Praça ganha decoração de Natal com a originalidade do crochê feito por artesãs cearenses

Decoração natalina da Praça Luiza Távora ganha cores e texturas por meio do crochê feito por grupos artesanais, a exemplo da Associação de Artesãos de Curral Grande, em São Gonçalo do Amarante

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: Crocheteiras da Artfio decoram árvores e arbustos da Praça Luiza Távora com técnica artesanal
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

Quem passa agora pela Praça Luíza Távora, no bairro Aldeota, se depara com árvores revestidas com crochê, ora brancas ora coloridas. O trabalho, realizado por quatro associações de artesãs cearenses, compõe a decoração natalina do local, com referências ao litoral e ao sertão.

A união das peças garante o tom e textura que enchem os olhos de quem circula pela praça. A montagem, conforme explica a presidente da Associação de Artesãos de Curral Grande (Artfio), Conceição Juvêncio, 67, é feita na própria árvore. Os miolos de crochê são costurados anteriormente e depois se unem, um a um, até o envelopamento total do tronco.

Além da Artfio, a decoração mescla criações de outros grupos como o Artista e Crochê Novarussense (Artcron); das Crocheteiras Novarussenses (Ascron) e da Associação das Artesãs de Tamboril (TamboriArt), que totalizaram 50 árvores decoradas.

Esse trabalho foi realizado pela primeira vez por meio da Artfio, no fim de 2013, na própria comunidade, localizada em São Gonçalo do Amarante, depois de uma visita da cantora Marisa Monte à associação, um ano antes. Ela, que também é crocheteira e apaixonada pela arte, sugeriu após ver a cobertura de árvores nos Estados Unidos.

Legenda: A ideia do trabalho partiu da cantora Marisa Monte
Foto: FOTO: ARIEL GOMES

Para Socorro França, secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos humanos do Ceará, o projeto é uma forma de estimular o trabalho do artesanato cearense. "Isso estimula a criatividade dessas mulheres que produzem coisas lindas e, nada melhor que essa praça represente o artesanato do Ceará. Aqui é arte, cultura, empoderamento feminino", afirma.

Expor o trabalho em um espaço público é um marco na carreira das artesãs. Há um fascínio em ver os transeuntes elogiarem a arte que saem das mãos delas. "Elas tinham de sentir essa ponta de orgulho, de uma pessoa se derreter de elogios e você saber que aquilo tem sua participação", declara Conceição.

O contato com Marisa Monte pegou de surpresa Conceição. "Um dia, recebi um telefonema: 'conheci suas peças aqui no Rio de Janeiro, estou indo para Fortaleza, posso ir à sua casa?' E eu disse: pode sim, desde que a senhora me avise antes, porque eu saio muito". Logo depois da ligação, um grupo de mulheres chega na morada da artesã. "Eu olhei para ela, sou fã dela e disse: 'criatura, mas tu parece com a Marisa Monte. Ela riu e disse: eu sou", lembra.

Desde então, a relação da cantora com a Artfio tem se mantido. Em julho deste ano, ao passar em Fortaleza para um show particular, Marisa foi até Curral Grande visitar as artesãs, onde fez um pocket show.

"Eu costumo dizer que foi Deus que colocou ela no nosso caminho, porque esse trabalho foi uma ideia dela, que abraçou não só a mim, mas também as minhas colegas e eu achei fantástico tê-las aqui também", afirmou Conceição.

Tradição familiar

Fundada em 2004, a Artfio reúne cerca de 40 mulheres da comunidade do Curral Grande. A associação nasceu como uma iniciativa de Conceição com a cunhada Marta Souza. "A gente foi fazer o trabalho para ganhar um troco e percebemos que estava surtindo uma influência nas pessoas da comunidade", conta.

Na Artfio, as linhas e as cores são transformadas nos mais diversos artigos para casa, como tapetes, caminhos de mesa, toalhas e colchas de cama. "Nós chegamos para mudar o estilo da casa, para colorir, dar vida", explica Conceição.

Legenda: O artesanato desempenhado na localidade mudou a vida das mulheres de Curral Grande
Foto: FOTO: THIAGO GADELHA

O artesanato desempenhado na localidade mudou a vida das mulheres de Curral Grande, tanto pela visão de mundo quanto pela expansão e reconhecimento da produção. Muitas delas já eram crocheteiras antes da Associação e aprenderam a arte com as mães e as avós. O conhecimento repassado entre gerações chegou até Maria Laís de Sousa, 20 anos, que tem o crochê como única fonte de renda. A jovem cresceu vendo a avó e a mãe 'crocheteando' e, aos oito anos, aprendeu o ofício. Para ela, é vocação e reconhece a importância da Artfio. "Fico muito orgulhosa, porque a gente é de um lugar pequeno e está crescendo por conta da associação".

Conquistas

É por ela e pelas outras que Conceição atua na linha de frente para conquistar direitos. Logo no ano de fundação, recebeu auxílio da Prefeitura de São Gonçalo que, por meio de uma assistente social, criou o estatuto e um CNPJ. Em 2008, com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Artfio recebeu cursos, revisão de estatuto e a nova logística fez as produções chegarem a outros estados pela participação de feiras.

Outra grande conquista celebrada pela presidente foi a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), a partir de uma iniciativa do Governo do Estado. "Existe um Curral Grande antes e depois da Artfio. Hoje, as mulheres têm outra visão, ainda não é o que eu queria, mas têm. Passaram a ter uma vida melhor", celebra Conceição.

Assim como Maria Laís, Conceição aprendeu essa arte com a mãe. "Isso é herança né, eu sou de uma geração que as mães ensinavam tudo para gente, ela me ensinou o ponto-cruz, a bordar, o crochê".

No entanto, apenas na década de 2000 que ela se revelou como artesã, quando enfrentou uma depressão. "Pobre não se deprime, pobre tem que trabalhar", e foi a partir daí que aflorou a ideia de trabalhar com artesanato. Atualmente, Conceição já não mais produz, seu dever agora consiste em promover o trabalho de outras. "A minha participação é acreditar nelas, dar força e gerar renda para elas".

E o resultado tem sido mais do que positivo para o grupo. Com o reconhecimento e a valorização dessa arte, as peças são levadas para outros estados, como Alagoas, Pernambuco, Goiás e São Paulo.

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