Quer conhecer a história do Mucuripe? Jogo gratuito em realidade aumentada traz memórias de patrimônios de Fortaleza

Projeto “Luzes do Tempo” homenageia a Igreja de São Pedro dos Pescadores e a cultura pesqueira da região da capital cearense

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
(Atualizado às 09:39)
Igreja de São Pedro dos Pescadores, no Mucuripe, é destacada em jogo em realidade aumentada criado a partir de projeto ligado ao curso de Design da UFC
Legenda: Igreja de São Pedro dos Pescadores, no Mucuripe, é destacada em jogo em realidade aumentada criado a partir de projeto ligado ao curso de Design da UFC
Foto: Davi Rocha

Quem passa pelo número 4600 da avenida Beira Mar, em Fortaleza, passa também por uma porção relevante da história da capital cearense — ainda que, por vezes, esquecida e ameaçada. É lá onde resistem, firme na simplicidade, a Igreja de São Pedro dos Pescadores, marco do Mucuripe, e as tradições ligadas ao local.

Patrimônios culturais da Cidade, a Igreja — fundada em 1852 —, os festejos de São Pedro e a própria cultura pesqueira são os elementos destacados pelo projeto “Luzes do Tempo”, ligado ao Laboratório de Experiências Digitais (LED) da Universidade Federal do Ceará, que traz um jogo gratuito em realidade aumentada para partilhar ensinamentos históricos e reflexões contemporâneas ligados à região.

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“Mucuripe Go”

Com a câmera do celular, se adentra na proposta do projeto. Basta fazer a leitura de um QR Code — estampado num “mobiliário urbano” em frente ao local ou por meio do link na bio do perfil @rx_led no Instagram. Não há necessidade de baixar aplicativo, basta usar o navegador do celular.

Minijogo sobre a Igreja de São Pedro dos Pescadores não demanda download de aplicativo, rodando no navegador do celular
Legenda: Minijogo sobre a Igreja de São Pedro dos Pescadores não demanda download de aplicativo, rodando no navegador do celular
Foto: Davi Rocha

Como no conhecido jogo “Pokémon Go”, é possível ver pela tela elementos virtuais ligados à Igreja e à história do Mucuripe “surgindo” na paisagem real captada pela câmera. O usuário precisa encontrar “itens perdidos” que, quando achados, partilham o histórico da Igreja, do desenvolvimento urbano ao redor dela e outros aspectos.

As imagens que surgem na tela são inspiradas na estética do pintor cearense Raimundo Cela (1890-1954), reconhecido por trabalhos, entre outros, que retratam pescadores e diferentes elementos do litoral do Estado.

Tal escolha teve motivações técnicas — para deixar a experiência mais leve, por exemplo —, mas também serviu como forma de destacar diálogos possíveis entre o Mucuripe e a obra do artista sobralense. 

Em prol da preservação da memória

A escolha por ressaltar a Igreja de São Pedro dos Pescadores — que foi, junto das práticas culturais dos pescadores, tombada como patrimônio cultural de Fortaleza em 2012 — vem desde a gênese do projeto. 

Patrimônio cultural de Fortaleza, Igreja de São Pedro dos Pescadores tem histórico centenário
Legenda: Patrimônio cultural de Fortaleza, Igreja de São Pedro dos Pescadores tem histórico centenário
Foto: Davi Rocha

“É uma história muito profunda, muito interessante, e a gente queria homenagear esses personagens principais que são ela, os pescadores e a própria cultura pesqueira”, destaca Diego.

- Para compor os dados históricos que aparecem no mobiliário e no jogo, a equipe teve um trabalho de pesquisa em diversas fontes:

- Duas dissertações publicadas na UFC: “Os regimes imagéticos das festas do Mucuripe” (2015), de Lucas Bezerra Gondim, defendida no mestrado em Geografia, e “Patrimônio em Disputa: um estudo de caso sobre o tombamento da Igreja de São Pedro dos Pescadores” (2018), de Saruanna Dias de Carvalho, ligada ao mestrado em Sociologia; 

- Documentários;

- Projeto Acervo Mucuripe;

- Entrevistas com pescadores durante os festejos de São Pedro e na Colônia Z8, incluindo figuras como Seu Possidônio e Seu Antônio Banqueiro.

