Livro promove "ménage literário" ao reunir conto, ensaio e curta-metragem

Lançamento da Relicário Edições traz o escritor Jacques Fux e o crítico, ensaísta e professor Rodrigo Lopes de Barros dividindo inspirações em obra transmidiática

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Mineiro Jacques Fux é afeito à ideia do hibridismo nos trabalhos que assina, algo que também permeia esta mais nova obra
Foto: Divulgação

Em 2015, Jacques Fux escreveu um livro intitulado "Voyeur", no qual dedicou meses – trabalhando, reescrevendo, relendo e fazendo ajustes. Ao término, conferiu o resultado e não gostou. "Me dei conta que era um porcaria", confessa, sem papas na língua, o autor mineiro. No entanto, apreciava uma página específica da obra: a descrição intertextual de uma mulher comendo churro e a ideia de musa/pulsão literária. 

Resolveu, assim, publicar o texto em forma de conto, com o nome “Ménage à Trois” – o mesmo veio a público pela Revista Bula, em 2016. Essa mesma produção volta agora, repaginada, aos olhos dos leitores, e munida de dois bônus: um ensaio (“Jacques Fux, um Pierre Menard tropical”), do crítico, cineasta e atualmente professor assistente de Estudos Latino-Americanos na Universidade de Boston (EUA), Rodrigo Lopes de Barros; e um DVD, com um curta-metragem baseado no conto de Fux, dirigido por Rodrigo.

Todo esse criativo projeto, intitulado “Ménage Literário, Literary Menage, Ménage Literario”, está disponível em edição trilíngue (português, inglês e espanhol) sob a tutela da Relicário Edições. Afeito à ideia do hibridismo – tanto na questão literária, com o uso e abuso de outras obras e autores, quanto no uso de diferentes linguagens, com imagens e sensações – Jacques explica que o curta, por exemplo, não é apenas uma mera mudança do papel para a tela.

"É muito mais! Há um diálogo entre o autor, que está vendo a cena e imaginando o texto; e a atriz, que está interpretando o papel do conto, mas que também 'é' muitas outras personagens literárias. Além disso, essa atriz interpela o autor – quer saber porque está sendo caracterizada daquela forma e o que o autor pensa sobre a realidade, a ficção e a subversão da arte e da vida", descreve.

O panorama fica ainda mais intertextual porque a personagem segura e lê "Brochadas", texto ficcional de Fux direcionado às ex-namoradas dele. "O engraçado é que, na época, a Maria Eduarda (Maria Eduarda de Carvalho, atriz) era minha namorada e estava se questionando como seria ser retratada. Hoje, não estamos mais juntos, então o curta ainda faz mais sentido. Estávamos prevendo o futuro?", arrisca.

Legenda: Cartaz do curta-metragem "Ménage literário"
Foto: Divulgação

Referências

Para além do casamento entre linguagens artísticas, a particularidade de “Ménage Literário, Literary Menage, Ménage Literario” é apresentar as diversas referências do universo das letras que aparecem continuamente no filme – de Baudelaire a Drummond, passando por David Foster Wallace, Susan Sontag, Fernando Pessoa, Vinícius de Morais e James Joyce.

"Em uma cena, o personagem Gustavo Machado, que faz o 'meu' papel, fica excitado e o som que emite de 'prazer' é o som de uma parte importante do 'Ulisses' [obra-prima de James Joyce]. Porém, este cânone literário é rasgado para, logo em seguida, dar espaço ao 'Ménage Literário'", detalha Fux.

Assumindo a direção do curta, Rodrigues Lopes de Barros conta ter sido convidado para adaptar o conto ao cinema, mas acredita que subverteu a proposta na medida em que transformou ficção em documentário, adicionando a ideia de fazer com que a personagem do conto entrevistasse o próprio autor daquela história. "Maria Eduarda, então, elaborou uma entrevista sobre a obra do Jacques, para a qual contribuí com uma ou outra pergunta", diz.

"O que principalmente me interessava da obra do Jacques era o seu método de apropriação literária, a incorporação selvagem da obra de outros autores, o questionamento do mito da originalidade literária, a colagem múltipla, o risco do escândalo, o rompimento de supostas regras autorais tradicionalmente estabelecidas: disso se trata o ensaio, acredito eu".

Ainda que o cinema seja talvez o método preferido de expressão, Rodrigo também atua como crítico literário e, em seu ofício, acabou unindo, assim, os dois mundos: se posicionando na crítica por meio da linguagem audiovisual.

"Havia dirigido um documentário sobre o poeta Chacal, o que me abriu os horizontes para a unificação entre literatura, cinema, tradução, pesquisa, crítica, documentação. O trabalho com o Jacques foi um segundo capítulo nessa jornada, mas, ao mesmo tempo, algo bastante distinto, já que a obra de Jacques está baseada na autoficção, o que resultou num filme híbrido que mescla a ficção e o documentário. Cada filme, cada escritor é um mergulho num mundo singular em que tenho que adaptar a linguagem cinematográfica a um novo universo", considera.

Reflexões

Lançado em um contexto de pandemia, o livro, conforme os autores, endossa o panorama de reflexões ao trazer pontos bastante relevantes. "Acredito que o projeto fala muito da contestação às regras, nesse caso, literárias. Mas essa rebeldia contra o estabelecido pode ser aplicada a outras esferas do vivido", comenta Rodrigues Lopes de Barros.

Por sua vez, Jacques Fux – que confessa ter ficado muito deprimido no início da quarentena, angustiado e temeroso – diz que a tríade de produções pode ser uma porta de entrada para as várias literaturas que estão sendo oferecidas ali. "Quem sabe alguém se sinta atraído pelo churro literário e deseje conhecer um pouco mais da minha obra, da do Rodrigo e das nossas referências?".

Ainda sem previsão de lançamento presencial, o projeto segue, assim, almejando inspirar leitores e contando com o desejo dos autores de, após este turbulento momento, lançá-lo no Brasil e nos Estados Unidos, país onde Rodrigo é professor. "Mais que expectativas, tenho o desejo de que o livro gere o debate, mas isso já não está sob o meu controle", conclui o cineasta e ensaísta.

Ménage literário, Literary menage, Ménage literario (Livro + DVD)
Jacques Fux e Rodrigo Lopes de Barros

Relicário Edições
2020, 132 páginas
R$ 36

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