‘Marqueteira de Santo Antônio’: quem é a cearense que há 25 anos faz simpatias para ajudar solteiros

Socorro Luna, advogada e 'devota desde o útero', é famosa pelas simpatias para quem quer casar

Escrito por
Ana Beatriz Caldas beatriz.caldas@svm.com.br
(Atualizado às 10:06)
Socorro Luna, a 'solteirona de Santo Antônio', na sala de casa: alegria e devoção ao padroeiro
Legenda: Socorro Luna, a 'solteirona de Santo Antônio', na sala de casa: alegria e devoção ao padroeiro
Foto: Ismael Soares

Mesmo em meio a dezenas de outras casas coloridas e enfeitadas com adereços juninos, uma residência se destaca na Rua do Vidéo, no Centro Histórico de Barbalha. É ali, numa pequena casa magenta, que fica localizado um dos mais famosos pontos turísticos da cidade, principalmente durante a Festa do Pau da Bandeira: o lar da devota Socorro Luna, 71, conhecida como “a solteirona de Santo Antônio”.

O “título” até pode parecer pejorativo à primeira vista, mas é replicado com carinho pelos barbalhenses e ostentado com orgulho pela advogada – que, aliás, afirma que só continua solteira por desejo próprio, já que “pretendente não falta”.

Casa de Socorro Luna, na Rua do Vidéo, vira ponto turístico durante a festa
Legenda: Casa de Socorro Luna, na Rua do Vidéo, vira ponto turístico durante a festa
Foto: Ismael Soares

A origem da mítica da solteirona data de 25 anos atrás, quando a Festa de Santo Antônio de Barbalha já era conhecida, mas a tradição das quermesses – que, desde sempre, eram realizadas no entorno da Igreja Matriz do município – estava perdendo força. 

“Um amigo meu, de saudosa memória, me chamou e disse: ‘Socorro, a gente não pode deixar essa cultura nordestina, que é nossa, morrer. Vamos colocar isso para a frente?’”, conta.

Como era “devota desde o útero, criada na devoção ao nosso amado padroeiro”, Socorro avaliou o que podia ser feito e decidiu por um caminho diferente: criar simpatias que, ao mesmo tempo, preservassem a tradição do Pau da Bandeira e trouxessem inovação ao festejo.

Era o ‘Pau da Bandeira de Santo Antônio’, mas como nós, nordestinos, de praxe juntamos o profano com o sagrado, passou-se a chamar ‘Pau de Santo Antônio: ‘Vou pegar no pau para casar, vou sentar no pau para casar’. Quer dizer, ficou meio dúbia a história, né? Mas Santo Antônio entende e, lá do alto, ele abençoa tudo isso.”

Segundo Socorro, foi o próprio Santo Antônio que deu o “estalo”. “A árvore que serve de mastro sempre é uma árvore medicinal. Aí eu disse: ‘Quer saber? Vou criar umas simpatias da casca do pau’ e as intitulei ‘simpatias casadoiras’. Minha primeira criação foi o kit ‘Milagre’, com a casca do pau, a medalha de Santo Antônio, a fitinha da sorte”, lembra.

No mesmo ano, decidiu fazer o que se tornaria sua mais famosa criação: o Chá Casamenteiro, feito da casca do Pau da Bandeira. “Aí, meu amor, foi que explodiu”, conta, orgulhosa.

Kit com oração, fitinha e casca do Pau da Bandeira; pinga 'Xô Caritó' e o famoso Chá Casamenteiro
Legenda: Kit com oração, fitinha e casca do Pau da Bandeira; pinga 'Xô Caritó' e o famoso Chá Casamenteiro
Foto: Ismael Soares

Hoje, a bebida é um dos principais símbolos da Festa de Santo Antônio e tem roteiro certo entre o fim de maio e o dia 13 de junho, dia do Santo Casamenteiro. Nas noites que antecedem o festejo, Socorro abre a janela de casa e distribui, gratuitamente, o chá que promete casamento certo. 

Na noite do Pré-Pau (31 de maio) – também conhecida como Noite das Solteironas, em alusão às simpatias –, o chá é distribuído gratuitamente nas quermesses na Rua da Matriz e também vendido em garrafinhas por R$ 30, junto a outras simpatias, como a pinga Xô Caritó e kits com orações e pedaços da casca do Pau da Bandeira. O lucro das vendas, destaca, vai todo para a Paróquia.