Toda a experiência, então, funciona como uma forma de estimular os usuários a “indagar o que é a memória e o que é o nosso papel em preservá-la”. “A gente é a favor do desenvolvimento quando há preocupação com a memória, com as nossas raízes. A Igreja está sofrendo desde sempre, se a gente for ver na História, muitas ameaças”, ressalta o professor.

Nos banners interativos que compõem o jogo, além dos elementos históricos, há também “elementos críticos, questionamentos, para fazer essas indagações dentro da cabeça de quem passa”.

Jogo destaca reflexões contemporâneas e estimula a preservação dos patrimônios em meio ao desenvolvimento urbano
Legenda: Jogo destaca reflexões contemporâneas e estimula a preservação dos patrimônios em meio ao desenvolvimento urbano
Foto: Davi Rocha

“Pode ser que a especulação imobiliária queira, um dia, colocar muito dinheiro ali, comprar aquele terreno e, assim, a gente perderia um dos poucos resquícios de memória que a gente tem”, aponta Diego.

“É o primeiro patrimônio de que se tem registros fora do Centro da Cidade. A gente não pode se dar a ‘oportunidade’ de perdê-lo e de se permitir ignorar a existência dele. O progresso pode ser atrelado à memória, não precisa uma coisa negar, cancelar ou destruir a outra”, defende.

Realidade virtual aplicada à educação

“Luzes do Tempo” foi concretizado a partir de recursos públicos e privados. O projeto foi contemplado pelo 9º Edital das Artes, da Prefeitura de Fortaleza, e também contou com financiamento da Meta e da Unity Engine, empresa de desenvolvimento de games.

Mobiliário urbano do projeto traz tutorial para abrir o jogo, informações sobre o projeto e dados históricos sobre a Igreja
Legenda: Mobiliário urbano do projeto traz tutorial para abrir o jogo, informações sobre o projeto e dados históricos sobre a Igreja
Foto: Davi Rocha

Os valores foram investidos tanto na formação de alunos ligados ao projeto da UFC em áreas como realidade estendida e produção 3D para jogos, quanto na concretização do próprio game e também do mobiliário urbano instalado no calçadão da Beira-Mar, em frente à Igreja, feito em parceria com o artista Narcélio Grud.

Segundo Diego Ricca, professor do curso de Design e diretor geral da experiência, o jogo vem na esteira de uma ênfase que guia a trajetória acadêmica dele e, também, o trabalho do próprio LED, ligados ao uso de realidade virtual na educação.

Mais experiências em realidade aumentada

Além do projeto “Luzes do Tempo”, outras iniciativas que exploram as possibilidades da realidade aumentada também foram produzidas no escopo do LED da UFC. 

Uma delas, o aplicativo “Conversas de Altamira”, trouxe histórias da rua Padre Justino. A iniciativa foi fruto de uma chamada pública do Instituto Iracema, organização social ligada à Secretaria da Cultura de Fortaleza. 

Em outra vertente, o laboratório também se envolveu com a obra imersiva “Do ponto ao patrimônio”, que foi exposta no Museu da Imagem e do Som do Ceará no ano passado.

A próxima iniciativa do projeto de pesquisa em realidades expandidas do LED se debruça no Castelo do Plácido, que foi erguido na Praça Luiza Távora em 1921 e demolido em 1974. Em desenvolvimento, “Arquitetura Fantasma – Palácio Plácido” irá recriar a estrutura por meio da realidade aumentada.

Projeto "Luzes do Tempo" – Experiência imersiva em Realidade Aumentada 

  • Onde: mobiliário em frente à Igreja de São Pedro dos Pescadores (av. Beira-Mar, 4600, Mucuripe)
  • Acesso gratuito via dispositivos móveis 
  • Mais informações: @led_ufc e @rx_led

Créditos de “Luzes do Tempo”:

Diego Ricca (direção geral); Tiago Sarmento (direção de arte), Renato Avelino (Designer de Interação); Jeremias Oliveira e Mateus "Chico" Paulino (UX/UI); Victor Emanuel (Programação Font-end); Luciano Alves, Jerdeth Almeida e Wagner Silva (Ilustração & Cartaz); Narcélio Grud - Amplitude e Diego Ricca (mobiliário); Tiago Sarmento e Gabriel Eduardo (produção 3D); Sara Martins (audiovisual e trilha); Tainah Oliveira, Rubens Félix, Graciele Siqueira - MAUC e Diego di Paula - Acervo Mucuripe (agradecimentos)