Kátia Freitas comemora 30 anos de disco que marcou a música cearense

“K”, estreia da cearense Kátia Freitas, será celebrado com série de ações que inclui roda de conversa e show

Escrito por
João Gabriel Tréz joao.gabriel@svm.com.br
Kátia Freitas celebra 30 anos do disco 'K', obra que marcou a música cearense, com série de ações a serem realizadas nos próximos meses
Legenda: Kátia Freitas celebra 30 anos do disco 'K', obra que marcou a música cearense, com série de ações a serem realizadas nos próximos meses
Foto: Larissa Freitas / Divulgação

Era 1995 quando Fortaleza testemunhou de perto o despontar de uma artista que, com letras próximas da poesia, sonoridades arrojadas e produção refinada, alcançou o grande público não apenas da cidade, mas de todo o Brasil.

Com “K”, a cantora e compositora Kátia Freitas lançou um disco de impacto cultural forte e inédito na época ao emplacar sucessos nas rádios, na TV e mobilizar até 6 mil fãs em uma apresentação histórica na Barraca Biruta ainda nos anos 1990.

Tal impacto, diga-se, seguiu, e o trabalho de estreia da artista permanece até hoje como referência na música cearense. Os 30 anos da obra — e a memória de Cristiano Pinho (1964-2024), coprodutor do álbum e parceiro de música e vida de Kátia — serão celebrados nos próximos meses com ações que incluem roda de conversa, participação em projeto de poesia, show e mais novidades.

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Do desejo à coragem de cantar

Ainda que “K” seja considerado por Kátia como a estreia oficial, a música já era elemento inato para ela desde a infância. “A lembrança mais remota que tenho de cantar é Clara Nunes, ‘ê, baiana, baianinha’, com uns quatro anos”, recupera em entrevista por telefone ao Verso.

Essa primeira memória é ligada por ela aos discos de vinil que a família tinha, mesmo sem tantos recursos, e aos recreios no Colégio Cearense, nos quais canções da MPB ressoavam pelos alto-falantes. 

“Isso acordou a música que acho que já vem com a gente e me influenciou nas minhas escolhas”

“O desejo de cantar já veio muito cedo”, ressalta. Lembra de, pequena, “achar que cantava bem”. Chegou a se oferecer como cantora de uma banda na escola. “Não aceitaram”, ri da lembrança

Em entrevista ao Verso, Kátia Freitas partilha lembranças da música na infância, início da carreira e sucesso do disco 'K'
Legenda: Em entrevista ao Verso, Kátia Freitas partilha lembranças da música na infância, início da carreira e sucesso do disco "K"
Foto: Larissa Freitas / Divulgação

A essas referências e experiências iniciais, se somaram outras ao longo da adolescência, período em que começou a reconhecer em si, justamente, a coragem de cantar. O marco principal, aponta, foi a entrada no curso de Psicologia da Universidade Federal, com 16 anos.

“Fui entrando no movimento estudantil, participando das manifestações, e comecei a cantar ali”, lembra. Parte desse “risco” foi tomado pelo estímulo de figuras como o colega de curso Alcio Barroso, hoje compositor e artista plástico, e a professora Ângela Pinheiro.

“Foi nesse ambiente que comecei a cantar e a sentir que esse era o meu caminho. Tinha um desejo enorme de cantar, aqueles desejos que a gente guarda e não tem muita coragem de expor, mas com esse toque do Alcio, me senti com mais coragem de trazer esse desejo à tona”
Kátia Freitas
cantora e compositora

Caminho até a estreia “oficial”

A música e a arte foram tomando os dias de Kátia, que passou a se dedicar a projetos artísticos, incluindo participações em discos coletivos de compositores como Ricardo Augusto, Flávio Paiva, Alan Freitas e Francis Vale, e até viagem à Europa para se apresentar.

Ao retornar do continente europeu, recebeu o convite para participar de um projeto no Piauí, a Banda Ônix. “A gente tinha salário fixo, participação nos shows, gravou no Rio de Janeiro o disco, viajamos todo o interior do estado, do Maranhão, Tocantins. Fui para juntar dinheiro para fazer meu disco”, partilha.

O projeto de “K”, ela contextualiza, surgiu no início dos anos 1990. “Comecei a compor em 1992. A primeira música que compus foi ‘Um qualquer’. Quer dizer, tinha feito uma na época da universidade que eu não considero (risos). Foi a primeira que tive coragem de gravar”, brinca.

“Como foi um disco praticamente feito com recursos próprios, levei algum tempo para gravar. Quando a gente percebeu o resultado da gravação (de ‘Um qualquer’), eu me senti com mais coragem de gravar outras. Fui compondo e vieram ‘Anjos’, ‘Notícias Boas’, ‘Palavra’, tudo no processo de gravação”, contextualiza. É por isso que Kátia considera “K” como a estreia “oficial” da carreira. 

