Karim Ainouz fala da necessidade das utopias no cinema e do novo filme com elenco hollywoodiano

Em 2022, cineasta cearense projeta o lançamento dos documentários “O Marinheiro das Montanhas” e “Nardjes A.” nos cinemas e comenta o novo projeto que terá a atriz Michelle Williams vivendo uma histórica rainha inglesa

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Iracema, mãe de Karim Aïnouz
Legenda: Iracema, mãe de Karim Aïnouz

São 11 horas e Karim Aïnouz ainda teria uma série de reuniões naquela sexta-feira. Em Londres, o diretor trabalha a pré-produção do próximo filme. Horas são dedicadas a leituras do roteiro. “Firebrand” contará a história de uma rainha da dinastia Tudor. “É o retrato de uma mulher que é muito importante”, descreve. 

Ele fala de Catarina Parr, a sexta e última esposa de Henrique VIII. A cinebiografia marca a estreia do cineasta cearense em produções de língua inglesa. Michelle Williams (“Manchester à Beira-Mar") e Jude Law (“Closer: Perto Demais”) estão no elenco. Promete demais.  

São 11 horas e Karim Aïnouz ainda teria uma série de reuniões naquela sexta-feira. Em Londres, o diretor trabalha a pré-produção do próximo filme. Horas são dedicadas a leituras do roteiro. “Firebrand” contará a história de uma rainha da Dinastia Tudor. “É o retrato de uma mulher que é muito importante”, descreve. 

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No entanto, o pensamento de Karim também está em Fortaleza. Na mesma data, o encerramento da 31ª edição do Cine Ceará realizaria sessão especial de “Marinheiro das Montanhas”. Após ser aplaudido em Cannes, era a primeira exibição do filme no Brasil. 

O festival guarda lugar cativo na carreira do diretor. Essa relação começa em 1992, momento em que seu curta-metragem “O Preso” é premiado como melhor filme. Em 2021, assim como foi na histórica sessão de “A vida Invisível (2019)”, o Cineteatro São Luiz é novamente palco desse reencontro.  

Documentário desbrava uma série de cenários da Argélia que nunca foram filmados
Legenda: Documentário desbrava uma série de cenários da Argélia que nunca foram filmados

“Marinheiro das Montanhas” é um das obras mais íntimas de Karim. O documentário registra a inédita viagem do cearense à Argélia, terra natal do seu pai. “Meu desafio foi como tornar algo pessoal relevante para o público de cinema”, descreve. 

Essa jornada teria de se concretizada em algum momento da vida, compartilha o diretor. A curiosidade tornou-se matéria-prima para o projeto. Um processo, salienta, que não estava programado. Mesmo com tantas imagens e fantasias sobre o que era aquele lugar, o diretor se perguntava ou se valeria um filme. 

“Será que merece o esforço, dinheiro, a jornada? Vi que merecia, apesar de ser muito pessoal e íntima, ter uma transcendência. De falar além da minha mãe, de ser universal não só no sentido do amor. Interessava fazer e ir desconstruindo. É também um filme sobre o processo de descolonização”.  

Utopias  

O contato com as raízes por meio da câmera o fez entender que a família paterna lutou contra a dominação colonial. Essa descoberta é encarada como o encontro de um legado. “Vivemos um mundo, primeiro que eu acho mais povoado pela distopia do que a utopia. Como aconteceu na Argélia, a emancipação de vários países é um momento de sonho, de utopia, de imaginar um País novo. O personagem do meu pai que foi aos Estados Unidos para se treinado e voltar para reconstruir aquele país é um exemplo”, enumera. 

Cartaz estrangeiro de
Legenda: Cartaz estrangeiro de "Marinheiro das Montanhas"

Além de contar uma história pouco conhecida, “Marinheiro das Montanhas” guarda relevância para o agora, marcado com a pandemia, com os governos autoritários e patriarcais. Virou quase uma missão contar essa história, pontua.  "A viagem é uma desculpa para falar de coisas maiores, temas maiores e acho que nos fazem muito bem falar deles hoje”, completa.