Já em 1º de junho, dia do Pau da Bandeira, Socorro Luna volta à famosa janela para distribuir, de graça, o chá a quem dele estiver precisando. “Você não tem noção da loucura. Não dá nem pra contabilizar [quantas pessoas bebem]”, ressalta, animada.

“Tem até uma musiquinha que as pessoas cantam: Socorro Luna, eu quero chá! Eu quero chá, eu quero chá, Socorro Luna, eu quero chá”, cantarola, feliz pelos louros conquistados a serviço de Santo Antônio. 

Símbolo de fé e da cultura popular, a devota é constantemente homenageada em eventos de Barbalha, mas também fora dela: já foi tema de quadrilha junina em Pernambuco e destaque no Carnaval carioca, onde desfilou pela Acadêmicos de Santa Cruz. 

Para ela, a alegria em se tornar famosa consiste, principalmente, em poder levar a devoção ao padroeiro e a originalidade da cultura caririense para outros estados do País. “Nós, barbalhenses, somos muito devotos de Santo António, isso é fato”, pontua. “O que chama muita atenção é o profano, é o ‘pau de Santo António’, que é sui generis”, completa.

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Parceira de Santo Antônio

Devota vê simpatias como uma missão em 'parceria com Santo Antônio'
Legenda: Devota vê simpatias como uma missão em 'parceria com Santo Antônio'
Foto: Ismael Soares

Quem anda por Barbalha na famosa Noite das Solteironas consegue ter noção da comoção que as simpatias de Socorro – sobretudo o Chá Casamenteiro – causam em barbalhenses e turistas.

Quando ela chega à barraquinha em frente à Igreja Matriz, no início da noite do dia 31 de maio, após um dia cheio de entrevistas, visitas e cuidados com a beleza, dezenas e dezenas de pessoas, em sua maioria mulheres, a rodeiam à espera da simpatia “para sair do caritó”.

“Só vou distribuir o chá depois da missa”, declara, de pronto, ao ver a multidão. Religiosa, Socorro faz questão de relembrar que, apesar do teor peculiar e do bom humor, “tradição é coisa séria”, e que “só funciona se rezar”.

Apesar da aparente rigidez, a devota faz questão de dizer que abre as portas – ou melhor, a janela – de casa durante o ano inteiro para acolher quem precisar de seus serviços.

Na 'Noite das Solteironas', dezenas de pessoas marcam presença na barraca de Socorro Luna
Legenda: Na 'Noite das Solteironas', dezenas de pessoas marcam presença na barraca de Socorro Luna
Foto: Ismael Soares

Uma vez, conta, estava tirando um cochilo à tarde quando duas comissárias de bordo, que estavam em Barbalha por poucas horas, pediram, com emoção, para tomar um pouco do chá. “Eu disse ‘se não tivesse, faria agora’, mas eu tinha. Sempre tenho preparado, de um ano para outro”, conta. “Elas oraram com tanta fé, as lágrimas descendo. Olha que emoção, é muito forte isso”, completa.

Questionada sobre o porquê de uma tradição tão antiga vir conquistando novos adeptos, inclusive das novas gerações, Socorro reflete: muita coisa mudou desde que, há 25 anos, ela começou a fazer simpatias; mas a necessidade de se caminhar com alguém ao lado ainda persiste.

“O mundo está muito automatizado, está muito automático. E nós, brasileiros, fomos criados na cultura de ter alguém junto de você, de constituir uma família. Nesse mundo louco que nós estamos vivendo hoje, acho que dificultou ainda mais ter um relacionamento. E quem é que não quer estar feliz ao lado de uma pessoa? Todos nós queremos”, comenta.

A companhia de Socorro Luna, no entanto, é outra. Vive tranquila com sua cadelinha fiel, Luna, e feliz por poder compartilhar com o mundo devoção a Santo Antônio. “Sou altamente feliz com a escolha [que fiz]. Sou a parceira de Santo Antônio, a marqueteira dele na Terra, e isso me basta. Não me falta nada, eu sou completa”, conclui. 

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