Descubra o que é NFT e como isso tem movimentado o mercado de arte na internet

Cearenses têm apostado nesse formato que já atraiu investimentos milionários pelo mundo

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
mentalizing
Legenda: Obra "Mentalizing" (Mentalizando), de Wescley Braga

Se você não faz a menor ideia do que significa NFT, blockchain, Hic et Nunc ou OpenSea, por exemplo, fica aqui por mais uns minutinhos que vamos resolver esse problema. Sim, porque esses termos estão se popularizando cada dia mais e, sendo você artista, apreciador de arte ou mesmo investidor, entender melhor as possibilidades que estão se abrindo em âmbito virtual é uma questão de estratégia.

No Brasil, nomes como Elza Soares e André Abujamra, por exemplo, já começaram a apostar nesse mercado que tem movimentado milhões de dólares no mundo. Para se ter uma ideia, em 2021, colecionadores pagaram US$ 69 milhões (R$ 382 milhões) por imagens digitais do artista Beeple e US$ 2 milhões (R$ 11 milhões) por edições especiais do novo disco da banda Kings of Leon.

Isso sem falar nos memes. Semana passada, o da ‘Chloe’, aquela loirinha com seu olhar de reprovação peculiar, arrecadou US$ 73.900 (R$ 395 mil).  A imagem da garota em frente a um incêndio chegou a US$ 473 mil (R$ 2,4 milhões). E o cãozinho "Doge" bateu recordes, sendo arrematado por mais de US$ 4 milhões  (R$ 21,3 milhões) em junho passado.

Mas, afinal, no que se está investindo?

Conforme explica Edemilson Paraná, professor de Sociologia Econômica e do Trabalho da Universidade Federal do Ceará (UFC), NFT é a sigla para "Tolken não fungível", ou seja, um signo de caráter único. 

“Na verdade, trata-se de um código que indica que alguém é proprietário de um dado conteúdo digital. É como se fosse um certificado, um selo de autenticidade que confirma que alguém criou ou pagou por aquilo”, introduz.
Edemilson Paraná
Professor da UFC

“A transação dessas NFTs é feita em uma blockchain, que é a tecnologia descentralizada e de validação transparente que está na base do funcionamento das criptomoedas”, completa o autor dos livros "A Finança Digitalizada: capitalismo financeiro e revolução informacional"  e "Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico".

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Ainda segundo o pesquisador, a vantagem desse mercado para o artista é poder monetizar com mais facilidade as artes digitais - sejam elas originariamente digitais ou "físicas" que foram posteriormente "digitalizadas" e, assim, comercializadas no espaço virtual.

“Fazer isso em um mercado que cresce em atenção, interesse e algum fascínio por parte de algumas pessoas é uma oportunidade”, avalia.

Já para o consumidor, acredita Edemilson, o apelo está em consumir um produto puramente digital - nesse caso, um código, seus metadados - que seja garantido, certificado como único.

E aqui, vale ressaltar, o digital não exclui o físico, ainda que um suposto rascunho de Picasso outro dia tenha sido queimado para ser transformado exclusivamente em NFT.

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Experiências cearenses

No Ceará, alguns artistas começaram a flertar com esse mercado desde o primeiro semestre do ano. É o caso do cantor, compositor e produtor musical Arquelano, 27 anos, que recentemente desenvolveu quatro obras audiovisuais em parceria com o artista visual cearense Eduardo Moreira, uma delas disponibilizadas no último dia 20 de setembro para aquisição digitalmente.

NFT Melodia
Legenda: Melodias, de @arquelano, em colaboração com Edu Moreira (@terremofo)

Para Arquelano, além da curiosidade em explorar uma nova linguagem, a questão financeira foi um dos principais atrativos neste universo. “Afinal, ser artista independente no Brasil não é nada fácil e toda oportunidade lícita de renda é mais que bem-vinda”, reforça.

Segundo ele, existem duas etapas no processo de desenvolvimento de uma NFT: o processo criativo em si e o de “mitação”, o que alguns artistas também explicam como “mintar”, que é quando de fato a obra se torna um NFT. 

“Como artista sonoro, a minha principal ferramenta criativa é um DAW chamado FL Studio, que utilizo para a produção musical. As obras musicais foram desenvolvidas a partir de desdobramentos de algumas canções do meu ‘EP Ponto’, sendo a primeira delas inspirada em ‘melodias’. A parte visual foi desenvolvida pelo Eduardo Moreira, que utilizou uma técnica chamada ‘sound reactive visualizer’, que reage de acordo com as vibrações do som”, explica.

Hic et Nunc é a plataforma de marketplace escolhida por Arquelano para lançar este trabalho. O fato de ser brasileira, ter uma comunidade bastante engajada e também de ser uma das mais acessíveis financeiramente - visto que seus processos são baratos, algo em torno de um dólar - foi decisivo para ele. E também atraiu a artista visual cearense Marissa Noana, 24 anos.

“Em março, eu recebi a proposta de transformar minhas pinturas digitais em NFTs pela artista visual brasiliense Tais Koshino. Ela é uma das curadoras e co-fundadora do coletivo DiverseNFTArt, iniciativa que apoia a diversidade e inclusão no espaço das artes NFT dentro da plataforma brasileira Hic et Nunc. Até aquele momento eu não fazia ideia dessa possibilidade e atualmente ainda acho um universo muito vasto, para inúmeras possibilidades de pessoas e produções”, contextualiza Marissa.

Manib, ilustração digital, 4961 x 3508 PNG. por @marissanoana
Legenda: Manib, ilustração digital, 4961 x 3508 PNG. por @marissanoana

Há seis meses na plataforma, a cearense já fez mais de 40 obras de NFT e em quantidades que variam entre 10 e 30 tiragens. Além do retorno financeiro, ela chama atenção para a rede de apoio que se cria entre os artistas. “Por conta dessa rede já expus trabalhos de NFT em vários lugares do mundo, como na Galeria Greulich, na Alemanha”, conta.

Nas criações, ela faz uso do krita, um software de desenho gratuito, e também do photoshop. 

“O processo se dá muito por histórias pessoais, criando um mundo possível para habitar em requadros de tempos e enfoques sensíveis e profundos, contando sofre afetidade preta e lésbica. As etapas criativas dependem de como estão minhas emoções e meu corpo, depois faço um rascunho, seleção das cores e por último a arte finalização com as ferramentas citadas”, arremata.
Marissa Noana
Artista visual

Como investir

De Sobral, o artista plástico Wescley Braga, 34 anos, tem trabalhado há sete anos na coleção Hybrid Worlds (Mundos Híbridos), criando várias experimentações que misturam arte tradicional com arte digital. Até o momento, segundo ele, essas obras estavam guardadas devido a uma insegurança sobre os direitos autorais na internet, mas agora, com a possibilidade do NFT, o sobralense considera que já podem ser apresentadas adequadamente.

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Diferente de Arquelano e Marissa, Wescley optou por outra plataforma para disponibilizar a coleção que reúne cerca de 100 trabalhos. “Fiz várias pesquisas sobre marketplace para NFT e o OpenSea é um dos que se destacaram por ser um dos maiores e um dos primeiros marketplace de NFT do mundo, onde já aconteceram várias transações, além de ser bastante conhecido. Esses critérios trazem uma segurança para o artista e para os colecionadores na hora de adquirir uma obra em NFT”, avalia.

Legenda: Coleção Hybrid Worlds (Mundos Híbridos), de Wescley Braga

Para comercializar em qualquer marketplace de NFT, é necessário criar uma carteira digital (Metamask, Temple, etc), que pode ser baixada tanto pelo celular quanto pelo computador. Depois de criar o cadastro, é hora de comprar a criptomoeda. Ethereum, no caso do Open Sea, ou Tezos, no Hic et Nunc, por exemplo.

A compra da moeda pode ser feita com cartão de crédito e, no caso do artista, paga-se uma taxa para registrar o NFT. Essa taxa varia de acordo com a oscilação da criptomoeda. Wescley investiu algo em torno de 200 dólares, por exemplo. Mas está otimista com o que pode receber.

“É um novo mercado que vem se consolidando através das valorizações cada vez maiores. Existem pessoas diariamente investindo, comprando, colecionando e vendendo a grandes quantias de dinheiro. Inclusive na ArtRio desse ano já tinha vários NFTs disponíveis à venda”, comenta.
Wescley Braga
Artista plástico

Dilemas e questões ambientais

O professor Edemilson Paraná atenta para um cenário ainda nebuloso quanto aos direitos de propriedade intelectual, o que abre espaço para fraudes e golpes nesses mercados. E usa os exemplos dos memes milionários para ilustrar o pensamento.

“Ter esse meme em NFT, a despeito de te dar a propriedade sobre aquela versão específica dele - a primeira, a originária, o código que ela porta - não impede que o meme siga sendo copiado, reproduzido, utilizado, vendido novamente em outro mercado etc. A mesma situação - e os problemas e incertezas disso advindos - pode servir para uma obra de arte digital também. Vai depender dos termos que o contrato firmado no momento da compra ou da venda de cada produto determinar, e isso pode variar muito de caso a caso”, observa.

O altíssimo gasto de energia mobilizado para produção, custódia e processamento de critpo-ativos, como criptomoedas e NFTs também é um dilema nesse mercado. Segundo o pesquisador, o procedimento para validação das informações é, nesses casos, altamente intensivo em processamento computacional e, assim, em gasto de energia. 

“E isso em meio a um cenário de crise ambiental e crise energética, como é o caso do Brasil. Em suma, gasta-se uma quantidade gigantesca de energia que seria útil e necessária em várias atividades para, basicamente, se girar a roda especulativa dos mercados financeiros, agravando o problema ambiental”, aponta.
Edemilson Paraná
Professor da UFC

Por enquanto, os artistas se apegam a algumas saídas encontradas para este cenário. “Hoje já existem alternativas que utilizam menos energia, os ditos eco-NFTs. Cunhar um Tezos NFT consome quase tanta energia quanto enviar um Tweet, o que torna Hic et Nunc uma alternativa ética para artistas e colecionadores alarmados com a tão divulgada ecologia da criptoarte”, defende Arquelano.

Se essa “moda” de NFT será efêmera ou não, é difícil responder. Mas Edemilson Paraná avalia que essa febre, relacionada também ao efeito "novidade" deve baixar, de modo drástico ou suave, em algum momento. 

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“No entanto, enquanto o ambiente econômico estiver favorável para isso, seguirá, como um tipo de investimento, atraindo mais e mais pessoas. Mas é e seguirá sendo, repito, um tipo de investimento muito volátil, incerto, arriscado. Como mecanismo técnico de validação de informações digitais, por sua vez, é algo que, sabemos desde as criptomoedas, veio para ficar e seguirá produzindo, no âmbito da tecnologia blockchain, outros desdobramentos importantes, e ainda desconhecidos”, conclui o pesquisador.

Serviço

Arquelano (@arquelano): NFT no Hic et nunc 

Marissa (@marissanoana): NFTs no Hic et nunc

Wescley Braga (@artewescleybraga): NFTs no OpenSea

 

 

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