Sebastião Salgado tem exposição imperdível e gratuita em Fortaleza sobre trabalho e esperança

“Gold – Mina de Ouro Serra Pelada” está em cartaz até novembro na Caixa Cultural e traz 54 registros do renomado fotógrafo

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@svm.com.br
Na imagem, registro da exposição sobre Sebastião Salgado na Caixa Cultural Fortaleza
Legenda: Fotografias seguem estrutura labiríntica, e são apresentadas em grandes painéis
Foto: Fabiane de Paula

Imagine 50 mil homens sob condições precárias em busca de riqueza no pulmão do mundo. Imagine também um fotógrafo atento às minúcias desse esforço para captar uma façanha extremamente desafiadora. Na intersecção entre esses dois universos está “Gold - Mina de Ouro Serra Pelada”, exposição em cartaz na Caixa Cultural Fortaleza.

Com registros grandiosos do sempre fundamental Sebastião Salgado – um dos mais renomados fotógrafos brasileiros, falecido no último mês de maio – a mostra permite aos visitantes, gratuitamente, uma imersão vigorosa sob o tripé trabalho, esperança e Amazônia. No centro do panorama, está o cotidiano da mina de Serra Pelada, localizada em Curionópolis, região da Amazônia Paraense.

O lugar ficou mundialmente conhecido por protagonizar a extração de toneladas de ouro ao longo de mais de uma década de exploração. “Sebastião ficou muito impressionado com aquilo. Foram lições que ele tirou do conceito de ser humano que tinha até ali – de que são capazes de sacrifícios incríveis para chegar num objetivo, nesse caso a riqueza”, situa Lélia Wanick Salgado, companheira de vida privada e profissional do artista.

Veja também

Segundo ela, as 54 obras presentes na Caixa Cultural são a prova de que Sebastião observou o comportamento daqueles homens e quis mostrar ao público que eles não eram escravos de outros homens, mas, simplesmente, da própria vontade de enriquecer. “Cada foto tem a própria particularidade; nelas, os visitantes devem refletir sobre a loucura do ser humano”.

Faz sentido. Por meio de uma curadoria na qual o percurso narrativo assume prioridade, o mergulho é garantido. Feições, gestos, movimentos e semblantes são banhados em um preto e branco retumbante, capaz de se apoderar do olhar. Apesar de, conforme Lélia – também curadora da cenografia das exposições dos trabalhos de Salgado – o processo de escolha ter sido difícil, a primeira decisão foi em função da perfeição da imagem.

Na imagem, obra exposta na Caixa Cultural Fortaleza em exposição com fotos de Sebastião Salgado

Na imagem, obra de Sebastião Salgado em exposição na Caixa Cultural Fortaleza

Na imagem, obra presente na exposição da Caixa Cultural Fortaleza com registros de Sebastião Salgado
Legenda: Registros em grande escala da mina ou com ênfase em detalhes podem ser conferidos na mostra
Foto: Fabiane de Paula

Nesse sentido, elementos como composição foram levados em maior consideração. “Sebastião sempre fotografou muito cada tema. Após levar em conta a perfeição da imagem, fatores como o valor de cada uma na descrição do tema e que história querem contar, também ganham peso. No final, priorizamos a sequência das fotos em relação à composição. Essa sequência é que vai reger a apresentação de tudo”.

Um labirinto de expressões

A impressão, ao visitar a mostra na Caixa, é de adentrar em um labirinto e, de quebra, mensurar como viviam aquelas pessoas destinadas a tentar mudar de vida. Em uma das paredes do recinto, um relato do próprio Sebastião Salgado impressiona pela fartura de detalhes e do contexto pelo qual passavam aqueles que se lançaram à Serra Pelada.