Karim observa que se trata de um filme de “meio de carreira”. Chega em uma fase onde se tem menos medo, menos a perder. "Não teria feito esse filme 20 anos atrás", demarca. Por sua vez, o trabalho permitiu experimentar cada vez mais.“Quando você escreve uma poesia ou uma música, você não se pergunta. Tenho o exercício de liberdade grande, posso fazer o que eu quiser. Usar imagem de Super 8, celular... Tive a liberdade formal e emocional".

Se perder

Adentrar um território desconhecido propiciou uma experiência única. “Tive produtores que estiveram do meu lado, houve momentos complicados na Argélia. Não é um país onde existe censura, mas tem um estado policial muito forte, é complicado de filmar", descreve.  

No início, era perceptível uma certa hostilidade. Aos poucos, essa sensação ia passando. Ainda mais quando o visitante explicava ser brasileiro. A equipe de filmagem foi composta por três pessoas e foi precisa. Mesmo com a tensão, existia o domínio de saber onde ou não filmar.

“Mostramos lugares de Alger que nunca tinham sido filmados. É uma negociação. Como essa conversa foi através do cinema, a câmera ao mesmo tempo em que ela é um instrumento de distanciamento, foi um processo de aproximação”.  

Nada muito perigoso, mas existia certa desconfiança com o estrangeiro. “Marinheiro das Montanhas” tem um fator adicional por ser narrado pelo diretor. “Pensei de um ator fazer a voz. Não fazia sentido. Aí eu não queria muito. Gravei, depois coloquei a narração. Como ato de coragem, seria incoerente não ter minha voz", assevera.

Impressões e descobertas do estrangeiro em busca das raízes
Legenda: A rotina da viagem pelo mar e a estadia em quartos de hotel são detalhes registrados no documentário

Em determinado momento do filme, o protagonista percorrer as ruas de Alger e diz ter se perdido do caminho do hotel. O que poderia parecer preocupação, instiga um novelo de descobertas. Não é sobre estar lá, conta Karim. É sobre como chegar lá. A odisseia passa pelo se perder. Como você chega num lugar e aquilo te transforma. 

"Geralmente, esse exercício de liberdade, de experimentar mais, no cinema é muito de você filmar. Era muito bom saber para onde estava indo, o que estava filmando. Foi uma experiência libertadora como pessoa, autor e cineasta. Esse se perder foi um prazer” 

Revoluções

Até desembarcar no continente Africano, Karim nunca vira imagem alguma de Argel, mesmo depois da internet. Poderia ter ido de avião, mas preferiu percorrer a ausência de barco. Pode saborear cada segundo e o cinema permitiu esse registro. A previsão de Karim é que “Marinheiro das Montanhas” chegue ao mercado exibidor no primeiro semestre de 2022.

Pode ser em março e a estreia deve ser acompanhada de outro filme dirigido pelo cearense. É o caso do documentário “Nardjes A.” Filmado com o recurso do celular, o registro aconteceu durante a mesma viagem do diretor àquela nação. A obra ilumina a jovem ativista Nardjes, que participa dos protestos argelinos ocorridos em 2019. “São filmes meio primos”, argumenta Karim.  

Ambos falam de liberdade. "O 'Marinheiro...’ é sobre essa revolução. O que eu mais descobri nesse projeto como um todo foi a história de uma revolução. É uma pena, observa, que a história da Argélia e suas conquistas sejam tão pouco contados", alerta. 

Cena de
Legenda: Cena de "Nardjes A."

Ele cita o exemplo do Festival Pan-africano de 1969. Realizado em Argel, o evento celebrou um novo mundo pós-imperial com shows de nomes como Nina Simone e Miriam Makeba. Reuniu Panteras Negras e Organização para a Libertação da Palestina. Porém, do mesmo período, o Ocidente costuma citar apenas manifestações como “Maio de 68” e “Woodstock”.  

E o cearense segue a jornada de contar histórias pouco reveladas. Agora será a vez da rainha Catherine Parr. “É um filme gigante, sobre uma mulher sonhadora que acreditava na educação. É um feito moderno e universal. Me interessa contar isso”, finaliza Karim Aïnouz. 

 

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