O que a Semana de Arte Moderna pode ensinar para o Brasil de 2022; veja história do evento
Marco na história cultural do País, evento formalizou as ideias em defesa da identidade nacional e o desejo de um país alinhado com o futuro
A Semana de Arte Moderna completa 100 anos. Naquele fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, uma série de apresentações artísticas, exposições e palestras pediam passagem para novas ideias. Um século depois, como a mensagem e atitude destes artistas dialoga com os dias atuais.
Veja também
O contexto político e social de 1922 era notório. Poucos antes, o mundo atravessou o horror da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). No Brasil, as engrenagens da industrialização empurram a urbanização das capitais. O “Centenário da Independência” era o grande marco histórico daquele ano.
Para as mentes por detrás da Semana, a data era simbólica pelo anseio de mudança que ela carrega. Representava a urgência dos brasileiros terem uma cultura livre e independente. A influência da Semana de 22 foi objeto de estudo ao longo das décadas, permitindo o debate acerca de inúmeros temas como representatividade, pioneirismo, moda, música,Carnaval e inclusão.
Para a professora e curadora Regina Teixeira de Barros, a importância deste evento passa pela discussão que vem sendo testemunhada nestes 100 anos. “A Semana sempre passa por revisões, o que é positivo, pois novas interpretações e fatos passam a ser analisados e pesquisados”, compartilha.
O que foi a Semana de Arte Moderna de 1922
Segundo o professor de história, Italo Gomes, o mundo respirava ares de mudança, de transformação. De valorizar a vida após o massacre da Primeira Guerra. Nos EUA, os "loucos anos 20" tinham como pauta principal a liberdade. As mulheres buscam mais espaço.O jazz seguia cenário efervescente.
No Brasil, enumera, a década inicia a decadência das oligarquias. Em 1922, o tenentismo avança contra a "política café com leite" e o voto controlado. A criação do partido comunista brasileiro remodela o cenário político. Anos antes, em 1917, acontece a primeira greve nacional. A sociedade queria mudanças e a Semana de Arte Moderna ilumina esse anseio.
"A Semana representa, intelectualmente, uma nova maneira de enxergar o mundo, vindo desse modernismo internacional. Enxergar fora do classicismo, sob uma nova ótica, fora do tradicionalismo, rompendo costumes atrasados e conservadores da elite brasileira. Ser 'moderno' e ver o mundo assim. Essa condição do olhar diferente, se demonstra na estética das obras". Simbolicamente, traz esse olhar, esse vento de mudança", avalia Italo Gomes.
Assim, entre os dias 13 e 17 daquele mês, intelectuais, pintores, escultores, músicos e escritores como Menotti dei Picchia, Mário e Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Graça Aranha, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, entre outros, reuniram-se para mostrar suas obras e releituras.
A missão destes artistas era a ruptura com o velho e a divulgação da dita arte moderna aos brasileiros. Contudo, as ideias modernistas já circulavam muito antes da realização da Semana. O evento pontua um momento de curva dessa busca por renovação.
“O que acontece no Teatro Municipal em 22 é a primeira organização institucionalizada, ainda que institucionalizada por um grupo de elite, pequeno. Mas não diminui a importância do fato de um grupo ter se posicionado por essa vontade de modernização”, descreve Regina Teixeira.
Recepção e consequências
Os mecenas Rene Thiollier (industrial) e Paulo Prado (comerciante) patrocinaram o aluguel do Teatro Municipal. Mal podiam adivinhar o barulho que as três noites de evento iria provocar. A proposta de mudança atraiu reações acaloradas. Em meio às apresentações da mostra, o público respondia com vaias, indignações e xingamentos.
Mesmo com o olhar torto da sociedade, a mensagem pretendida pelo grupo vingou. "O evento no Teatro teve repercussão muito pequena. Ela vem depois, no final dos anos 1930 e 1940. Aí, sim. Você começa a falar da Semana, discutir importância", nos conta Regina Teixeira.
Ao defenderem outra perspectiva estética e a independência cultural do Brasil, o Modernismo iluminou a urbanização e industrialização das metrópoles. Estabeleceu tentáculos em outros pontos geográficos do País nação. Incentivou o experimentalismo e outra consciência na forma de digerir e fazer cultura.
Semana sob reavaliação
“As mudanças seguintes à Semana são muito marcantes, muito mais do que a própria Semana”, reflete a entrevistada. Em meio as comemorações do centenário, uma série de livros e atividades culturais (ver lista) promete ampliar a discussão em torno do tema. Entre as publicações consta “Modernismos 1922-2022”.
