticas públicas, mais do que nunca, precisam incentivar publicação, circulação e mediação de livros literários de pequenas editoras".
Incentivos
A visão defendida por Talles Azigon sobre a importância de apoios e incentivos é ecoada por Sara Síntique: “A gente precisa de espaço para esses livros circularem, para esses textos serem falados, para haver debate, conversa, para o autor ter um espaço de venda”, aponta a curadora.
Talles, inclusive, ressalta o Centro Cultural Banco do Nordeste como espaço central neste sentido. “(Ele) sempre foi o principal palco das escritoras e escritores cearenses, eu particularmente me formei dentro do CCBNB e devo parte de minha cultura letrada à sua biblioteca e sua programação cultural”, credita.
“Esse tipo de evento ajuda a fomentar o mercado editorial independente. Ainda há um atraso quando o assunto é fomento ao livro, leitura, literatura e bibliotecas por parte de equipamentos culturais. 10 anos atrás eu já falava sobre isso, parece que não se avançou tanto, pelo contrário, retrocedeu. Ter o CCBNB fomentando o Abril para Leitura é um exemplo para todos os equipamentos culturais do Ceará”.
Para a curadora e produtora de Literatura do CCBNB, é papel de espaços culturais esse tipo de fomento à linguagem. “É muito importante fomentar a discussão em torno da literatura, porque não é só publicar um livro. O autor tem ânsia de conversar com o público, ser lido, ter espaço para vender, debater”, aponta.
“Há uma produção literária muito acesa, muito forte, e é preciso que se dialogue com ela. É muito importante que centros culturais estejam abertos para o diálogo com a vida, a cidade, artistas, pessoas que estão produzindo, pensando”, defende. “Que os equipamentos culturais valorizem, olhem e dialoguem com essa cena, escutem o que as pessoas querem dizer”, finaliza.
Abril para Leitura 2024
Quando: de 3 a 30 de abril
Onde: Centro Cultural Banco do Nordeste Fortaleza (rua Conde D'eu, 560, Centro)
Entrada gratuita.
Mais informações: (85) 3464-3108, no Instagram e no site
Confira a programação completa
Quarta-feira (3)
- 18h30 - Mostra Substânsia - Roda de Conversa “Editoras Independentes e a Literatura Contemporânea no Ceará”, com Nathan Matos (Editora Moinhos), Rejane Nascimento (Editora Karuá), Alan Mendonça (Editora Radiadora) e Isabel Costa (Editora Aliás); mediação de Talles Azigon (Editora Substânsia)
- 20h - Sarau Substânsia - Sarau com escritores e escritoras publicados pela editora + microfone aberto + DJ KRNS nos intervalos
Quinta-feira (4)
- 15h - Roda de Conversa Poética Cearense, com Kieza Fran, Kinaya Black e Isabel Costa; mediação de Talles Azigon
- 19h - Lançamento do livro “O verso desdobra o tempo”, de Madjer Pontes, com mediação de Talles Azigon
Sexta-feira (5)
- 15h - Palestra "Literatura e Imprensa, 4 mulheres que se destacaram na imprensa cearense do século XIX: Alba Valdez, Emília Freitas, Henriqueta Galeno e Francisca Clotilde", com a autora Heloísa Vasconcelos (“Ipomeias: Mulheres do Século XIX na Imprensa Cearense”) e Talles Azigon
- 16h-18h - Feira de livros de editoras e autores independentes (editoras Substânsia / Nadifúndio / Radiadora / Aliás / Keruá / Litoral)
Quinta-feira (11)
- 19h - Sarau Literomusical Padaria Espiritual
Sábado (13)
- 19h - Show Lançamento da "Revista Cangaço", que destaca conteúdos sobre a cena de rock e metal do Ceará, com as bandas Réu Podre, Oráculo e Visceral Suffering
Quinta-feira (18)
- 10h - Lançamento do livro infantil “Poesia, o pão nosso de cada dia”, de Argentina Castro, com mediação de Cris Castro
- 15h - Espetáculo "Pequeno Show de Horrores Para Sustos Medonhos", da Trupe Motim
- 16h - Lançamento do livro “Trupe Motim: 10 anos de amotinações estéticas", com Trupe Motim e mediação de Maria Vitória
Quinta-feira (25)
- 14h-18h - Minicurso interdisciplinar "Construções poéticas: entre o movimento e a palavra", com Keila Rodrigues, voltado para mulheres
- 19h - Lançamento do livro "Avarias", de Glória Diógenes, com mediação de Tércia Montenegro
Terça-feira (30)
- 14h-17h - Oficina de escrita literária "Textos Impossíveis", com a escritora Amara Moira (SP)
- 19h - Palestra "O mundo das palavras Trans", com a escritora Amara Moira (SP)