Carnaval de amanhã: Pesquisadoras apontam perspectivas para o futuro da festa em Fortaleza

O lugar de memória, história e afeto da festa deve ser considerado na reconstrução pós-pandemia

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Legenda: A suspensão dos festejos permite aos brincantes olhar para o carnaval que habita dentro de cada um
Foto: Camila Lima

Que Carnaval teremos quando as máscaras de proteção contra o coronavírus puderem ser substituídas por aquelas coloridas das fantasias? É possível que Fortaleza viva um novo “Carnaval da Vitória”, como aquele do pós-Segunda Guerra, em 1946. Quem sabe, tomando como parâmetro o que o Rio de Janeiro fez em 1919, após a passagem da Gripe Espanhola, presenciemos aqui uma “alegria incomum”, com a promoção de um dos festejos mais animados dos últimos tempos. 

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Da parte de foliões e agremiações da capital, existe o desejo, mas eles contam também com uma disposição do poder público que, na gestão do atual secretário de Cultura, Elpídio Nogueira, ainda é incerta. Diante da crise sanitária, os 14 maracatus, 66 blocos, três cordões, sete escolas de samba e cinco afoxés registrados pela pasta municipal estão recolhidos nas sedes e barracões, sem recursos próprios para se manter. E na falta de uma política emergencial, tal como a Lei Aldir Blanc em 2020, ficará cada vez mais difícil sair.

“As agremiações populares tradicionais tendem a enfrentar os maiores prejuízos, pois sua maior dinâmica ocorre nos tempos fortes das festividades: ensaios, apresentações e desfiles. O setor público pode e deve atuar como agente de fomento, como dinamizador e articulador desse segmento específico de agremiações carnavalescas, pela influência cultural desse segmento nas suas respectivas comunidades”, aponta a Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará, Vanda Lúcia de Souza Borges.

Legenda: Agremiações como o maracatu são uma das principais afetadas pela ausência de recursos financeiros
Foto: Camila Lima

A pesquisadora acredita que os grupos devem sobreviver e retornar nos próximos anos, especialmente as agremiações de classe média, típicas do pré-Carnaval, e mesmo a micareta Fortal, realizada em julho. Por outro lado, Vanda defende que, quando retornar o Carnaval de rua, a tendência imediata é haver uma substituição do modo de brincar

“As agremiações populares tradicionais tendem a perder foliões no ano de retorno das festividades, mas, a grande resistência já demonstrada por elas ao longo da história deve prevalecer e elas voltarão a animar a vida cultural de suas comunidades”, projeta.

Na visão dela, compartilhada pelos que sobrevivem da festa, há que se falar dos prejuízos econômicos de toda uma cadeia produtiva que se articula movida pelas festividades carnavalescas. Desde os responsáveis pela organização, infraestrutura, e, principalmente, do comércio e o setor de serviços, nos quais há uma enorme quantidade de pessoas que ganham a vida, associados a esse complexo segmento econômico. 

“Um prejuízo que não pode ser medido, mas nem por isso, desconsiderado, é o prejuízo para a vida comunitária dos bairros, das cidades e do estado, e mesmo do País. A não realização do Carnaval é um indicador de que o País está ‘fraco’, e, desta vez, cabe dizer, ‘doente’”, pontua.

Dimensão cultural

A socióloga Danielle Maia Cruz, por sua vez, pondera que as questões enfrentadas, especialmente pelos inúmeros grupos em situação de vulnerabilidade, não nos interroga se faria algum sentido manter a festa Carnavalesca com forte caráter de aglomeração. 

“A questão talvez não seria ir direto ao ponto da questão econômica, ainda que isso seja um aspecto objetivo no atual contexto. Mas quando se encerra o debate no aspecto econômico, novamente se relega a cultura para aspecto secundário da vida, quando na realidade cultura dá sentido, nos mobiliza para viver aquilo que confere significado, aquilo que constitui nossa história e memória”, entende a pesquisadora.

Para Danielle, a festa carnavalesca está nesse lugar de afeto para inúmeras pessoas. “Mover o corpo, sentir o barulho da rua, encontrar amigos, cruzar com o desconhecido, ocupar espaços, escutar músicas, entre tantas outros elementos da festa, aspectos que fazem do Carnaval um espaço vivido, habitado”, enumera.

Legenda: Enquanto a pandemia durar, as máscaras de Carnaval permanecerão na gaveta
Foto: Camila Lima

Festa dentro de si

Ela avalia ainda que a pandemia, mesmo que traga a suspensão da festa, coloca os brincantes diante de um novo momento liminar. Se antes a liminaridade implicava na suspensão da vida cotidiana, permitindo viver um desejo subjetivo e, por vezes, subversivo, agora o contexto os leva a suspender apenas a festa na rua, pois o personagem mora dentro de si.

A atual crise sanitária, conforme a socióloga, fez muitos brincantes pensarem sobre sua própria existência, pois viver uma rainha de um maracatu, por exemplo, dá sentido à vida.

Legenda: Para pesquisadora, a atual crise sanitária fez muitos brincantes pensarem sobre sua própria existência
Foto: Camila Lima

Logo, não viver esse coroamento implica virar o espelho para si e pensar nos significados mais fundos do Carnaval para cada um: um momento de expressar sua capacidade artística, de performar aspectos relacionados ao feminino ou mesmo de ser visto publicamente, já que o cotidiano é marcado por invisibilidade social”, analisa.

Se essas questões alterarão a dinâmica da rua quando retornar a ela, é pergunta difícil de responder. Mas olhar para ontem, viver o hoje e planejar o amanhã, seguem como alternativas para refletir sobre essa festa sem dono, mas sempre cheia de convidados.

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