“A grande maioria dos sacos não continha nada além de terra e pedras. Mas quando um filão de ouro era alcançado, gritos de excitação ecoavam por toda a mina. No dia em que a terra dessa descoberta potencialmente rica era transportada para o topo da mina, os carregadores usavam camisas listradas e limpas, de modo que a polícia pudesse visualizar rapidamente qualquer um que tentasse escapar com um carregamento”, escreve.

Na imagem, detalhe em obra da exposição com registros de Sebastião Salgado na Caixa Cultural Fortaleza
Legenda: Para curadora da mostra, visitantes devem refletir sobre a loucura do ser humano ao longo da exposição
Foto: Kid Júnior

Essas desilusões, alvoroços e truculências estão destacados em cada fotografia, beneficiadas por um tamanho capaz de evocar a sensação de painel. Na vastidão da mina, Salgado enquadra tanto a dimensão colossal do espaço quanto detalhes mínimos, a exemplo de olhares, o vigor muscular dos homens até as fragilidades de cada um. São recortes de um trabalho maior do fotógrafo, intitulado “Trabalhadores”, realizado por todo o mundo.

Não à toa, no mesmo texto em que tece observações sobre a rotina daquela espécie de pandemônio, Sebastião também enfatiza: “Em toda a parte, homens silenciosos, seus corpos recobertos de lama da cabeça aos pés, curvavam-se sobre aquela tarefa, aguardando atentamente o brilho da esperança”.

Na imagem, projeção na exposição com obras de Sebastião Salgado na Caixa Cultural Fortaleza
Legenda: No espaço mais recolhido da mostra, há o vídeo de uma conversa entre Sebastião e Lélia Wanick Salgado a respeito da expedição artística e humana
Foto: Fabiane de Paula

E continua: “Aos domingos, havia uma pausa: alguns mineiros iam para um culto da igreja evangélica para rezar por boa sorte, outros relaxavam ouvindo um músico viajante com sua sanfona”.

Além dos dados na parede, no espaço mais recolhido da mostra há o vídeo de uma conversa entre Sebastião e Lélia Wanick Salgado a respeito daquela expedição artística e profundamente humana.

Continuar o trabalho 

Situando, de forma breve, que o parceiro profissional e de vida “fotografou bastante o Ceará nos anos 1980”, Lélia Wanick Salgado diz que Sebastião deixou um arquivo enorme, tanto em quantidade de fotografias quanto de temas. Há um grupo que já trabalhava com os dois antes, e que continuará preservando o arquivo – bem como as edições que o fotógrafo sempre fez de cada reportagem que captou.

“Agora estamos pensando numa forma administrativa e jurídica para continuar a mostrar o trabalho e preservar a integridade intelectual do pensamento e engajamento de Sebastião nos temas que abordou”, sublinha Lélia.

Na imagem, registro de painéis presentes na mostra sobre Sebastião Salgado na Caixa Cultural Fortaleza
Legenda: Na vastidão da mina, Salgado enquadra tanto a dimensão colossal do espaço quanto detalhes mínimos
Foto: Fabiane de Paula

“Ele foi um grande observador, uma pessoa muito generosa. A priori sem julgamento, sempre tentava compreender as situações. Foi um mestre na composição, as imagens têm uma perfeição. Sempre tentou mostrar a dignidade das pessoas que fotografou, mesmo em situações difíceis”. 

“Gold - Mina de Ouro Serra Pelada” é prova disso. No mínimo, imperdível.

Abaixo, você confere nosso tour pela exposição e por mais duas em cartaz na Caixa Cultural Fortaleza.

 

Serviço
Exposição “Gold - Mina de Ouro Serra Pelada”, com fotografias de Sebastião Salgado
Em cartaz até 30 de novembro na Caixa Cultural Fortaleza (Avenida Pessoa Anta, 287, Praia de Iracema). Horários de visitação: de terça a sábado, de 10h às 20h; domingos e feriados, de 10h às 19h. Entrada gratuita. Mais informações pelo contato (85) 3453-2770 e pelas redes sociais do equipamento

Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados