'Resistência': em qual mundo viveremos quando a Inteligência Artificial prescindir de humanos?

Com estética cyberpunk, o filme em cartaz nos cinemas de Fortaleza oferece uma boa oportunidade de refletirmos mais sobre o uso que fazemos das novas tecnologias

Escrito por Marlyana Lima , marlyana.lima@svm.com.br
Homem negro e criança asiática caminham em cenário futurístico
Legenda: Em meio à guerra entre homens e máquinas, o agente Joshua (John David Washington) descobre que Alphie (Madeleine Yuna Voyles), uma IA com aparência de criança, é a grande arma dos inimigos
Foto: Foto: 20th Century Studios

A relação entre os humanos e os seres criados pela Inteligência Artificial (IA) já rendeu livros, série e filmes antológicos. A premissa de máquinas inteligentes e autosuficientes no comando do mundo vem atiçando a criatividade de algumas mentes brilhantes, muito antes de sonharmos com a Quarta Revolução Industrial.

Apenas seis anos após Alan Turing ter criado as bases da computação, o russo Isaac Asimov nos assombrava com “Eu, Robô”, uma coletânea de nove contos que ajudaram a dar visibilidade a obras literárias do gênero. Além dele, Philip K. Dick e Arthur Clarke leveram a ficção científica a um patamar onde a tecnologia se entrelaça a questões morais e éticas, resultando em obras-primas.

O diretor britânico Gareth Edwards é um dos fãs confessos do gênero. Depois do sucesso de “Rogue One”, longa que faz parte do universo “Star Wars”, ele apresenta seu novo filme, “Resistência”. A produção é menos ambiciosa, mas tem roteiro original e, além da ficção, entrega drama e ação em um espetáculo visual no melhor estilo cyberpunk.

Robô segurando uma arma observa a paisagem
Legenda: O diretor e a equipe de efeitos especiais criaram um mundo rico em detalhes, com cenários grandiosos e desgastados pela guerra
Foto: Foto: 20th Century Studios

Para abraçar esse projeto, o cineasta ficou quase sete anos, ausente da cena. Voltou com  vontade de explorar um tema que divide opiniões: o uso que estamos fazendo da Inteligência Artificial. O longa é visualmente impecável, mas derrapa no excesso de referências a outros filmes marcantes, principalmente a saga “Guerra nas Estrelas”. 

Há também outros elementos que nos levam a histórias já contadas. Para compensar um pouco a sensação de “Dèjávu”, o filme se vale de um trunfo, digamos, ambíguo. Vilões e heróis não são tão óbvios.

Criador e criatura 

“Resistência” - cujo título original é “O Criador” que, diga-se de passagem, faz muito mais sentido - se passa em meio a uma guerra futura entre a raça humana e as forças da inteligência artificial. 

Vá lembrando aí quantos longas já exploraram esse argumento além dos icônicos “Exterminador do Futuro”, “Matrix” e, claro “Eu, Robô”... Ainda assim, o filme guarda uma boa surpresa para o final.

Na trama, o espectador é colocado em meio a uma guerra que começa após um incidente no qual a IA criada para proteger a humanidade lança uma ogiva nuclear nos Estados Unidos. 

John David Washington (de “Tenet” e “Infiltrado na Klan”) é Joshua, um ex-agente das forças especiais que tem a vida devastada pelo desaparecimento de sua esposa Maya (Gemma Chan).

Amor antes da paz

Mulher jovem, de cabelos curtos e aparência asiática usa traje espacial
Legenda: Maya (Gemma Chan), a esposa do agente especial americano, foi criada por máquinas inteligentes
Foto: Foto: 20th Century Studios

Recrutado para uma missão  que pode acabar com o confronto definitivamente, Joshua aceita a empreitada não pensando na paz ou na humanidade, mas sim em conseguir encontrar a mulher que ama.

Para cumprir a missão, Joshua terá que destruir a IA chamada Nirmata (O Criador) que supostamente teria desenvolvido uma arma (Alpha-01) com o poder pode dizimar a humanidade. Parece irônico, quando lembramos que o ser humano é, na verdade, o grande mestre em criar armadilhas apocalípticas.

Nessa distopia, a humanidade é caçada e precisa se defender de sua própria criação: a IA, uma força que evoluiu de forma exponencial à medida que os homens se tornavam cada vez mais dependentes das comodidades atreladas às tecnologias. Afinal, como viveríamos sem internet, sem celulares, computadores? Como manter a economia mundial sem os sistemas ciber-físicos, a Internet das Coisas e a revolucionária Nuvem? Enfim...

Para garantir que a humanidade não seja extinta, Joshua e sua equipe partem para um território sombrio ocupado pelas máquinas e onde ele supõe que Maya esteja.

Frente à realidade

Garota de cabelos raspados interage com um grande robô
Legenda: Com consciência e vontade própria, Alphie questiona por que os robôs não podem ser livres como os homens
Foto: Foto: 20th Century Studios

É nesse ponto que o filme toma um rumo mais dramático. O homem escolhido para eliminar a máquina mortífera descobre que a arma é, na verdade, uma IA em forma de criança asiática (Made in China? Será?!). 

De aparência andrógina, Alphie (o Alpha- 01) é interpretada pela atriz Madeleine Yuna Voyles, de 9 anos. Sua caracterização, aliás, nos faz lembrar de Ava, a andróide de “Ex-Machina - Instinto Artificial”.

Sorridente, esperta e com uma incrível capacidade de confrontar idéias humanas, Alphie é  uma criança-robô, com inteligência e doçura semelhantes às de David, de “A.I”, obra idealizada por Stanley Kubrick e concretizada por Steven Spielberg.

As questões metafísica e filosóficas perpassam as falas. “O que é o Paraíso”?, questiona o pequeno robô ao seu provável algoz. Ouve então que o Paraíso é o “céu”, lugar para onde vão apenas as pessoas boas. “Você, vai pro céu”?, continua a “criança”. Ao que ouve um não. O homem diz que não é uma pessoa digna. “Então, nós dois não vamos para o céu. Você porque não é bom. E eu não sou uma pessoa”, confirma máquina revestida de infância.

Além da dialética e de perguntas profundas, Alphie carrega consigo um segredo, envolvendo  sua criação, capaz de mudar tudo em que se acredita. 

Ecos da vida real

Imagem mostra uma guerra entre homens e grandes máquinas com aspecto de naves
Legenda: A equipe de produção gravou parte das cenas em locações reais no Vietnã, no Nepal e na Tailândia
Foto: Foto: 20th Century Studios

No elenco estão Ken Watanabe, Sturgill Simpson, Yuna Voyles e a premiada Allison Janney. Todos nomes festejados da indústria cinematográfica. A mesma indústria que atualmente assiste a greves de atores que temem perder seus empregos para a tecnologia. Faz a gente pensar no paradoxo, não?

No filme, os complementos digitais são usados na medida certa. É  um componente importante, mas não se sobrepõe à história. Com um orçamento de US$ 80 milhões, valor considerado baixo para um projeto do gênero,  o diretor e sua equipe de efeitos especiais criaram um mundo rico em detalhes, com cenários grandiosos e desgastados pela guerra.

A fotografia é irretocável, daquele tipo que enche os olhos. E tem um bom motivo  para provocar essa sensação. A equipe de produção gravou parte das cenas em locações reais no Vietnã, no Nepal e na Tailândia. Os toques digitais só foram incluídos depois da pré-edição.

Referências

No meio de colinas, um robô vestido com capa vermelha, observa nave espacial
Legenda: Em muitas cenas, as referências visuais fazem alusão à saga 'Star Wars'
Foto: Foto: 20th Century Studios

Ainda assim, os fãs da ficção científica raiz, podem se incomodar com a quantidade de referências - no  roteiro e na criação de personagens - pulando na tela a todo instante.Por outro lado, há os entusiastas do roteiro original. O filme não se baseia em nenhum livro, conto, dissertação ou artigo. Outro ponto a favor é a forma como os arcos se fecham até a grande reviravolta que abala esse futuro disruptivo.

Um dos maiores acertos é a representação das inovações tecnológicas na pele de uma criança - que em tese pode  crescer, ser educada e preparada para o bem ou para o mal - e nos remete ao uso que estamos fazendo da IA, uma força que pode nos dar esperança ou abalar sociedades com um simples bug.

Sim, a abordagem e a atualidade do tema, sobre o qual muitos falam e tomam diferentes posicionamentos, faz “Resistência” valer o ingressso.