Organizado pela professora Gênese Andrade, a obra reúne 29 ensaios inéditos que analisam a Semana de 22 e seus desdobramentos em diferentes áreas do conhecimento. Além de Regina Teixeira, participam nomes como José Miguel Wisnik, Lilia Moritz Schwarcz e Renata Felinto.
Com abertura prevista para 22 de março, uma nova exposição no Centro Cultural Unifor vai analisar as expressões e incidências do movimento modernista no Brasil. A curadoria é assinada por Regina Teixeira de Barros e conta com a consultoria de Aracy Amaral.
Segundo gestora do Espaço Cultural Unifor, Adriana Helena, a mostra traz peças de colecionadores particulares e públicos e deve ficar em cartaz até dezembro deste ano. No centro do debate, a Semana de 1922 como parte de um processo que é maior, de uma vontade de modernização do País. "Vai mostrar como aconteceu esse movimento modernista aqui no Ceará, ressaltando como o Estado se movimentava na época dele”, descreve em matéria publicada pela Revista Unifor.
Mensagem para 2022
Dias antes do centenário da Semana de 22 acontecer, o Brasil testemunha um novo episódio de embate do Governo Federal contra o setor cultural. Alterações anunciadas para a Lei Rouanet podem causar apagão de futuros projetos culturais, estipulam profissionais da área.
Veja também
A semana que antecede a data também foi marcada por declarações e atos que promovem ideias perigosas do passado. Um cenário que destoa da mensagem edificada pelos modernistas 100 anos atrás, a de se pensar o futuro, o novo, a liberdade. Diante do atual cenário, Regina Teixeira que a mensagem dos artistas de 22 pode ser uma força inspiradora.
Isso inclui também um olhar crítico para o que foi a Semana de Arte Moderna. "A representatividade é uma questão que ganha espaço. O debate em torno disso, nos obriga a olhar para trás e nos posicionar no contemporâneo, reconsiderarmos posições. Olhando para o passado e aprendendo com ele, com os erros", finaliza a especialista.
Sobre o legado da Semana para o Brasil 2022, o professor Italo Gomes descreve que o caráter coletivo do evento tem muito a nos ensinar. "Considerando os tempos atuais, temos que valorizar a arte como forma de expressão, conhecimento e erudição. Entender que arte é essencial para a expressão do tempo. Não pode ser combatida ou limitada. A Semana de 22 é um exemplo em prol da coletividade, não é uma individualidade, é para todos. Esse é deveria ser o verdadeiro nacionalismo", conclui o entrevistado.
Livros e eventos sobre a Semana de 22
Debate
O canal de YouTube da Companhia das Letras transmitiu a Jornada Modernismos, que reúne uma série de conversas sobre a Semana de Arte Moderna. Os encontros avaliam o contexto histórico, social, político e cultural em que ocorreu o evento e seus desdobramentos no contexto de seu centenário.
Curso
Online, a formação "O Que Fez o Moderno com o Carnaval? – Por entre Nacionalismo, Africanismos e Identidade Brasileira" foi disponibilizada pelo Sesc. O pesquisador e educador Uila, propõe ampliar o olhar, para além do Sudeste, sobre as mudanças e avanços que o modernismo trouxe na virada do século XIX para o XX, por meio da análise do Carnaval de Salvador. De 15 a 19/2, das 20h às 22h e sábado, das 15h às 17h. Inscrições gratuitas aqui.
Podcast
Com estreia no domingo (13/02), o podcast Palavra Alada aborda a primeira fase do modernismo, de 1922 a 1930, como tema de seu primeiro episódio. O projeto é uma extensão da série audiovisual homônima da TV Escola, e já tem previstos mais dois episódios, que correspondem às duas fases seguintes do movimento (entre 1930 e 1960), ainda neste ano. O podcast tem apresentação da atriz Drica Moraes e curadoria do escritor, poeta e acadêmico Antônio Carlos Secchin.
Livros
“É Apenas Agitação: A semana de 22 e a reação dos acadêmicos nas célebres entrevistas de Peregrino Júnior para O Jornal”, de Nélida Capela.
"O guarda-roupa modernista", de Carolina Casarin.
"A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica", de Eduardo Jardim.
Quiz sobre a Semana de Arte Moderna