Oscar 2025 destaca protagonismo feminino e reflete busca por maior participação de mulheres à frente e atrás das câmeras

Todas as indicadas a Melhor Atriz protagonizam filmes indicados na categoria principal do prêmio

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Nesta edição do Oscar, é a primeira vez desde 1978 que os longas das cinco indicadas a Melhor Atriz também foram indicados a Melhor Filme
Legenda: Nesta edição do Oscar, é a primeira vez desde 1978 que os longas das cinco indicadas a Melhor Atriz também foram indicados a Melhor Filme
Foto: Montagem: Louise Dutra

No Oscar deste ano, todas as cinco indicadas a Melhor Atriz — Fernanda Torres, Demi Moore, Karla Sofía Gascón, Cynthia Erivo e Mikey Madison — são protagonistas de produções também indicadas a Melhor Filme. O fato chama a atenção por ser a primeira vez desde 1978 que isso ocorre.

O reconhecimento não apenas às artistas, mas aos filmes protagonizados por elas, reflete um movimento apontado por uma pesquisa do Centro de Estudos de Mulheres na Televisão e no Cinema, da Universidade de San Diego. O estudo aponta que, entre as 100 maiores bilheterias de 2024 nos EUA, a porcentagem de trabalhos protagonizados por mulheres foi, de forma inédita, igual à de filmes com homens protagonistas.

Ainda que não necessariamente ligados, os dois dados evidenciam a busca da indústria de cinema estadunidense por aumentar o protagonismo feminino no audiovisual — mas de maneira ainda restritiva, como dados aprofundados da pesquisa demonstram. O Verso buscou profissionais do cinema para debater o assunto.

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Perfil privilegiado é o de mulheres brancas na casa dos 30 anos

Nos estudos mais recentes da Universidade de San Diego, que desde 2002 analisa sob o ponto de vista de gênero as 100 maiores bilheterias anuais nos EUA, 42% delas em 2024 tiveram protagonismo feminino, 42% protagonismo masculino e 16% misto. Para efeito de comparação, ano passado os longas protagonizados por mulheres foram 28%.

“Esse dado é um avanço muito lindo para nós como sociedade, e importantíssimo pra mim enquanto atriz que acompanha de perto os bastidores de produções cinematográficas”, afirma Amandyra, protagonista do longa cearense “Greice”, lançado no ano passado, e criadora em outras linguagens além do cinema.

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Tanto a artista quanto Raiane Ferreira —  presidente da Associação Cearense de Críticos de Cinema e pesquisadora em cinema com foco em gênero — e Amanda Pontes — roteirista e diretora cearense —, no entanto, ecoam um mesmo olhar mais aprofundado: “Que protagonismo é esse?”. 

“De que mulheres estamos falando e que tipo de narrativa são essas?”, questiona Raiane. “Por mais que haja um aumento no protagonismo feminino, é claro que ele será regrado aos parâmetros patriarcais, com preferência por um tipo de atriz e por um tipo de narrativa”, aponta. 

Apesar da equidade apontada de forma inédita nos estudos da Universidade de San Diego, dados aprofundados da pesquisa mais recente evidenciam qual perfil foi privilegiado. Pelo levantamento, 66,9% das personagens femininas com falas nesse conjunto de obras eram brancas; em termos de idade, 35,2% tinham de 30 a 39 anos.

Como resume Amanda, “a representatividade no cinema ainda está muito aquém do deveríamos esperar dentro de um conceito amplo de diversidade”.

“Será uma imensidão de beleza e aprendizado quando as vozes de mulheridades negras, indígenas, LGBTQIAPN+, PCDs, e muitas outras começarem a dividir esse espaço de protagonismo. Quero continuar conhecendo histórias narradas por mulheres e suas diversidades”, defende Amandyra.

Ausência de mulheres ainda é acentuada em categorias

Entre as cinco atrizes indicadas ao Oscar, no entanto, esse perfil historicamente privilegiado no cinema é minoria. O grupo composto por Fernanda Torres, Demi Moore, Karla Sofía Gascón, Cynthia Erivo e Mikey Madison desponta como diverso: as três primeiras têm mais de 50 anos, Cynthia é negra e Karla, uma mulher trans, por exemplo.

Apesar disso, é importante ressaltar, por exemplo, que Cynthia é somente a segunda atriz negra a receber mais de uma indicação na categoria. Já Karla é a primeira mulher abertamente trans a ser indicada.