“O disco que a princípio não se pretendia de compositora acabou sendo. Por isso, considero que é o início da minha trajetória profissional, artística, como cantora, intérprete e compositora. Porque ali, de fato, eu estava começando um trabalho meu, dizendo coisas, apresentando composições minhas”
Kátia Freitas
cantora e compositora

Parceiros de música e de vida, Kátia Freitas e Cristiano Pinho coproduziram juntos o disco de estreia da cantora e compositora
Legenda: Parceiros de música e de vida, Kátia Freitas e Cristiano Pinho coproduziram juntos o disco de estreia da cantora e compositora
Foto: Duarte Dias / Arquivo pessoal

Ela destaca ainda a “importantíssima” presença do guitarrista, arranjador, produtor e parceiro de vida Cristiano Pinho (1964-2024) para a concretização do álbum.

“Ele coproduziu o disco comigo, é responsável pelos arranjos e muito da beleza, da atemporalidade, da força desse disco é por causa do Cristiano também”, ressalta.

“As concepções partiam de mim, mas ele sempre foi um produtor muito atento ao que eu queria e sempre contribuindo com a genialidade dele. O Cristiano é fundamental nesse trabalho, na minha trajetória”
Kátia Freitas
cantora e compositora

Repercussão local e nacional

Além das canções já citadas, “K” conta com faixas como “Babe Baby”, de Davi Duarte, e o grande sucesso “Coca-colas e iguarias”, escrita por Valdo Aderaldo. O conjunto das canções teve ampla adesão do público e, com o álbum, Kátia angariou reconhecimento em casa e no País.

“Eu não esperava que tivesse a repercussão que teve. Ele tocou muito nas rádios, fizemos dois clipes. Ele tocou muito aqui, mas também saiu. Os clipes foram para a MTV”, destaca. 

A repercussão foi ainda mais especial, ressalta, por ter sido um trabalho que começou de forma independente. “O disco foi lançado aqui, esgotou. Depois, foi lançado nacionalmente pelo selo Camerati (do músico Belchior) e fui a São Paulo fazer a divulgação”, contextualiza.

Show histórico de Kátia Freitas na Barraca Biruta realizado em 1988 reuniu 6 mil pessoas
Legenda: Show histórico de Kátia Freitas na Barraca Biruta realizado em 1988 reuniu 6 mil pessoas
Foto: Cláudio Lima / Arquivo pessoal

Uma ação “histórica”, como ela define, ocorreu em Fortaleza, por estímulo e ideia de Flávio Paiva: a realização de um show gratuito na Barraca Biruta. “Eu já tinha feito um show lá que tinha dado umas mil pessoas. Mandei fazer 2 mil ingressos achando que, se esgotasse, ia ser uma maravilha. Acontece que foram 6 mil pessoas para o show”, narra.

Para Kátia, o álbum “rompeu fronteiras que eram muito fechadas”. “Era muito difícil, a gente não contava com as ferramentas que tem hoje, não tinha internet. Foi todo um alcance orgânico”, diz.

“Toda essa movimentação em torno do disco foi incrível e inédita no Ceará, sem falsa modéstia. Foi um caminho que a gente foi abrindo, e que bom, para toda uma geração muito talentosa que também estava lançando seus discos. A possibilidade do compact disc naquele momento foi muito interessante e importante para a música independente”
Kátia Freitas
cantora e compositora

“Ela ganhou muito espaço nessa época e aqui, sem dúvida, também toda uma geração dos anos 1990:  Davi Duarte, Isaac Cândido, Marcus Caffé, Aparecida Silvino, Serrão de Castro, Paulo Façanha… Muita gente vindo junto”, lista.

Celebração do disco e da vida

“Esse disco me traz muitas alegrias. É um disco que gosto até hoje, o público gosta até hoje. É atemporal. Isso é um grande feito, fazer um trabalho que resiste ao tempo, que segue sendo atual”, afirma Kátia.

Apesar da importância da obra para a própria artista e para a música cearense, porém, ela confessa que “nem lembrava dos 30 anos” de “K” por conta de momentos delicados vividos desde a pandemia e pelo luto vivido com a perda de Cristiano, que faleceu em julho de 2024 aos 59 anos.

“Eu já vinha num certo silêncio e depois, por todo esse processo, não passava pela minha cabeça voltar a cantar agora. Não me sentia preparada, nem lembrava dos 30 anos. Fui lembrada pelas pessoas”, partilha.

Ao longo do ano, ela começou a receber contatos de diferentes produtores, artistas e outros nomes para projetos celebrativos do disco. 

