'Maestro', um retrato bem íntimo de Leonard Bernstein que acaba de ser lançado pela Netflix
Com direção, roteiro e atuação de Bradley Cooper, o longa já estreia com três indicações ao Globo de Ouro e pode ir além
É uma estreia com cheiro de prêmios. Assim 'Maestro' vem sendo apontado pela maioria dos críticos. Tem roteiro inteligente, é fiel à história do biografado, a fotografia é imponente e o trabalho com a edição de som já rendeu uma pré-indicação ao Oscar 2024. Mas, se fará sucesso entre o grande público, acostumado a títulos com apelos mais populares, aí já são outros 'quinhentos'.
No Brasil, Bernstein é praticamente um desconhecido do grande público, apesar de sua grandeza e influência na música clássica e de sua contruibuição ao teatro e ao cinema. Famoso como maestro, compositor e pianista, ganhou Grammys, Emmys e compôs para balés, óperas e musicais icônicos da Broadway como 'West Side Story', adaptado depois para a telona.
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Bradley Cooper sabia dos desafios que tinha em mãos quando decidiu, há cinco anos, que faria esse filme. A produção, definitivamente, não tem apelo fácil o que exige mais compromisso em meio a um cenário artístico onde as ideias, via de regra, são direcionadas ao consumo imediato, assim como são substituídas na mesma velocidade em que alcançam o sucesso.
O universo de 'Maestro' nos leva a outro momento, onde música, teatro, filmes eram feitos para atravessar gerações, para inspirar os que viriam em seguida. E nesse mundo, Leonard Bernstein era pródigo.
Mas não é apenas a carreira do artista aclamado que veremos em cena. E nisso reside um dos atrativos do filme de Cooper. A primeira cena mostra o maestro já bem castigado pelo peso dos anos (ótima caracterização). Diante de seu piano, sob holofotes, ele começa a sua reflexão. E como se estivesse sozinho, se transporta em pensamento, levando consigo o espectador.
Bernstein tinha 25 anos quando foi convocado a liderar a Filarmônica de Nova York em substituição a um regente famoso que havia adoecido. O ano era 1943 quando público e críticos aplaudiram o jovem prodígio que, daí em diante, escreveria novo capítulo da música clássica nos Estados Unidos.
Assim como em 'Tár', filme sobre a maestrina/compositora Lydia Tár listado entre os melhores de 2022, 'Maestro' mostra as várias facetas do músico norte-americano. Seus múltiplos amores, suas escolhas, a relação com a popularidade, a grandiosidade de sua obra. Acertos e erros de um gênio demasiadamente humano.
Atuação visceral
Bradley Cooper confessou ser um apaixonado pela história de Bernstein. E por isso mergulhou fundo no projeto. Primeiro, com o roteiro, que assinou junto com Josh Singer. Depois, na composição imagética do maestro, com uma caracterização que atravessa décadas de vida do músico. Jovem, maduro, idoso! Para interpretar com a maior veracidade possível, Cooper fez aulas com grandes regentes e estudou em detalhes o funcionamento das salas de concerto e até dos fossos de uma grande orquestra. Também precisou passar horas na estação de maquiagem. O resultado é uma atuação visceral.
Por fim, Cooper imprimiu seu estilo na direção com cenas visualmente arrebatadoras, diálogos bem dosados, fotografia certeira e muita intensidade dramática. Repetindo o que fez em sua estreia atrás das câmeras, em “Nasce Uma Estrela”, optou por mesclar imagens coloridas e cenas em preto e branco. Nesse caso, uma estratégia que se encaixa muito bem à composição da obra. E juntando tudo, o resultado é emoção.
Para acompanhá-lo em cena, convidou Carey Mulligan, uma das artistas mais brilhantes de sua geração. A ela cabe o papel da esposa, Felicia Montealegre Cohn Bernstein. Na trama, Mulligan é a atriz nascida na Costa Rica e a mãe dos três filhos de Bernstein. Acima de tudo é uma mulher pressionada pela fama do companheiro e pelas inúmeras traições do marido.
Sonho americano
Diante de todas as facetas de Bernstein, Bradley Cooper, optou pela história familiar de um americano que venceu na vida. O músico nasceu em uma lar de imigrantes judeus-russos que escaparam da falência na terra-natal. Contrariando a lógica, o jovem transformou o nome da família em sinônimo de genialidade cultural.
No filme, vemos os pontos altos e baixos de um homem que tentou equilibrar seus desejos e amores por outros homens com a vida em família, ao mesmo tempo em que sua música conquistava o mundo.
Na trama, vemos que o relacionamento entre marido e mulher sempre foi tenso. Os dois se conheceram em uma das festas glamourosas que reuniam nomes importantes de Hollywood. A reconstituição dessa atmosfera à la "Gatsby" é impactante. Ali se vê que a personalidade de Lenny, como Leonard era chamado pelos amigos, é magnética. Felicia, embora popular, apenas orbita em torno do jovem com quem viria a casar, acreditando no conto de fadas americano.
Bastidores da fama
O final chega, mas não é feliz para ela que logo viria a descobrir os casos do marido. Além de ofuscar a presença de Felicia, Bernstein, soube-se depois, era gay (para alguns, bissexual). Entre seus muitos casos, um dos mais rumorosos envolveu David Oppenheim, interpretado por Matt Bomer.
Em certa altura do filme, as memórias de Lern inundam a tela de forma bem teatral. Como se sonhasse em forma de um musical, ele celebra o amor e a admiração que, apesar dos pesares, tinha pela esposa.
A cena belíssima não deixa porém de provocar um imenso Déjà-vu para quem viu 'De-Lovely - Vida e Amores de Cole Porter'. Assim como Bernstein, Potter era um músico magistral que mudou a forma de se fazer musicais e teve sua obra celebrada em várias partes do mundo. Potter igualmente se casou com uma mulher que admirava, Linda, mas apenas para manter um casamento de fachada enquanto conquistava os mais belos dançarinos, cantores e atores com quem cruzava.
Em 'De-Lovely', a vida de Potter é contada como uma montagem teatral que revela seus fantasmas e suas vitórias. Se a cena semelhante de 'Maestro' é uma alusão reverente ou mera 'coincidência', só Bradley Cooper dirá...
Ainda assim, não falta originalidade no filme que evita a narrativa fácil e melodramática para oferecer performances tão poderosas quanto as sinfonias no 'Maestro'.