Em termos de idade, as indicações e até vitórias têm sido mais diversas, em especial em anos recentes. “Muitas atrizes ao passarem dos 50 anos eram esquecidas pela Academia.  É de fato muito interessante perceber que, de uns cinco anos para cá, muitas atrizes experientes foram premiadas”, ressalta Raiane.

Frances McDormand e Michelle Yeoh venceram o Oscar de Melhor Atriz quando já tinham passado dos 60 anos
Legenda: Frances McDormand e Michelle Yeoh venceram o Oscar de Melhor Atriz quando já tinham passado dos 60 anos
Foto: Chris Pizzello / POOL / AFP; Patrick T. Fallon / AFP

Exemplos recentes de vitoriosas incluem Frances McDormand, em 2021, e Michelle Yeoh, em 2023, ambas laureadas após os 60 anos. Observando os últimos 25 anos, foram sete as artistas na faixa dos 50 anos ou mais que venceram o prêmio de Melhor Atriz.

Amandyra torce que tais movimentos não sejam “tendência passageira, mais um hype, e sim um reflexo de avanços em nossos diálogos como povo, que reconhece a pluralidade como educação e a qualidade da atuação feminina no setor do audiovisual”.

Esse cenário deve ser entendido como necessário, expandido pras diferentes maneiras de ser mulher, e defendida por todos nós que queremos um bom cinema e muitos filmes para assistir. Imagina ter filmes da Chloé Zhao, Elzhan Palcy, Danny Barbosa, Denise Ferreira, Wara com frequência pra assistir, que sonho
Amandyra
atriz

Apesar de também reconhecer avanços dos últimos anos, a diretora e roteirista Amanda Pontes lembra de outras ausências acentuadas no próprio Oscar. “Se pegarmos por exemplo categorias técnicas e criativas da mesma premiação, essa diversidade já não é tão presente”, ressalta.

A cineasta Coralie Fargeat, de 'A Substância', é a única mulher indicada a Melhor Direção em 2025
Legenda: A cineasta Coralie Fargeat, de "A Substância", é a única mulher indicada a Melhor Direção em 2025
Foto: Etienne Laurent / AFP

“Se pegarmos a própria categoria de melhor filme, por exemplo, dos 10 indicados apenas um é dirigido por uma mulher”, ressalta. A cineasta em questão é Coralie Fargeat, que assina roteiro e direção do horror “A Substância” — ainda assim branca e europeia, como ressalta Amanda — e é a única mulher indicada a Melhor Direção em 2025.

Kathryn Bigelow, Chloe Zhao e Jane Campion são as únicas mulheres vencedoras do Oscar de Melhor Direção em quase 100 anos de premiação
Legenda: Kathryn Bigelow, Chloe Zhao e Jane Campion são as únicas mulheres vencedoras do Oscar de Melhor Direção em quase 100 anos de premiação
Foto: The Academy / Reprodução

Nos quase 100 anos de história do Oscar, foram somente dez as vezes em que cineastas mulheres competiram na categoria, metade delas ocorridas de 2020 para cá. Em termos de vitórias, foram somente três:

Kathryn Bigelow, por 'Guerra ao Terror', em 2009; Chloé Zhao, por 'Nomadland', em 2021; e Jane Campion, por 'Ataque dos Cães', em 2022

Filmes com diretoras e roteiristas têm mais protagonismo feminino, aponta estudo

O mesmo estudo da Universidade de San Diego aponta que, no escopo das maiores bilheterias, filmes com pelo menos uma mulher na direção e/ou no roteiro tiveram porcentagens maiores de protagonistas femininas do que filmes de homens como diretores e/ou roteiristas— 81% e 33%, respectivamente.

Já no Oscar, apesar da ausência de diretoras, a maioria dos longas indicados a Melhor Filme neste ano tem protagonismo feminino: além dos cinco protagonizados pelas indicadas a Melhor Atriz, há ainda “Duna: Parte 2”, com Zendaya como destaque. Desses seis, apenas um é de uma diretora.

“Mesmo que o filme seja protagonizado por mulheres, a direção, como o próprio nome diz, encaminha nosso olhar”, lembra Amandyra. “Estamos sempre acompanhando roteiros, pontos de vista, histórias, subjetividades e memórias da perspectiva deles. Não podemos nos limitar assim”, segue a atriz.

Zendaya em cena no filme 'Duna: Parte 2'
Legenda: Zendaya em cena no filme "Duna: Parte 2"
Foto: Chiabella James

É como Amanda — cujo longa de estreia, “Quando Eu Me Encontrar”, codirigido com Michelline Helena, foi lançado no ano passado — também lembra: “Essa é uma voz que historicamente teve muito pouco espaço de expressão, ainda hoje em números vemos o enorme abismo de gênero quando falamos de profissionais nessa posição”.

