Professores cearenses compõem marchinha inspirada na saudade do Carnaval de Fortaleza

“Me devolvam o carnaval” homenageia polos, compositores e blocos cearenses como Luxo da Aldeia, Concentra Mas Não Sai e Chão da Praça

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
Danilo e Anderson
Legenda: Os professores Danilo e Anderson já viveram muitos carnavais juntos, em Pernambuco e no Ceará, ao longo dos últimos anos

Danilo acordou na última sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021, com uma inquietação que muitos foliões vão entender. “Que paradoxal, senhoras e senhores! Para respeitar a vida, temos de renunciar ao carnaval... logo ao carnaval, que para mim – e acredito que para muitos ao meu redor – sempre foi sinônimo de vida e alegria”, escreveu no Instagram. 

No texto - um desabafo consciente da emergência sanitária do momento, mas muito saudoso de outros fevereiros já vividos -, lembrou das músicas de Ednardo, Belchior, Fagner e Fausto Nilo pelas esquinas do Benfica, Mercado do Pinhões e Aterrinho, e reforçou uma súplica que há tantos anos vinha fazendo aos amigos: “não deixemos o carnaval se acabar!”.

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O colega Anderson recebeu aquele post como um chamado, e inspirado nele, criou uma melodia simples para a qual escreveu a primeira estrofe da marchinha “Me devolvam o carnaval”. “Tive a ideia de referenciar algumas coisas do carnaval e da cultura de Fortaleza, como músicas, locais e artistas. Joguei essa ideia pro Danilo, chamei ele pra minha casa, e terminamos a letra em umas duas horas”, conta.

Ambos professores de Física do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), Anderson Rodrigues, do campus Sobral, e Danilo Rocha, do campus Horizonte, já viveram essa festa juntos em vários momentos. Mas, em 2021, na ausência dessa possibilidade, encontraram na música uma forma de escape.

“Um ajudou a terminar a ideia do outro. Depois de concluída a letra, fui pro meu home studio, criei os arranjos e gravei tudo de uma vez só. Me apressei em publicar porque queria compartilhar ainda nos dias que seria o carnaval”, explica Anderson, que gosta de tocar e compor de forma amadora, mas com seriedade.

“Tenho muitas músicas engavetadas, muitas que escrevi pra artistas locais, mas que nunca tive coragem de mostrar. Mas essa, em específico, decidi soltar no mundo. Mesmo que ecoe somente nas ‘ruas nuas’ sem carnaval”, declara.

Polos e agremiações de Fortaleza são lembrados na canção

Nos versos de “Me devolvam o carnaval”, os professores fazem referência a polos que nos últimos anos incorporaram bem a dinâmica da festa em Fortaleza, a exemplo do Mercado dos Pinhões, da Praia de Iracema, do Benfica e da Mocinha.

Blocos como Luxo da Aldeia, Concentra Mas Não Sai, Bode Beat e Chão da Praça também são lembrados, além de algumas das estrofes clássicas que entoam a plenos pulmões a cada ciclo. O batuque do maracatu é outra marca registrada perto do fim da melodia

“A principal intenção é externar/expressar o quanto gostamos de carnaval e o quanto estamos sentido falta da folia, apesar de compreender e concordar com as atuais circunstâncias que levaram as autoridades a cancelar qualquer evento carnavalesco. De certa forma, a canção foi uma brincadeira para compartilhar entre amigos, mas seria grande o prazer de um dia ver a música sendo tocada em algum bloco de carnaval fortalezense”, afirma Danilo.

O bloco Luxo da Aldeia foi um dos que publicou a música no stories no instagram por esses dias. Um dos integrantes do “Concentra mas não sai”, por sua vez, disse aos professores que a canção é “bela e triste como devem ser as marchas”.

anderson
Legenda: O professor Anderson Rodrigues no home studio em que gravou "Me devolvam o carnaval"

“A intenção foi botar pra fora toda essa tristeza que a ausência que o carnaval está me causando. Na minha opinião, realmente é de fundamental importância que o carnaval se ausente nesse momento de pandemia, já que nessa festa a aglomeração é um fato. Eu só queria escrever uma música que emocionasse aqueles que compartilham do mesmo sentimento e, eu acho que de certa forma, fomos bem felizes nisso”, opina Anderson.

Questionado sobre o lugar que a canção ocupará num tempo que será para sempre recordado, Anderson é enfático:

“Pra mim, sempre que tocada, vai me fazer lembrar de como temos que abrir mão de algo que você gosta por algo maior. Se um dia ela tocar em um carnaval, provavelmente eu fique num sentimento dual: Feliz porque sobrevivi a uma pandemia, e ao mesmo tempo triste porque tive que viver uma”.

> Confira a letra completa de "Me devolvam o carnaval":

Me Devolvam o Carnaval
Anderson Rodrigues & Danilo Rocha

Não se ouve o som das ruas nuas
Nem dos pinhões em seu mercado de metal
Estamos mudos como a estátua de Iracema 
Pela ausência do esperado carnaval.

Sem luxo ficou a minha aldeia
Não “Benfica” a “Mocinha” sem brincar...
Com “Teresa e Jorge” na esquina...
Sem as rimas de um bloquinho a desfilar.

Sem as chamas nas “velas, Mucuripe”
O “Bode Beat” passa um ano em jejum
Quarta de cinzas se repete o ano inteiro
Não mais queima aquele “Sol pra cada um”.

Do “Chão da Praça” não se escuta o rugido
Chão ungido com a bebida que se esvai
A folia no meu peito não se aguenta
Se concentra, “Concentra, mas não sai”

Tomaram do meu “bloco o prazer”
De rever a “Gentilândia” em seu pulsar.
“Farol velho e o novo” são meus olhos
Marejados com o sal da “Beira-mar”.

O profeta Ednardo já dizia:
“A Calmaria na cidade é geral”
Em carência vou vivendo os quatro dias
Implorando “Não me roube o carnaval”.
Em ausência vou sofrendo os quatro dias
Por favor, me devolvam o carnaval.

 

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