Capa do disco 'K', com design de Eduardo Odecio Almeida e fotografia de Gentil Barreira
Legenda: Capa do disco "K", com design de Eduardo Odecio Almeida e fotografia de Gentil Barreira
Foto: Reprodução

“Comecei a ficar um pouco mais motivada, foram muitas pessoas chegando. Mesmo sem me sentir preparada, mesmo sentindo muito a falta do Cris, mesmo com tudo isso que ainda me embarga a voz, falei: ‘Vou. Com medo, com dor, com tudo, vamos comemorar’. Porque essa também era a vontade dele, tenho certeza”, reconhece a artista.

Para Kátia, a comemoração se estende à vida de Cristiano: “É uma celebração a ele também, a nós dois, à nossa união nesse disco. Nós somos a alma do ‘K’. O próprio “K” tem um 'C' embutido. É um disco de nós dois”.

Ações celebrativas

A primeira das ações celebrativas ocorre neste sábado (4) numa edição especial do programa Imagens Sonoras, do Museu da Fotografia Fortaleza, dedicado a debater capas de discos.

O bate-papo com Kátia, mediado pelo artista Régis Amora, ocorre às 15 horas e já está com ingressos esgotados. “Vai ser um uma conversa muito boa, aconchegante e cercada de gente que gosta do meu trabalho. Isso é muito importante, começar dessa forma”, pontua.

Além da conversa sobre os elementos da capa de “K”, a artista fará um pocket show com canções do trabalho acompanhada pelo músico Eduardo Lopes.

A partir da segunda (6), é a vez do projeto Poesia em Cartaz, criado por Paulo Fraga-Queiroz. Nele, 20 poemas de 20 cearenses estarão espalhados pelas ruas de Fortaleza em outdoors. 

Uma das convidadas é Kátia, que terá um trecho da composição de “Palavra”, uma das canções do disco “K”, em um outdoor na cidade.

“Em novembro, a gente está pensando em shows e coisas que eu ainda não posso falar porque ainda estão se definindo, mas com certeza a gente vai fazer um show de comemoração e está preparando tudo com muito carinho”, adianta.

Música que permanece

Antes de dar partida nas ações dos 30 anos de “K”, Kátia veio se somando a diferentes projetos, como numa espécie de “preparação”.

Em julho, ela foi convidada pelo cantor e músico Fernando Catatau para o show “Na paz do caos”, no Festival Bora. “A gente tem uma relação com a história do outro. Fiquei muito feliz de ser convidada por ele. Mesmo com medo desse momento, aceitei e foi extraordinário”, afirma.

No mesmo mês, foi convidada para ministrar oficina de canto popular no Festival Mi – Música na Ibiapaba. “Não hesitei em aceitar porque percebi que era uma oportunidade de me reaproximar da música — porque eu estava bem afastada e recolhida — sem me expor, e de aprender”, aponta.

Kátia Freitas ministrou oficina de canto popular no Festival MI, em julho: 'Oportunidade de me reaproximar da música'
Legenda: Kátia Freitas ministrou oficina de canto popular no Festival MI, em julho: "Oportunidade de me reaproximar da música"
Foto: Ribamar Neto / Divulgação

Entre reticências e coragens para se lançar nesses pequenos grandes passos, o que se impôs foi a reverência de Kátia à música.

“Ela sempre foi e sempre será soberana na minha vida. É ela que manda. Não é sobre mim, é sobre a música. É ela que me atravessa. Sou um instrumento da música, que me permite entrever um pouquinho da infinitude dela”, compreende.

Esse entendimento, ela segue, é permanente mesmo diante dos desafios dos novos contextos de tecnologia e mercado. “Isso por um lado favorece que o trabalho chegue mais rápido nas pessoas e tenha um maior alcance. Por outro, ainda continua injusto com autores, com criadores”, avalia.

Há, por exemplo, uma cobrança para que os dois discos de Kátia — além de “K”, há “Próximo” (2002) — estejam nas plataformas digitais. No entanto, por questões políticas, ela não pretende colocá-los. 

Capa do disco 'Próximo', de Kátia Freitas, lançado em 2002
Legenda: Capa do disco "Próximo", de Kátia Freitas, lançado em 2002
Foto: Reprodução

“Prefiro encontrar alternativas, porque acho o modelo injusto e porque surgem novas notícias a respeito de onde (os donos de plataformas) investem o dinheiro que ganham: em tecnologia de guerra. Não quero que a música que eu faço esteja participando disso”, sustenta.

“A gente vai se adaptando e mantendo as coisas em que a gente acredita, mesmo diante desses cenários diferentes”, resume a artista. Acima de tudo, há o respeito à arte e ao público.

É ao público, inclusive, que ela credita a maior importância. “Aqui no Ceará, numa época que era mais difícil e árida, ele sempre me tratou como ‘artista nacional’, nunca fez essa diferença. É o público que me sustenta até hoje com muito carinho”, confia.

Imagens Sonoras sobre "K", com Kátia Freitas

  • Quando: sábado, 4, às 15 horas
  • Onde: Museu da Fotografia Fortaleza (rua Frederico Borges, 545, Varjota)
  • Ingressos esgotados

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