O trabalho de Amanda e Michelline, por exemplo, foi somente o 9º filme cearense lançado comercialmente entre 1995 e 2024 que foi dirigido por mulheres.

“Através dessa autoralidade se constrói, mesmo a passos muito lentos, uma formação discursiva que retira a figura masculina e patriarcal do centro de todas as narrativas e se expande, pouco a pouco, a percepção de uma cultura muito mais vasta que isso”, defende.

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“Ter mulheres na arte, e mulheres que pensam seu papel social e político, é essencial para construção do imaginário diferente daqueles ditados pelos homens”, dialoga Raiane. A pesquisadora, no entanto, também lembra que é necessário complexificar o olhar para essas questões. 

“Nem todo filme com protagonismo feminino é feminista, nem toda protagonista é feminista, assim como nem todo filme dirigido por uma mulher é feminista”, considera.

“Uma realizadora mulher, pelo lugar de fala, tem mais parâmetro para construir uma personagem feminina mais coesa, mas isso não pode ser regra. Isso não quer dizer que as mulheres tenham que fazer só filmes com personagens mulheres e para mulheres. Pensar assim é querer condicionar o trabalho das diretoras, que podem sim querer explorar universos para além da condição de gênero”
Raiane Ferreira
pesquisadora

O que pode ser feito para aumentar a participação feminina 

Entre avanços notáveis e demandas ainda em aberto, o Oscar tem se movido em direção a reforçar aberturas e presenças de perfis minorizados — isso após anos em que movimentos como Oscars So White (Oscars Tão Brancos) e Me Too pressionaram o evento e a própria indústria. 

Renovação no corpo de votantes, com uma acentuada internacionalização dos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS), e até o estabelecimento oficial de “novos padrões de representação e inclusão” foram buscando remodelar a premiação ao longo dos últimos anos. 

Oscar estabeleceu, em 2020, critérios em busca de 'novos padrões de representação e inclusão' na premiação
Legenda: Oscar estabeleceu, em 2020, critérios em busca de "novos padrões de representação e inclusão" na premiação
Foto: AFP

Esses citados “novos padrões” foram estabelecidos em 2020 e definiram que, a partir de 2024, para ser indicado a Melhor Filme um longa precisaria cumprir determinados critérios que incluem a presença de pessoas pretas, amarelas, LGBTQ+ e mulheres não só no elenco ou direção, mas em chefias de áreas, funções técnicas e até equipes de financiamento das obras.

“A indústria precisa reconhecer sua responsabilidade nas escolhas. Equipe, diretores, produtores de elenco, as produtoras que impulsionam os filmes, devem estar empenhados em construir um cinema plural desde antes do que assistimos na tela. É dever de todas as pessoas envolvidas em um projeto cobrar a diversidade de corpos que fazem o trabalho acontecer”, dialoga Amandyra. 

“Vemos muitos filmes com protagonismo negro onde a equipe majoritariamente não é negra, ou que contam a história de mulheres onde elas são a minoria nos bastidores, há uma contradição aí. Vendemos a história desses protagonismos, mas no cerne da coisa não é bem assim, e é com isso que devemos ter atenção e coragem de interferir, principalmente” 
Amandyra
atriz

Para o âmbito local, a atriz ressalta a importância das diversidades estarem também nas curadorias, para que a dos proponentes se potencialize. “Tem muitas vozes esperando pra ecoar”, atesta.

“Apesar de poucas, existem algumas ações afirmativas em editais públicos como chamadas específicas para diretoras, indutores de raça e gênero etc. Mas como uma questão estrutural que é bem mais que o cinema, essa diversidade é algo que se conquista a passos muito lentos e resultados consistentes demoram alguns tempos históricos para acontecer”, pondera Amanda.

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Como ações possíveis, Raiane cita a definição de cotas de garantia de acesso igualitário a financiamentos públicos e estímulo à distribuição de obras comandadas por diretoras, por exemplo. 

“É certo que mulheres estão e sempre estiveram trabalhando no cinema, só que hoje há maior visibilidade pelas lutas dos movimentos dos direitos das mulheres e sua diversidade”, reconhece.

A pesquisadora, no entanto, defende ações “implementadas de forma integrada em setores diversos”. “Não só na realização, mas na liderança de órgãos públicos e privados da indústria criativa, assim como na pesquisa e na crítica de cinema, para que a construção de um saber feminista (não feminino) possa construir novos formas de pensar o ser no mundo e seus mecanismos de expressão”, sustenta.

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